O tom da capa da edição de dezembro/janeiro da Brasileiros, revista mensal de reportagens que chega às bancas semana que vem, está na cara sorridente do personagem principal: Lula.
A manchete diz tudo: ‘De bem com a vida’.
A atração extra é a chamada: ‘Uma conversa franca do presidente com nosso repórter’, Ricardo Kotscho, diretor-adjunto da revista, um dos maiores repórteres do jornalismo brasileiro e, até o final de 2004, Secretário de Imprensa do próprio Lula no Palácio do Planalto.
Na sexta pergunta, o repórter lembra ao presidente ‘a crise política permanente que não sai das manchetes da imprensa’, tomando o cuidado de não pronunciar o palavrão que sobrevoa a pátria petista – ‘mensalão’. ‘Lembro que nos primeiros dias de governo o senhor sempre dizia que `só não podemos errar na política´. O que deu errado?’, pergunta o repórter.
Lula responde, também evitando o palavrão: ‘Eu penso que é preciso avaliar corretamente o que deu errado na política. Alguns companheiros meteram os pés pelas mãos, fizeram tudo aquilo que o PT sempre combateu ao longo da vida. Afinal de contas, foi para isso que criamos o PT, para moralizar a política brasileira…’
Era o Lula falando, sem falar, do mensalão que engoliu o PT e sua bandeira. Pela primeira vez, não negou o que o Supremo Tribunal Federal reconheceu, acatando a abertura de processo contra os 40 mensaleiros e aquele apontado como chefe da quadrilha, José Dirceu.
Por vias tortas, Lula acabou fazendo na Brasileiros o que Dirceu fez na na revista Piauí – falou com desassombro sobre o escândalo, sem negá-lo, sem vestir no mensalão a fantasia esfarrapada do Caixa 2.
Pelo tom da pergunta, parecia que a entrevista ia engrenar, decolar, pegar fogo. Mas foi apenas a exceção que confirmou a regra da conversa amistosa que se esparrama por nove generosas páginas da revista. Uma conversa que às vezes lembra um papo de compadres, reconhecida na abertura camarada que ilustra o encontro de antigos companheiros: ‘Entrevista risonha e franca’, avisa o texto. Pura verdade.
Dedo do gigante
O colóquio, mais risonho que franco, justifica a euforia ‘nunca-antes-neste-país’ escancarada pelo entrevistado, mas não faz jus ao talento e à biografia respeitada do entrevistador. Dava para desconfiar do resultado quando o próprio Kotscho, no texto de abertura, lembra que a idéia da entrevista partiu de Lula, ao final de um almoço em meados de novembro passado no Palácio do Alvorada, com a presença de dona Marisa, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, e o repórter.
– Todo mundo me pede entrevista, menos você. Não quer fazer uma entrevista comigo? Vamos fazer um balanço de tudo o que aconteceu até agora – provocou Lula.
O experiente Kotscho deveria ter driblado a provocação. Só Lula se deu bem ali. Vendeu todo o peixe que tinha, repetiu platitudes, citou a si próprio, ecoou frases feitas e maravilhou-se com o seu próprio desempenho. É uma espantosa entrevista sem notícia.
Lula negou o terceiro mandato (‘nem se o povo pedir’), lavou as mãos quanto às mudanças que o país pede (‘se os partidos não querem fazer a reforma política, não é o presidente que vai fazer’), admitiu seu único arrependimento (‘em 2005, com medo da inflação, aumentamos a taxa de juros’) e repicou sua idéia fixa (‘minha prioridade é fazer com que os pobres tenham condições de melhorar de vida’).
Deu para medir o dedo do gigante na primeira pergunta e na primeira resposta:
Kotscho – Como vai, presidente Lula?
Lula – Eu vou bem porque o Brasil vai bem…
E por aí vai, por ali foi… Maldade de Lula com Kotscho.
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Jornalista