Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Assunto que volta, até saturar o leitor

Prometo encher a paciência dos leitores, entre os quais espero se incluam muitos jornalistas, repetindo até a exaustão que não há tema mais importante hoje do que a questão do estado do mundo. Não é aceitável que a imprensa, de modo geral, siga ignorando a necessidade de buscar a sustentabilidade, não apenas como matriz do noticiário e do opiniário, mas também como estratégia de gestão.

Trata-se de uma questão de sobrevivência.

Para alguns leitores que publicam comentários neste Observatório, a afirmação de que o mundo se encontra muito próximo de um colapso de grandes proporções é parte da mais recente manobra dos porcos capitalistas, sempre atentos a oportunidades para justificar a exploração da mais-valia e adiar o grande juízo da História. Para outros, é a amplificação da obsessão de ecochatos que, cansados de salvar baleias e micos-leões, inventam o discurso catastrofista para coletar fundos para suas ONGs.

A primeira interpretação está registrada entre os comentários de artigos anteriores sobre o mesmo tema. A segunda manifestação foi colhida de um executivo, durante o evento ‘Sustentável 2007’, promovido semana passada, no Parque Ibirapuera, em São Paulo, pelo Conselho Empresarial Brasileiro pelo Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). Ele estava impressionado com o tamanho do público presente, cerca de 3 mil pessoas, mas relutava em aceitar as evidências apresentadas pelos palestrantes. Foi sua primeira participação num seminário sobre o estado do mundo.

Evento para a imprensa

Entre um e outro extremos da massa passiva que cozinha em fogo brando sem se dar conta disso, a imprensa começa a desenvolver a leve desconfiança de que, de fato, é preciso dar algum espaço para a questão ambiental. E tolerar eventuais registros sobre ações socialmente responsáveis de algumas empresas. Não há sinal no horizonte, salvo a recente iniciativa da Editora Abril, ao criar o portal Planeta Sustentável, de algum movimento mais significativo da grande imprensa no sentido de aprofundar sua compreensão sobre o momento em que nos encontramos.

Ainda assim, as reportagens, cadernos e edições especiais, que têm se tornado mais freqüentes neste ano, apenas resvalam no tema. Para ter algum efeito sobre a opinião pública, produzindo as mobilizações capazes de transformar em tendência o que hoje é apenas uma onda, a imprensa precisa ir muito além. Mas como convencer os editores, gestores e donos da mídia de que a própria imprensa precisa buscar a sustentabilidade, e de que não há outra alternativa que não seja enfrentar o desafio de mudar o estado do mundo?

Dia 16 de maio, o Instituto Ethos vai promover outro evento especial para a imprensa. Das 9h30 às 12h30, jornalistas, editores, executivos e donos de jornais poderão discutir, na sede do Itaú Cultural, em São Paulo, no seminário ‘Desafios para uma Gestão Sustentável das Empresas de Comunicação’.

Conhecimento e humildade

Até lá, vale a pena fazer algumas reflexões:

1. Uma das grandes dificuldades, nas empresas que buscam a sustentabilidade, é internalizar os conceitos de responsabilidade ambiental e social, governança e espírito de mudança ou inovação – a causa provável é que, submetida a processos estressantes impostos pelas exigências de competitividade, como a reengenharia, os programas de qualidade, certificações, rupturas tecnológicas, enxugamentos, cortes de custos, a estrutura das companhias sofreu longos períodos de estresse e reluta em aceitar que, de repente, a empresa virou ‘do bem’. Sem uma estratégia inovadora de comunicação interna, transparente e responsável, nada vai acontecer.

2. O exemplo tem que vir de cima. No último evento do Ethos, para editores, ficou claro que as cabeças das grandes empresas de comunicação não têm a mais remota idéia do que trata o tema sustentabilidade. Humildade para buscar essa capacitação é o caminho mais curto. E desprendimento para suportar mudanças de paradigmas, disposição para transformar o modelo mental que predomina na mídia, agilidade para buscar o melhor e mais avançado conhecimento.

3. Sustentabilidade é uma meta ambiciosa, mas essencial. É preciso compreender profundamente do que se trata, pois o processo de busca da sustentabilidade exige um novo aprendizado sobre a sociedade, o planeta e o funcionamento dos negócios.

E do que se trata, afinal? Há muitas interpretações para a expressão sustentabilidade, dependendo da origem de quem a formula. Por exemplo, se o departamento de Recursos Humanos da empresa usa conceitos de raça que já foram superados na metade do século passado – o que é muito comum –, não estará contribuindo para a busca da sustentabilidade. Se o editor de Política usa como paradigma para suas escolhas o velho conceito esquerda-direita, ele está longe de uma prática sustentável. No plano micro, se a emissora de televisão não tem um plano para reciclagem de materiais descartados, se não tem um bom projeto de uso eficiente de energia, está longe da sustentabilidade – e por aí vai.

Para os empresários e trabalhadores da comunicação e do conhecimento, uma boa formulação é a seguinte: sustentabilidade é o movimento de aproximação entre as práticas e o melhor conhecimento disponível. Assim, o caminho da gestão sustentável começa pela busca do conhecimento. Por essa razão, se diz que o caminho da sustentabilidade é pavimentado pela humildade.

Voltaremos ao assunto.

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Jornalista