Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Temporão quer artistas fora
da propaganda de cerveja


Leia abaixo os textos de quinta-feira selecionados para a seção Entre Aspas.


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Folha de S. Paulo


Quinta-feira, 10 de maio de 2007


GOVERNO LULA
Vinicius Abbate


Ministro quer vetar artistas em propaganda de cerveja


‘O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, defendeu ontem a proibição da aparição de ‘pessoas famosas, artistas e atletas’ na veiculação de propagandas e peças publicitárias de bebidas alcoólicas. A proposta deve ser incluída no pacote de novas regras que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) prepara para aprovar no fim deste mês.


A proposta do ministro foi feita durante audiência na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, após ser indagado pelo senador Flávio Arns (PT-PR) sobre uma propaganda de cerveja na qual o sambista Zeca Pagodinho ‘elege’ um dia da semana para que as pessoas consumam a bebida.


‘Pelas pesquisas, é um dia da semana [quarta-feira] em que as pessoas bebem menos. E, por isso mesmo, fez-se a campanha para incentivar o consumo de bebida’, disse Arns.


O ministro, então, fez a defesa da nova proposta. ‘Quando o Zeca Pagodinho protagoniza uma propaganda de cerveja é uma coisa dramática. Gosto dele como artista, mas é preciso pedir para ele parar. É patético, constrangedor’, disse.


A proposta de vetar a aparição de ‘celebridades’ nas propagandas não recebeu mais comentários dos senadores que, no entanto, elogiaram a atitude do ministro no episódio da quebra de patente do medicamento anti-Aids Efavirenz, na semana passada.


Temporão afirmou que são duas as linhas que pautam a regulamentação da publicidade de bebidas alcoólicas: ‘A primeira, que regula o horário de veiculação, e a segunda, que diz respeito ao conteúdo das propagandas. De que maneira colocam o produto no mercado? As estratégias publicitárias focadas em jovens e adolescentes são inadmissíveis’, afirmou.


‘A proibição da aparição de pessoas famosas [artistas e atletas] em propagandas de bebidas alcoólicas vai ser proposta pela Anvisa, com certeza, é uma proposta nossa.’


O Ministério da Saúde foi questionado, por meio de sua assessoria de imprensa, qual seria o critério para definir quem seriam as pessoas proibidas de atuar nas propagandas e qual seria a punição caso uma dessas pessoas infringisse a proibição. Não houve resposta.


O Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária) foi procurado, mas não quis se pronunciar sobre a declaração do ministro.’


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Para advogado, veto a famosos é irregular


‘Advogados ouvidos pela Folha são unânimes em apontar a inconstitucionalidade na eventual proibição de famosos em comerciais de bebida alcoólica.


Para o presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Cezar Britto, o veto seria uma restrição ao exercício profissional. ‘Uma das características do artista é vender sua própria imagem.’


Britto disse ainda que restringir a participação de famosos em peças publicitárias não reduz o poder de atração -dada a criatividade dos publicitários. Ele sugere limitar ou proibir esse tipo de exibição, como ocorreu com o tabaco.


O advogado especialista em direito civil e contratos Ricardo Sette disse que a intenção do governo é um ‘despropósito’ e deve ser barrada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), porque fere pelo menos três itens da Constituição, entre eles a liberdade de expressão. ‘Além disso, a cerveja é um produto legal no país’, disse.


Para o especialista em defesa de empresas de comunicação Lourival Santos, o ato é ‘discriminatório’. ‘Fere princípios fundamentais, como o livre exercício do trabalho lícito.’


‘Bom senso’


Astro da campanha ‘Experimenta’, que lançou a cerveja Nova Schin em 2003, o apresentador Luciano Huck, da TV Globo, diz que ‘o artista, enquanto pessoa pública, tem de ter bom senso em relação às marcas e produtos que avaliza’.


‘Fiz, mas não faria de novo campanha de cerveja’, afirma Huck. ‘Assim como jamais faria de produtos relacionados ao tabaco e às bebidas com maior teor alcoólico’.


