Vai ser interessante ver o comportamento do governo daqui em diante, às voltas com um buraco no orçamento que exigirá bem mais do que as bravatas presidenciais e fórmulas mágicas – se bem que já se fala na ressurreição da CPMF, o que seria o fim da picada, para que o país não volte a empacar, com o perdão do trocadilho involuntário. Sem falar na crescente ameaça de um apagão energético, como o que apavora os argentinos, e que desde já se afigura como um fantasma ainda maior às metas de crescimento dos próximos anos, conforme a imprensa vem alertando, apesar do nonsense do governo nesse sentido.
Creio que não seria exagero vislumbrar aí uma verdadeira prova de fogo para um governo que até agora, a rigor, só teve o trabalho de manter o barco no rumo traçado por seu antecessor. Prova que de certa forma também se estenderá à imprensa, frente à tarefa de não trocar um jornalismo sério e responsável, compatível com os interesses da nação, à tentação de aderir à oposição.
Enquanto seu lobo não vem, é louvável o sangue frio que o governo vem demonstrando diante da gravidade dos problemas neste início de 2008, mas de qualquer modo os indícios de intranqüilidade são notórios, principalmente pela dificuldade de angariar os recursos – cerca de 20 bilhões, pelo que foi divulgado – para cobrir a receita que viria da CPMF. Sem poder aumentar impostos – o que seria a saída mais cômoda, mas que certamente atiçaria ainda mais a opinião pública, só resta cortar gastos, enxugar o orçamento e a particularmente dolorosa adoção de medidas impopulares. Como suspender aumentos salariais e contratações que já estavam alinhavadas no funcionalismo público, tidos como providenciais dentro da própria estratégia de manutenção do PT no poder.
O drama do apagão
Como era de esperar, os primeiros esbirros da resistência governista contra as naturais cobranças tem como alvo preferencial um velho e recorrente bode-expiatório, a grande imprensa. Que, mesmo se espreguiçando das férias, já tem um novo apagão decretado por alguns mais apressadinhos pelo simples fato de estar noticiando as contraditórias versões de técnicos governistas sobre as atuais condições energéticas. Segundo eles, o tom seria de falso alarmismo, como se a falta de sintonia entre o ministro interino das Minas e Energia e o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica, Jerson Kelman – que não estão falando a mesma língua sobre as reais dimensões do problema – não fosse por si só de mau agouro.
Mas, como sempre, é mais cômodo culpar a mídia por uma coisa ou outra. Se não aborda a questão com a devida profundidade e seriedade, pau nela; se o faz, de maneira a chamar a atenção para um assunto crucial para a sociedade, idem, idem. O pior é que se contesta a imprensa por questionar o governo por tratar a questão com negligência similar à tão criticada nos tempos de FHC, mais especificamente quanto à insuficiência de investimentos no setor, que para não entrar em colapso continua, como antes, dependendo basicamente de São Pedro.
Não tenho os números de cabeça, mas, segundo técnicos da área, o déficit de energia só não causou transtornos até agora porque até as chuvas nos últimos anos tem sido camaradas com Lula, mantendo, pelo menos até recentemente, os reservatórios em níveis confortáveis. Mas bastou a estiagem em algumas regiões, aliada ao natural aumento de consumo estimulado tanto pela expansão da atividade industrial como por um relaxamento da população, para que o drama do apagão voltasse a assustar a sociedade.
O projeto das PPP
Exagero? Alarmismo de uma imprensa sem assunto e predisposta contra um governo defendido com unhas e dentes por nossas esquerdas marombas ? Pode tanto ser como não ser, mas, por via das dúvidas, e em sendo concretas as perspectivas de agravamento da situação caso não chova nas áreas mais atingidas pela estiagem, é claro que a mídia tem o dever de enfocar devidamente o tema. Da mesma forma como é normal que os governistas procurem minimizar o problema, mesmo que retoricamente, enquanto rezam para que as chuvas de verão colaborem.
O certo é que a situação está longe de estar sob controle, como o governo sói aparentar, em sua inegavelmente eficiente propaganda, e a culpa não é da oposição, da imprensa, e muito menos diz respeito à sempre evocada herança maldita da era FHC. O nó górdio neste quadro, como de resto em vários outros referentes a infra-estrutura e planejamento, continua sendo a falta de um programa de desenvolvimento factível e auto-sustentável, já que o PAC não passa de uma colcha de retalhos que tende a se esgarçar ainda mais com os próximos e inevitáveis cortes de orçamento. Para tanto, o caminho mais recomendável, e talvez o único exeqüível, é apostar no projeto das PPP, com o qual Lula volta e meia flerta, mas sem convicção, por ser outro legado do governo anterior.
Votando com a barriga
Quanto ao sofisma sobre o papel da imprensa, que para variar me renderam desaprovações de todo tipo – vide ‘A imprensa que o país merece’ partes 1 e 2 –, apenas lamento que não tenha ficado claro, por culpa minha, talvez, que no fundo não fiz mais do que estampar a dicotomia de sua função. Ou seja, o de ostentar concomitantemente uma fama pouco lisonjeira e exercer um papel vital em qualquer sociedade. Dualidade que a leva a ser mocinho e bandido ao mesmo tempo, com um lado bom e sério, e o outro, a chamada banda podre.Tipo aquela do dossiê fajuto encomendado pela revista IstoÉ para minar a candidatura Serra nas eleições do ano passado.
Já a parcela íntregra e séria, felizmente ainda majoritária, não vejo exagero em considerá-la não só à altura como talvez até acima do padrão de nossa sociedade, cujo povo, em sua maioria, ainda está longe da escolaridade e politização adequados. Tanto que boa parte do eleitorado continua votando mais com a barriga do que outra coisa. Do que, aliás, ninguém precisa se envergonhar, pois pior, ao menos na minha concepção, é a falta de escrúpulos dos que deram sobrevida política a gente como Maluf, Collor e outros do mesmo naipe.
Enfim, sempre se pode dizer que a imprensa não presta, e para todos os efeitos, não faltará quem diga amém.
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Jornalista, Santos, SP