Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O estranho silêncio sobre a Operação Kaspar

A Polícia Federal divulgou na terça-feira (17/4/2007) informações sobre a Operação Kaspar, cujo objetivo é combater crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro. O esquema é composto, na ponta, por doleiros. Mas há também um banco suíço sendo investigado e ‘várias empresas transnacionais’. Diante desta bomba, talvez tão grande ou maior que o caso Banestado, o que fez a mídia grande? O Globo Online, por exemplo, veio com um título pequeno na capa: ‘Devassa em casas de câmbio encontra dinheiro até no ralo’. E o subtítulo: ‘Policiais prendem 22 pessoas, apreendem US$ 700 mil’.

No corpo do texto, que vou me dar o trabalho de digitar palavra por palavra, já que O Globo não permite que os leitores usem o famoso ‘ctrl+c’, estão os quatro parágrafos seguintes:

‘São Paulo – A Polícia Federal desencadeou, nesta terça-feira, em São Paulo, uma grande operação contra doleiros e casas de câmbio, prendendo 22 pessoas e desmantelando cinco grupos de doleiros que movimentavam pelo menos US$ 30 milhões ao mês, praticando câmbio negro e enviando ilegalmente dólares para o exterior. A PF utilizou 240 policiais federais para execução da operação policial, denominada ‘Kaspar’.

No Paraná, a PF de Guaíra deflagrou, na manhã desta terça-feira, a Operação Cobra d’Água para desmantelar seis quadrilhas especializadas em contrabando do Paraguai pelas águas do Lago de Itaipu, Rio Paraná e por rodovias paranaenses e paulistas.

Operação em SP – Somente numa casa de câmbio na avenida Paulista, em São Paulo, a PF apreendeu US$ 700 mil, dos quais US$ 550 mil escondidos numa parede falsa no interior de um dos escritórios. A PF apreendeu ainda US$ 177 mil em outro escritório, escondidos num ralo. Os policiais apreenderam também 24 carros de luxo, como Porsche, Mercedes-Benz, Audi e Toyota. Além dos doleiros presos, outros dois chefões da máfia, Marco Antonio Cursini e Caio Vinicius Cursini, fugiram e estão foragidos no Brasil. Outro doleiro, Nick Salussoia, está no exterior.

Entre o material apreendido, estavam 24 automóveis, na maioria de luxo, das marcas Porshe, Mercedes-Benz, Audi, Toyota e outras; US$ 700 mil em espécie, dos quais US$ 550 mil em compartimento secreto existente no escritório de um dos doleiros; R$ 177 mil em espécie; dezenas de relógios valiosos e uma pistola semi-automática.’

Agora, leia a nota da Polícia Federal, divulgada para toda a imprensa:

‘Operação Kaspar combate crimes contra sistema financeiro

São Paulo/SP – A Polícia Federal realiza hoje, 17, a Operação Kaspar. Estão sendo cumpridos 22 mandados de prisão e 52 mandados de busca e apreensão em imóveis comerciais e residenciais localizados, em sua maioria, na região metropolitana de São Paulo e também nos estados do Rio de Janeiro, Bahia e Amazonas para apreender provas de crimes contra o sistema financeiro nacional e de ‘lavagem’ de dinheiro.

A investigação iniciou-se em setembro de 2006, a partir da identificação de um doleiro que operava para um escritório de representação de um banco suíço, nesta Capital, promovendo o câmbio ilegal de moedas, na modalidade ‘dólar-cabo’, para clientes daquele banco que possuíam vultosas quantias de dinheiro em contas bancárias no exterior sem declará-las à Receita Federal.

Ao longo de sete meses de investigação, foram identificados os líderes e outros integrantes de cinco grupos de doleiros baseados na cidade de São Paulo que vinham atuando sistematicamente no mercado negro de câmbio de moedas, tanto para promover a evasão de divisas do país, quanto para garantir aos seus possuidores o proveito de recursos financeiros de origem ilícita.

Várias empresas que transacionavam regularmente com os grupos de ‘doleiros’ foram alvos de mandados de busca e seus representantes legais serão investigados por suspeita de crimes fiscais, financeiros e de ‘lavagem’ de dinheiro.

Foram ainda congeladas 19 contas bancárias no Brasil utilizadas pelos doleiros e seus maiores clientes para movimentar valores oriundos dos crimes financeiros e também solicitado o bloqueio de 6 (seis) contas bancárias nos Estados Unidos, Portugal e Panamá, pertencentes aos suspeitos.’

Nome da operação

Kaspar é o nome do primeiro capitão da guarda suíça responsável pela segurança do Vaticano. Assim, o nome da operação faz referência ao início da investigação que foi o envolvimento de banco suíço na guarda de valores de origem ilícita de seus clientes no Brasil.

Ou seja, a divulgação do Globo Online foi extremamente superficial. Nenhum banco suíço, nenhuma conta congelada. Para O Globo, a culpa toda é dos doleiros – que parecem trabalhar sozinhos. Geralmente, quando o jornalista recebe uma nota como essa, procura algo mais para acrescentar e enriquecer o texto. Nesse caso, aconteceu o contrário: o jornalista recebeu a nota e subtraiu informações nela contidas.

Na primeira página de quarta-feira (18/4/2007), O Globo impresso veio com a manchete ‘O Rio refém das balas’, sobre a imagem de um caixão que, junto com outra foto, um infográfico e um pequeno texto, ocuparam mais da metade da primeira página. E nada sobre a Operação Kaspar. Imaginei que pelo menos uma pequena matéria seria publicada nas páginas internas. Nada. Nem uma nota sequer.

Perda de oportunidade

Ao omitir as informações divulgadas pela Polícia Federal a respeito da Operação Kaspar, O Globo perdeu uma boa oportunidade de associar a violência no Rio com os crimes contra o sistema financeiro e de lavagem de dinheiro, diretamente ligados ao tráfico de drogas e de armas (as armas de onde saem as balas que O Globo estampou em manchete).

Vale lembrar o livro A Suíça lava mais branco, de Jean Ziegler. No capítulo 4, ele conta que, em 1989, uma quadrilha brasileira foi descoberta em Genebra lavando 500 mil francos suíços por semana. A ponte era feita entre o Banesto Banking Corporation, de Nova York, e o Migros, da Suíça. O nome da empresa que fazia a movimentação era Walter Exprinter e, quando descobriram que por trás dela havia generais das forças armadas brasileiras, a Justiça daqui optou por não colaborar com a investigação.

Ressalte-se o que disse Rosinha Garotinho, no dia 21 de dezembro do ano passado – talvez explique a omissão do jornal O Globo. Naquela oportunidade, a então governadora afirmou que TV Globo mantém uma conta secreta nas Bahamas, no Banco Crédit Suisse, com mais de 100 milhões de dólares. Rosinha deu até o número da conta: 91493. E criticou o silêncio das Organizações Globo no escândalo do Banestado, ‘que envolveu bilhões de reais desviados do Brasil de forma irregular’.

Seja como for, O Globo perdeu uma oportunidade histórica de mostrar a seus leitores que existe uma outra razão para os tiroteios que tanto assustam e vitimam a população carioca. Em tempo: o Jornal Nacional também não tomou conhecimento da Operação Kaspar.

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Jornalista