Ele declara discordar da interferência do governo. ‘Quem tem de resolver a que produto irá se associar, que bandeira irá levantar, que causas irá apoiar, é o próprio [artista]. O governo não tem nada a ver com isso’, diz ele, que aparecia ao lado de Zeca Pagodinho, Thiago Lacerda e Fernanda Lima, entre outros artistas. Zeca Pagodinho, atual garoto-propaganda da Brahma, não foi encontrado.


Ex-garota-propaganda da Skol, a apresentadora Luize Altenhofen também diz que não quer mais anunciar cerveja. ‘Estou em outro momento. Meu foco agora é esporte’, diz ela, que trabalha em um programa esportivo da Band.


Luize não quis opinar sobre as críticas do ministro. ‘Isso você tem que ver com meu empresário. Explique as perguntas para ele que ele me repassa. Preciso ver com a assessoria da Band se falar sobre isso é bom para a minha imagem’, explica.


Primeira ‘namorada’ do baixinho da cervejaria Kaiser (chegou a posar para revistas especializadas em celebridades ‘assumindo’ o romance com o o ator José Valien), a atriz Karina Bacchi não quis falar nada.


As outras ‘namoradas’ do personagem da Kaiser, Adriane Galisteu e Danielle Winits, também foram procuradas, mas não responderam até o fechamento desta edição.’


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Regulação: propostas de restrição são estudadas há um ano e meio


‘A Anvisa estuda, há um ano e meio, propostas de restrição à publicidade de bebidas alcoólicas. Um conjunto de medidas já foi lançado à consulta pública. Além de sofrer limitações nos horários de veiculação no rádio e na tevê -devem ficar proibidas entre 8h e 20h-, as propagandas de bebidas alcoólicas nos meios de comunicação (jornais, revista, internet) terão de trazer alertas informando que são prejudiciais à saúde. Conforme a Folha apurou, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende lançar, no final deste mês, o pacote de regulamentação, que deverá ter outras medidas como a que proíbe a venda de bebidas alcoólicas em rodovias federais.’


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Foi trabalho digno, afirma Toni Garrido


‘O cantor Toni Garrido foi garoto-propaganda da cerveja Brahma no ano passado, na campanha da Copa do Mundo, ao lado de colegas como Zeca Pagodinho e Sandra de Sá. Ele disse à Folha que discorda do veto e da opinião do ministro.


FOLHA – Como vê as críticas do ministro e o possível veto aos artistas na publicidade de cerveja?


TONI GARRIDO – Essa discussão é um equívoco. Por que vetar os artistas? O Ministério da Saúde proíbe a cerveja? Cerveja é ilegal? Não é. A cerveja é um produto liberado pelo governo, que gera arrecadação de impostos. Como pai de família, eu acho que foi um trabalho digno.


FOLHA – A restrição à publicidade teria efeitos negativos?


GARRIDO – Olha, acho que o ministro tem outras coisas para se preocupar. São tantos os problemas da saúde no Brasil! Eu tenho direito de fazer propaganda de algo liberado, que o governo me permite consumir.


FOLHA – Faria propaganda de cigarros?


GARRIDO – Não, porque não gosto de cigarro. Não faria propaganda de algo que eu não consumo. Se uma importadora de alfaces me chamar para fazer propaganda, eu posso fazer. Eu como alface, acho saudável. Entendeu?


FOLHA – Não teme que sua imagem na propaganda de cerveja incentive o jovem a começar a beber mais cedo ou a beber demais?


GARRIDO – Não tenho esse temor. Minha cultura me ensinou que cerveja é uma coisa boa, não tem nada demais. O problema está no excesso e no descontrole. Outra coisa: os mesmos artistas que fazem propaganda de cerveja também fazem propaganda do governo. Eu, por exemplo, trabalho em um projeto do governo [Quilombo Axé].’


Marta Salomon


Gushiken é multado por publicidade irregular


‘O ex-ministro Luiz Gushiken foi multado ontem em R$ 30 mil por omissão em contratos de publicidade da Presidência da República. O Tribunal de Contas da União aprovou relatório de auditoria que apontou irregularidades na propaganda do Planalto, de orçamentos forjados à falta de controle de veiculação de anúncios.


