Dois acadêmicos estrangeiros, de posições contrapostas, chegam a conclusões igualmente contrapostas – mas, curiosamente, ambas verossímeis – a propósito dos protestos no Brasil (e no mundo). O que não significa que sejam verdadeiras, já que paira um imenso ponto de interrogação sobre as manifestações. Refiro-me a artigos do esloveno Slavoj Zizek, popstar da filosofia, para a London Review of Books, e do cientista político Francis Fukuyama, famoso por ter decretado “o fim da história” com o triunfo definitivo do capitalismo e da democracia liberal, este para o Wall Street Journal.
Para Zizek, os protestos são anticapitalistas. “São todos reações a facetas diferentes da globalização capitalista. A tendência geral do capitalismo global de hoje é no sentido de uma expansão ainda maior do império do mercado, combinada com o progressivo fechamento do espaço público, a redução dos serviços (saúde, educação, cultura) e uma gestão sempre mais autoritária do poder político”, escreve. Não é difícil, de fato, ler os protestos no Brasil com essa lente. Pediram melhores serviços públicos, entre eles os de saúde e educação, e uma reforma política que desse aos mortais comuns um papel de maior protagonismo ante um poder político fechado em si mesmo. Resta saber se são protestos contra o capitalismo como sistema, como crê o esloveno, ou contra abusos que podem ser remediados sem jogar o sistema em si no lixo.
De todo modo, é igualmente aceitável a conclusão de Zizek de que as manifestações são uma “tomada de consciência de que a forma atual da democracia representativa não é suficiente para combater os excessos do capitalismo e, portanto, a democracia deve ser reinventada”.
Não deixaria de ser uma revolução.
A velha história da cor das lentes
Fukuyama não vê revolução, mas “fermentos”:
“O elemento em comum nas recentes desordens na Turquia e no Brasil, como também na Primavera Árabe de 2011 e nos contínuos protestos na China, é a ascensão de uma nova classe média global. Onde quer que se tenha afirmado, essa classe média provocou fermentos políticos, mas quase nunca tem sido capaz de determinar por si só mudanças duradouras.”
O cientista político duvida que seja diferente agora. Ao contrário de Zizek, Fukuyama não vê anticapitalismo, mas o seu oposto no perfil dos manifestantes:
“Grande número de estudos conduzidos em vários países, entre os quais algumas pesquisas do Centro Pew e dados da Pesquisa Mundial sobre Valores da Universidade de Michigan, demonstram que pessoas com nível de instrução mais alto atribuem maior valor à democracia, à liberdade individual e à tolerância com estilos de vida diferentes.”
Ou, posto de outra forma, os manifestantes seriam “burgueses que reclamam não só segurança para a própria família, mas também liberdade de escolha e mais oportunidades”.
No fundo, é aquela velha história de que tudo depende da cor das lentes com as quais se olha algum fenômeno.
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Clóvis Rossi, da Folha de S.Paulo