Em meio à crise política e protestos de ruas persistentes, milhões continuam sendo gastos na construção de grandes estádios em nosso país. O principal objetivo desse investimento é garantir a Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos para o Brasil. Mas um efeito colateral igualmente importante e desejável é melhorar a nossa imagem no exterior.
Quando esses megaeventos foram anunciados pelo governo brasileiro, a ideia parecia muito boa, lucrativa e popular. Na História, outros governos – como a Alemanha nazista – também apostaram muito na paixão do povo pelos esportes e na possível mudança da imagem internacional.
Depois de derrota humilhante em uma guerra mundial e em crise econômica profunda, o então novo governo alemão tentou convencer o mundo de que o país tinha mudado. Foram investidos milhões na promoção de uma grande celebração internacional, os Jogos Olímpicos de 1936 em Berlim.
O tiro saiu pela culatra.
A Alemanha teve que amargar a humilhação de grandes derrotas e o herói da competição foi o atleta negro norte-americano Jesse Owens. Ele contradisse todas as teorias políticas e raciais da Alemanha de Hitler. O grande investimento alemão não rendeu os lucros políticos desejados. Hitler e sua Olimpíada tornaram-se motivo de piada internacional. Dentre muitas, a melhor deve ser esta e creio que dispensa tradução:
– What was Hitler’s reaction when Jesse Owens won 4 gold medals?
– He was fuhrer-ious! [Ver aqui]
Preconceitos
Hoje, o Brasil também investe milhões em uma Olimpíada e na mudança de sua imagem no exterior. Estamos diante de um novo projeto político, social e econômico do governo brasileiro. Mas pensamos sempre grande e ainda maior do que outros tempos e países. Ao invés de se limitar a realizar jogos olímpicos, o Brasil decidiu sediar a Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas.
Poucas vezes na História um país sequer imaginou ou tentou realizar esses dois megaeventos internacionais quase ao mesmo tempo. O risco do fracasso é enorme. E a possibilidade do Brasil se tornar motivo de piada, como no caso da Alemanha de Hitler em 1936, também é considerável.
E talvez essa ameaça já esteja se concretizando na mídia internacional.
Nos últimos dias, em meio a notícias de ainda mais violentos protestos de rua, duas matérias sobre o Brasil parecem confirmar as piores previsões sobre a nossa imagem no exterior.
A primeira foi a reportagem produzida pelo Colbert Report, um programa de sátiras muito popular da emissora de TV norte-americana Comedy Central, sobre as manifestações no Brasil [ver aqui]. De forma debochada, tendenciosa e humilhante, o apresentador do telejornal cômico, Stephen Colbert, ridiculariza os nossos megainvestimentos em estádios de futebol. Mas temos que reconhecer que a matéria é hilária e talvez até pertinente.
A imagem do Brasil no exterior, aquela coisa não muito clara, definível ou identificável que governos gastam milhões para manipular ou pelo menos influenciar, continua confirmando os piores estereótipos. Talvez seja inevitável ou talvez nós brasileiros façamos o possível e o impossível para confirmar essas imagens preconceituosas.
Expulsar correspondente
A segunda piada foi publicada no prestigioso The New York Times. O autor é o jornalista Larry Rohter. Lembram? Larry Rohter foi o correspondente estrangeiro que o governo do presidente Lula tentou expulsar do Brasil por uma matéria publicada no NYT, em 2009. Na época, ele foi oficialmente acusado de “denegrir a imagem do Brasil no exterior” nos termos do artigo 26 da Lei nº 6.815, de 18 de agosto de 1980. Esta lei que trata das condições para entrada e permanência de estrangeiros no Brasil, e que foi citada pelo governo Lula para justificar a expulsão do então correspondente, por mais incrível que pareça é da época da ditadura. No mínimo, irônico. [Ver aqui relato de pesquisa]
Naquela época, eu residia no exterior e pude testemunhar muitas críticas contundentes ao Brasil na imprensa internacional e o surgimento de inúmeras piadas igualmente debochadas e humilhantes sobre os hábitos etílicos do então presidente Lula.
Para a mídia internacional, não “pega bem” expulsar correspondentes que falam mal de governos e, ainda mais, correspondentes que se limitam a transcrever o noticiário nacional sobre a vida pessoal de presidentes. Isso é pedir para ser ridicularizado, debochado e virar piada internacional.
Pensamento-imagem
No último fim de semana, Larry Rohter retornou ao noticiário com um artigo sobre o governo brasileiro para o NYT. Ele destrincha as últimas iniciativas da presidente Dilma Rousseff para diminuir ou diluir os protestos de ruas no Brasil [ver aqui].
O jornalista americano cita a fracassada tentativa de convencer o Congresso brasileiro a apoiar um plebiscito popular, a reunião com milhares de prefeitos em Brasília que rendeu vaias humilhantes e a recente viagem de Dilma a São Paulo para consultar o ex-presidente Lula sobre os protestos.
Para um ex-correspondente estrangeiro no Brasil, a matéria é boa. Mas, para bom entendedor, a piada é ainda melhor. Tem sabor de ironia e vingança.
No artigo para o NYT, Larry Rohter não perde a oportunidade de selecionar algumas situações políticas recentes e embaraçosas que confirmam tudo aquilo que o estrangeiro espera do Brasil. Ele faz questão de mostrar que, apesar de longe, não esqueceu as nossas mazelas políticas, o lado engraçado de governar o Brasil.
Nos dois casos, tanto na reportagem cômica da TV norte-americana quanto no artigo “sério” do NYT, fica evidente de que, apesar de gastar milhões, o governo brasileiro ainda não conseguiu reverter as expectativas da cobertura internacional sobre o nosso país. Muito pelo contrário.
A imprensa internacional continua reafirmando os piores estereótipos brasileiros. Assim como estamos ansiosos para mudar o país, talvez esta seja a hora de parar de se importar tanto com a nossa imagem. Ela não é tão importante. Não passa de um pensamento-imagem. Assim como uma piada, ela pode ser boa ou ruim. Tanto faz.
O que realmente importa é o que acreditamos sobre nós mesmos.
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Antonio Brasil é jornalista, professor da Universidade Federal de Santa Catarina, pesquisador do Grupo Interinstitucional de Pesquisas em Telejornalismo (GIPTELE) e autor do livro Telejornalismo Imaginário (Editora Insular).