Gushiken vai recorrer. O ex-ministro também é investigado no TCU por suposto prejuízo de R$ 9 milhões aos cofres públicos. Esse seria o custo, em 2004, de parte das revistas de balanço do governo Lula que o tribunal suspeita nem sequer terem sido impressas, menciona o relatório votado ontem.


O relatório do ministro Ubiratan Aguiar teve a votação adiada em três semanas a pedido do procurador do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Furtado. Em seu parecer, Furtado conclui que o ato de Gushiken ‘abriu oportunidade para a ocorrência de diversas e graves irregularidades’.


O relatório aponta fragilidade dos mecanismos de controle como a mais grave irregularidade da Secom. Isso mostraria, segundo os auditores, falta de zelo no uso de verba pública.


A auditoria lista ainda casos em que a Secom recebeu orçamentos forjados para legitimar a subcontratação de serviços. As agências têm que fazer cotação de preços e apresentar, no mínimo, três propostas.


O ministro Ubiratan Aguiar não viu motivos para o TCU punir por ora as agências, duas das quais ainda prestam serviços à Presidência: Matisse e Lew Lara. Mas sugere à recém-criada Secretaria de Comunicação Social da Presidência que apure a responsabilidade dessas empresas no prazo de 60 dias.


A Secom comandada por Gushiken foi em 2005, em meio ao escândalo do mensalão. Menos de dois anos depois, o governo criou, com superpoderes, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência.


O TCU rejeitou argumento de Gushiken, de que não teria participado diretamente de supostas irregularidades, dizendo que ele falhou ao ‘fiscalizar atos de gestão relevantes’.


O relatório não entra em detalhes sobre as revistas de balanço do governo Lula, objeto de outra auditoria.


Outro lado


O advogado de Luiz Gushiken, Justiniano Fernandes, disse ontem que irá recorrer da multa. Fernandes classificou de ‘equivocado’ o acórdão do tribunal. ‘Não há razoabilidade nessa decisão’, disse.


O advogado chamou a atenção para o fato de o tribunal não ter apurado prejuízo aos cofres públicos com as supostas irregularidades na Secom.’


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


Dos evangélicos ao aborto


‘O papa no Brasil foi destaque nas páginas iniciais por todo lado, no mundo. Noticiavam a chegada e logo partiam para os problemas. A BBC News e o site do francês ‘Le Monde’ se concentraram, mais uma vez, no ‘crescente desafio dos grupos evangélicos’ ou no ‘papa frente à onda dos pentecostais’. O argentino ‘La Nación’ anunciou a ‘visita-chave’, mas pouco se alongou. O ‘New York Times’ de Larry Rohter se voltou ao aborto, em reportagem especial para o site -e no podcast com o correspondente avaliando que Lula, ao afirmar ter duas opiniões na questão, ‘reflete uma dúvida nas mentes de milhões de brasileiros’, que ‘não seguem a Igreja em assuntos como aborto, segundo casamento e pesquisa com células-tronco’.


ABORTO, ABORTO


Nas manchetes da Folha Online ao Globo Online, do portal UOL ao telejornal da Band, a notícia foi o ataque que o papa fez ao aborto no primeiro discurso no Brasil, diante de Lula. Na locução ao vivo de William Waack, contido na Globo, Luiz Datena, histérico na Band, e até a Rede Vida, o ataque mal foi percebido.


EXCOMUNHÃO OU NÃO


Ecoou mais, pelo exterior, o que Bento 16 declarou antes mesmo de chegar ao Brasil. Em despachos com o crédito ‘Dentro do avião do papa’, as agências noticiaram durante o vôo que ele ameaçou de excomunhão os políticos católicos, referência aos mexicanos, que votaram em favor do aborto. Não tardou e os mesmos despachos acresciam que, segundo o porta-voz e outras autoridades do Vaticano, não era bem assim. Não haveria excomunhão, mas autopunição dos políticos, ao não se permitirem comungar.


Mas foi o que bastou para sites como o do ‘Wall Street Journal’ saírem ouvindo políticos tipo Bill Richardson e John Kerry, sobre a ameaça.


