Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Brevíssimas considerações de um romântico

Eu sou um romântico do rádio. Ao completar dezesseis anos de profissão, sinto quanta coisa mudou do início da década de 90 até agora. Aí bate uma nostalgia que me leva a concluir que já não se faz mais rádio como nos bons tempos.

Foram incontáveis as noites, as madrugadas em que ficava acordado, tocando os velhos discos de vinil, separando os cartuchos grandes que serviam para a veiculação de vinhetas e comerciais. Tudo tinha um clima de arte, de criatividade. Era preciso fazer a mixagem perfeita, ter cuidado com os defeitos dos discos, que poderiam apresentar chiados desagradáveis, pular ou ficar presos em determinado trecho. Para que a música entrasse no ar sem ‘buracos’ era necessário colocar o disco no ponto exato, abrir o canal e ligar o pick-up na hora certa.

Naquele tempo, não imaginávamos o quanto a tecnologia viria para ajudar a melhorar a qualidade técnica, mas, ao mesmo tempo, mataria, aos poucos, o romantismo do rádio. As discotecas eram enormes. Cinco, dez, vinte mil discos, alguns raros, outros, trazidos por representantes de gravadoras, acabavam empoeirados, pois não caiam no gosto do ouvinte.

80% da programação gravada

Naquelas noites e madrugadas do rádio, o telefone foi companheiro fiel. Quantos amigos fizemos, quantos papos, durante horas e horas – a conversa que ajudava a espantar o sono… Parece que o rádio era dotado de uma espécie de aura que conseguia envolver ouvinte e radialista numa energia boa, inexplicável. Aquela caixinha que fala e toca música se transformava em magia, sentimento, emoção. Era uma época feliz!

Com a chegada dos tempos de agora, o rádio perdeu um pouco de seu romantismo. Veio o satélite e, com ele, a frieza de uma programação produzida longe. Vieram os computadores e a praticidade de uma programação bem mixada, precisa, com excelente qualidade de áudio, que, entretanto, acabou matando o gosto de arte que se sentia nos estúdios. Costumo dizer que os operadores não mais existem. Foram substituídos pelos equipamentos high tech, que podem, também, substituir a função do locutor – hoje, discotecas inteiras estão armazenadas na memória do computador.

Tenho a impressão de que a facilidade trazida pelos CDs, MP3, internet e, em muitos casos, a diminuição da qualidade do trabalho desenvolvido no rádio, têm contribuído para um certo desinteresse do público para com este fantástico veículo de comunicação. Muitas emissoras ‘popularizam’ suas programações concomitantemente com a redução de seus quadros e a contratação de gente sem o menor feeling para o ramo. Outras emissoras preferem o uso, quase integral, dos sistemas de automação; algumas chegam a ter até 80% de toda a programação gravada, inclusive com todas as locuções, sem nenhum erro.

Emoção e transpiração

Temos, então, diminuição do mercado de trabalho e a atuação de pessoas desqualificadas; assim, o rádio tem perdido, a cada dia, o seu fascínio junto à comunidade.

Informação, prestação de serviços, boa música e identidade com o ouvinte devem continuar a ser a tônica do rádio. O satélite impõe distância, a informatização exagerada impõe frieza. Mas, o rádio… é dotado de alma, ele fala para pessoas que possuem alma.

As lembranças do rádio dos vinis e cartuchos estão na memória de quem viveu essa época de romantismo. O rádio dos novos tempos está atrelado à internet, à informática e aguarda o advento da digitalização. Os radialistas de hoje e os que estão por vir não podem perder de vista a importância deste veículo como um meio de integração das comunidades regionais, muito bem apontado por Marshall McLuhan, um teórico da comunicação que compara o rádio a um tambor tribal, capaz de reaproximar os homens, reduzir os espaços, através da palavra sonora, falada.

Se não é possível viver mais o romantismo do rádio, não se pode deixar que matem o seu espírito. Rádio é emoção, é transpiração. Rádio deve ser feito por humanos, para humanos. É preciso desfrutar da tecnologia, mas esta jamais deve substituir o homem.

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Radialista, repórter, apresentador da TV Sudoeste e estudante do IX semestre do curso de Direito da Faculdade Independente do Nordeste – FAINOR, Vitória da Conquista, BA