PARA ALÉM DA IGREJA


Sem a mesma atenção de outros à visita, a página inicial do ‘Washington Post’ abriu um longo debate, com uma dezena de artigos especiais e ampla participação dos internautas, sobre as idéias da Teologia da Libertação, com a pergunta geral ‘Jesus foi um revolucionário social?’. A viagem, avaliou o jornal, ‘reaviva o interesse ao redor do mundo pela questão’.


Falando à BBC Brasil, Leonardo Boff foi desafiador, proclamando que ‘a teologia e a temática da libertação não dependem mais da Igreja’. É, hoje, uma ‘teologia ecumênica’.


BRASIL VS. PAPA


As versões em papel dos jornais estrangeiros, do britânico ‘Financial Times’ de Richard Lapper ao americano ‘WP’ de Monte Reel, fizeram longos levantamentos dos ‘desafios’ que esperam Bento 16, dos evangélicos à Teologia da Liberação e os temas morais. No título do ‘FT’, ‘Vaticano isolado busca conter êxodo latino’. No título da versão impressa do ‘NYT’, ‘Brasil saúda papa, mas questiona a sua perspectiva’.


APARECIDA DIGITAL


Com cobertura marcadamente on-line, a visita do papa estimula questões ligadas à web. Chegou a submanchete da Folha Online, por exemplo, a notícia de que a CNBB vai levar ao papa um ‘projeto de missa pela internet’, com a ressalva de, no caso, ‘a eucaristia não ter valor espiritual’.


Com mais significado para a web do que para a Igreja, o ‘Valor’ destacou que a presença em Aparecida marcará o início da rede wi-fi, sem fio, na cidade. ‘Se Bento 16 tiver um laptop, não encontrará problemas para se conectar.’


OS DOIS PILOTOS


Foi manchete no ‘JN’ mas, talvez pela concorrência do papa, pouco repercutiu no exterior o indiciamento, pela Polícia Federal, dos pilotos americanos do jato Legacy, no acidente que matou 154.


Saiu nos sites do ‘NYT’ e do ‘Newsday’, de Long Island, onde vivem os pilotos. E teve, como esperado, resposta imediata no blog de Joe Sharkey, colunista de viagens de negócios do ‘NYT’ que estava no Legacy e defende os dois. Para a resposta, ele se baseou na versão de uma federação internacional de controladores.’


MÍDIA & RELIGIÃO
Editorial


Acordo sigiloso


‘A CHEGADA do papa Bento 16 é motivo de justo júbilo para os católicos brasileiros. Além da visita do sumo pontífice, o país vai ganhar o primeiro santo genuinamente nacional na figura de frei Galvão, que será canonizado amanhã em São Paulo.


A viagem papal traz também motivos para preocupação. Há informações de que a Santa Sé prepara secretamente com o Brasil uma concordata, isto é, um acordo diplomático para tratar de ‘interesses comuns’.


A existência de negociações entre os dois Estados foi confirmada à Folha pelo próprio dom Tarcisio cardeal Bertone, que ocupa a segunda posição na hierarquia da Igreja Católica. Os termos do tratado, entretanto, permanecem envoltos num manto de sigilo.


É justamente aí que reside o problema. Se envolve governos e é secreto, deve ser ruim. O princípio republicano da transparência dos atos do poder público exige que as autoridades brasileiras informem os cidadãos do que está em pauta.


Pelo que a Folha conseguiu apurar, a Santa Sé pede que o Brasil torne as aulas de religião no ensino fundamental (1ª a 8ª séries) público obrigatórias -hoje elas são optativas para o aluno-, crie mecanismos constitucionais que dificultem uma eventual ampliação dos casos de aborto legal -hoje ele é permitido se a gravidez ameaçar a vida da mãe ou resultar de estupro- e encontre formas de evitar que a igreja sofra ações na Justiça, principalmente trabalhistas.


O Vaticano tem, por certo, o direito de propor ao Brasil o que bem lhe aprouver, mas os três pleitos apresentados são, do ponto de vista de um Estado laico e republicano, inaceitáveis.


Impor a todos os alunos aulas de religião é uma flagrante e intolerável violação ao inciso VI do artigo 5º da Constituição, que assegura a liberdade de consciência e o livre exercício dos cultos religiosos. No mais, a introdução das aulas de religião na rede pública, ainda que facultativa para o aluno, é um dos erros da Carta de 1988 que o Congresso Nacional deveria rever.


No que diz respeito ao controverso tema do aborto, os argumentos em favor da descriminalização são contundentes. Não apenas a igreja mas qualquer ser humano dotado de um mínimo de sensibilidade é contra o procedimento. Daí não se segue que as mulheres que o fazem clandestinamente devam ser colocadas na cadeia. O assunto precisa ser tratado como uma questão de saúde pública, não de moral.


Também é impossível ao Brasil atender ao pedido de isentar a igreja de prestar contas à Justiça. Fazê-lo implicaria rasgar toda a Constituição.


Felizmente, existem indícios de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alertado das implicações pelo Itamaraty, não tem nenhuma intenção de acatar a proposta de concordata. Lula deverá dizer hoje um polido ‘não’ ao papa ou, na pior das hipóteses, prolongar as negociações ‘in saecula saeculorum’. E, nisso, a atual administração é especialista.’


Laura Mattos


Na guerra santa da TV, papa complica o trânsito na Record e vira festa na Globo


‘A ‘guerra santa’ entre a católica Globo e a evangélica Record ficou clara ontem em seus principais telejornais. Enquanto o ‘Jornal Nacional’ foi praticamente tomado pela chegada de Bento 16 ao Brasil, o ‘Jornal da Record’ abordou vários outros assuntos. Foi o tom da cobertura, contudo, o que mais diferenciou as emissoras.


No ‘Jornal Nacional’, ancorado por Fátima Bernardes do mosteiro de São Bento, o clima era de festa. As reportagens falavam da ‘multidão’ que ‘enfrentou o frio’ e recebeu o papa ‘de forma calorosa’, com ‘gritos de torcida organizada’. Até um evangélico apareceu dizendo que queria abraçar o papa.


Uma breve menção ao trânsito na cidade, que estava ‘complicado como todo santo dia’. Já a Record fez grande reportagem sobre o congestionamento, que só ‘não chegou a causar grandes transtornos’ graças ‘à precaução dos motoristas’.


A outra principal reportagem sobre Bento 16 na Record, sobre o ‘forte esquema de segurança’, dizia que ‘o líder católico estará sempre cercado por policiais’ e ‘os fiéis serão sempre mantidos a uma distância mínima de quatro metros’.


À tarde, José Datena (Band) transformou a chegada em final de Copa. ‘Quanta emoção! O papa Bento 16 está no Brasil. O papa Bento 16 está entre nós. Uma emoção para milhões de brasileiros, no país mais catóóóólico do mundo!!!!’, gritou.’


MEMÓRIA / ANTONIO CALLADO
Carlos Heitor Cony


Dez anos sem Callado


‘Quando voltou de Londres, onde trabalhou na BBC durante quase toda a 2ª Guerra Mundial, Antonio Callado estava faminto de Brasil. Viu os bombardeios da cidade, o desmoronar de um mundo velho e achava que o pós-Guerra seria a oportunidade histórica para o Brasil deslanchar em termos de desenvolvimento social e material.


Pesquisou nossos índios, trazendo-os para sua literatura. Durante o regime militar, foi preso diversas vezes e proibido de escrever em jornais. Mas não perdeu a sua fé no Brasil. Sendo o único inglês da vida real, na definição de Nelson Rodrigues, ele confiava que um dia as coisas melhorariam, os homens melhorariam.


Cinqüenta anos depois, em 1997, três dias antes de sua morte, aos 80 anos, ele deu uma longa entrevista à Folha, confessando o desmoronar de suas esperanças. Não chegou a viver a era Lula -seria uma desilusão a mais. Foi um dos desabafos mais cruéis do nosso tempo, sobretudo por vir de um homem culto, sem ambições pessoais, autor de ‘Quarup’, um dos romances mais importantes de nossa literatura.


Guardo de sua entrevista uma frase que volta e meia gosto de citar: ‘A humanidade perdeu a sua âncora moral’. Callado estava longe de ser um moralista. Como Montaigne, Pascal e santo Agostinho, dava ao homem a possibilidade de transcender seus objetivos materiais e elevar-se a um estágio superior à condição humana.


Trabalhei muitos anos a seu lado. Quando pedi demissão do jornal do qual ele era o diretor de redação, Callado se demitiu comigo. Na prisão em que estivemos juntos, ele passava o tempo lendo Proust. Se o Brasil tivesse uns cem Callados, certamente seria um país bem melhor, digno da esperança que ele cultivou durante toda a sua vida, até às vésperas de sua morte.’


MEMÓRIA / OCTAVIO FRIAS
Meu amigo Frias


Ives Gandra da Silva Martins


‘PASSADOS OS primeiros dias em que a ‘ausência da presença’ é mais silenciosamente perturbadora, venho escrever sobre o meu amigo Octavio Frias de Oliveira, cuja amizade, nos últimos 25 anos, serviu-me de permanente lição de vida.


Quando jovem estudante de direito, um médico panamenho levou os originais de meu primeiro livro de poesias (‘Pelos Caminhos do Silêncio’) para o poeta Manuel Bandeira, que escolheu dois versos para que fossem transcritos na capa de sua primeira edição. ‘Espera. O tempo passa. E, um dia, o tempo fica’. Agradeci, sensibilizado, ao cirurgião, que conhecera uma semana antes, e lhe perguntei a razão do interesse por pessoa com quem convivera tão pouco. Ele me respondeu: ‘A amizade independe do tempo e do espaço, nasce num minuto ou não nasce nunca’.


Nossa amizade nasceu assim. Num momento, e, tenho certeza -porque acredito na vida eterna-, perdurará além do espaço e do tempo. Nesta vida de permanente espera, em que o tempo sempre passa até um dia ficar para sempre, seguimos um caminho de fraternidade, no qual, por ser mais velho, ele era mais o mestre, e eu, mais o discípulo.


Com o correr dos anos, a morte vem abrindo vagas definitivas entre meus grandes amigos. Morreram meu pai, Roberto Campos, Oscar Corrêa, Miguel Reale, Meira Mattos e, agora, Frias.


Dos seis grandes exemplos, a estrada da eternidade não me deixou nenhum. Devem estar, ao lado de Deus, aguardando que o Senhor do Tempo defina o dia que os verei de novo.


Frias foi, sem dúvida nenhuma, um jornalista singular. Não se dizia jornalista, mas, com sua objetividade, precisão, bom senso, serenidade e gestos cordiais, era o jornalista por excelência da Folha.


Quantas vezes, nos períodos da redemocratização, na presença de seus filhos, discutíamos questões e sua palavra final representava o consenso, habilmente conduzido por seu talento invulgar de comandar sem fazer seu comando perceptível.


O episódio da invasão da Folha, em 1990, foi paradigmático. Naquela noite, quando todas as tentativas de obter solidariedade expressa de outros meios de comunicação falharam, a frase pronunciada ao decidir que a Folha não se curvaria ao arbítrio (‘Ou seremos todos presos ou reverteremos o crescente e inaceitável autoritarismo’) marcou a história do Brasil. Todos nós -lembro-me de estarem presentes, entre outras poucas pessoas, Otavio Frias Filho, José Carlos Dias, Luís Francisco Carvalho Filho, meu assistente Antonio Carlos Rodrigues do Amaral- acatamos, sem discutir, sua decisão.


Já me manifestei em artigos, aulas e conferências, mais de uma vez, sobre estar convencido de que aquela sua corajosa e patriótica posição permitiu que o Brasil retornasse ao processo democrático, seriamente ameaçado na primeira semana do governo Collor.


No curso desses 25 anos, não poucas vezes concordamos em matérias de que, em seu próprio jornal, os mais fiéis colaboradores discordavam. Alma aberta e verdadeiro democrata, todavia, jamais influenciou ou procurou cercear a absoluta liberdade que seus jornalistas sempre tiveram ao expor idéias ou relatar fatos, apenas exigindo rigoroso estudo dos acontecimentos para que a ‘verdade verdadeira’, e não ‘a fantasiada’, fosse veiculada pelo jornal.


Disse-me sempre que gostaria de ter fé, mas não conseguia, por mais que desejasse. Dizia-se um agnóstico.


E eu lhe retrucava que, por ser um homem justo, tinha a certeza de que chegaria às portas do Senhor, pois a justiça era a virtude maior dos sábios.


Frias era um sábio no universo em que viveu e, certamente, sua esposa, seus filhos, netos e amigos sentirão enormemente sua falta. Tenho certeza, entretanto, de que, onde está, vela por todos os seus, familiares e amigos, que ainda caminham por esta vida.


IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 72, advogado tributarista, é professor emérito da Universidade Mackenzie, da UniFMU e da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.’


MEMÓRIA / HERVAL ROSSANO
Marcelo Bartolomei


Herval Rossano morre aos 72 em SP


‘O diretor de TV Herval Rossano morreu na madrugada de ontem, em São Paulo, aos 72 anos, quando seu coração sofreu uma falência, segundo seu médico particular. Ele, que dirigiu importantes obras como as versões de ‘Escrava Isaura’ -na Globo, em 1976, e na Record, em 2004-, convivia havia anos com doenças cardíacas.


O corpo de Rossano foi velado desde as 5h30 na Beneficência Portuguesa, onde ficaria até as 16h, e seria cremado às 17h no Crematório de Vila Alpina (zona leste). Ele morreu dormindo, por volta de 1h, em casa.


O diretor havia se mudado para São Paulo para viver com a atual mulher, a atriz Mayara Magri, 45, com quem se casara havia dois anos. Segundo ela, Rossano estava aparentemente bem, pois eles conversaram sobre o futuro antes de dormir.


O diretor também foi casado com a atriz Nívea Maria, 60, com quem ficou durante 27 anos. A ex-mulher, que permaneceu a manhã toda incomunicável por telefone, chegou ao velório por volta das 13h20, mas não falou com a imprensa.


Em 2001, Rossano sofreu um infarto que quase o matou. Por isso, passou oito meses em casa, numa estrutura hospitalar montada especialmente, sem poder andar. Quem cuidou dele foi a ex-mulher, até que, em 2002, eles se divorciaram.


Seu último trabalho na televisão foi em 2006, na novela ‘Cristal’, do SBT. Na emissora paulista, ele foi diretor do núcleo de teledramaturgia.


Nascido em 1935 na cidade de Campos, no Rio de Janeiro, ele dirigiu mais de 40 programas de TV, entre novelas e seriados, e atuou em mais de 30 obras, inclusive no cinema. Em 1971, foi diretor de programação da extinta TV Tupi.


Entre seus trabalhos na TV estão ‘Salomé’ (1991) e ‘A Gata Comeu’ (1985), além da primeira versão de ‘Cabocla’ (1979), todas na Globo. Nos anos 50 e 60, ele era considerado um galã de cinema.


Atualmente, o remake ‘A Escrava Isaura’ dirigido por Rossano está sendo reexibido durante a tarde na Record.


‘Foi uma experiência muito feliz. Eu tinha uma grande responsabilidade, pois o mundo queria ver a nova versão da Isaura. Me senti muito amparada e segura com ele, que sempre cuidou de mim e dos atores’, disse Bianca Rinaldi, a escrava branca da atual versão.


Patrícia França, que trabalhou com ele no remake, lembrou a personalidade forte, porém sensível. ‘Eu admirava a maneira como ele conduzia a novela, já com a saúde debilitada e na idade que estava.’


Para Maitê Proença, que trabalhou com Rossano em ‘Dona Beija’, seu principal mérito foi fazer o país trocar de canal para assistir à novela, exibida na extinta Rede Manchete, em 1986. ‘Herval era um homem determinado com enorme poder de trabalho. Em ‘Dona Beija’, ele abriu uma transamazônica com uma pá de areia -e nos fez todos felizes; nós de sua equipe, e o Brasil, que trocou de canal para ver o resultado de seu talento. Tinha um gênio truculento e um imenso coração. Vou sentir saudade’, disse a atriz à Folha ontem, ao saber da morte.’


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