Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Olhares diversos sobre a inclusão

Formas de dar acesso a novas tecnologias de informação e comunicação e de promover sua plena apropriação pelos cidadãos e cidadãs foram a tônica da 3a Oficina para Inclusão Digital, realizada de 23 a 26 de maio em São Paulo. O evento fez parte da Semana de Inclusão Digital, que abrigou também o 2o Encontro Nacional de Telecentros e o 4o e-Gov Fórum (que apresentou iniciativas do governo federal), encerrando-se com o 3o Encontro Latino-Americano de Telecentros.

Os telecentros foram, juntamente com as políticas públicas para o setor, o principal tema das oficinas e palestras. Houve ainda sugestões sobre como baratear, multiplicar e diversificar iniciativas de inclusão digital no país.

Foi consenso que os projetos de inclusão digital não devem apenas ensinar a utilizar máquinas. ‘Eles servem para formar mão-de-obra e consumidores, mas prefiro a formação de cidadãos’, disse o diretor executivo do Instituto Pólis, José Carlos Vaz. Para Vaz, a internet possibilita a qualquer pessoa participar de decisões governamentais e monitorá-las. A opinião é compartilhada por Nelson Pretto, diretor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia e defensor de uma nova educação, mais voltada para as inovações que as tecnologias de comunicação e informação oferecem. ‘Temos de ter coragem para pôr o dedo na ferida. Dar cursos não basta. Se só isso for oferecido, os alunos serão analfabetos digitais funcionais’, disse em sua palestra. Analfabetos funcionais são aquelas pessoas que, embora tenham aprendido a ler e escrever, não conseguem entender ou interpretar textos. Por analogia, quem aprende a usar o computador, mas não sabe explorar o seu potencial seria um analfabeto digital funcional.

Segundo Pretto, parte da culpa é dos professores, que não estão dando conta de seu papel na atualidade. O diretor baiano critica práticas educativas cerceadoras da liberdade propiciada pela internet e aqueles mestres cujo trabalho se limita a repassar conteúdos. ‘Há uma idéia de que os projetos de inclusão digital devem ser ‘eficientes’. É preciso ter cuidado para não ‘pedagogizar’ a rede e o jeito ‘alt-tab’ de ser da juventude’, alerta. A referência aos jovens se deve à velocidade e curiosidade com que essas pessoas lidam com a internet – e às teclas ‘alt’ e ‘tab’, utilizadas para alternar rapidamente entre os diversos programas abertos simultaneamente.

Uma solução para isso foi apontada pelo Projeto Rede Lê, da mineira Associação Imagem Comunitária. A iniciativa instalou 18 núcleos de ‘letramento digital’ e comunicação em Minas Gerais. Quatro deles estão fora de Belo Horizonte, estando um localizado na aldeia indígena Xacriabá, no município de São João das Missões. Cada núcleo possui equipamentos de vídeo e computadores ligados à internet, mas nenhum monitor impõe atividades. ‘O que fazer com as tecnologias é decidido pela própria comunidade. É fundamental que esses autores produzam o que querem’, diz Rafaela Lima, diretora da organização. Ela denomina a metodologia de ‘mídia-processo’, por fazer os participantes se envolverem com os meios de comunicação.

Governo

Os representantes do governo federal apresentaram algumas novidades. O secretário nacional de Educação à Distância, Marcos Dantas, afirmou que a política de infoinclusão deve estimular a participação popular nas ações do governo. ‘Ela deve estar centrada na democracia’, disse. Contudo, apesar da boa vontade, ainda faltam recursos. O secretário de Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Rogério Santana, criticou a má utilização do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), onde estão depositados quase R$ 3 bilhões, vindos de contribuições obrigatórias das empresas de telefonia – que destinam 1% de seu faturamento para o Fundo. A legislação afirma que esses recursos deveriam ser utilizados em projetos que aumentem o acesso a serviços de comunicação e informação.

Levar novas tecnologias a locais públicos ainda é um desafio, todos concordam, dado o pequeno número de computadores no país. De acordo com o Censo 2003 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), apenas 27,5% das escolas brasileiras possuem algum computador instalado, sendo que apenas 11% estão conectadas à internet. Esses índices revelam uma média de 174 alunos por máquina, proporção que diminui quando se olha separadamente as regiões Sul e Sudeste e aumenta quando o foco é o norte do Brasil. No norte da Amazônia esse número pode chegar a 35.500 alunos por computador.

Para desgosto dos defensores dos telecentros, o gerente-geral da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Edmundo Matarazzo, lembrou que o regulamento do Fust não prevê investimentos nesse tipo de unidade e que o orçamento deste ano permite gastar apenas R$ 40 milhões do fundo. Apesar disso, o governo considera o equipamento de escolas e telecentros uma das prioridades dessa gestão. Tanto que pretende criar um Observatório Nacional de Inclusão Digital. O anúncio foi feito pelo secretário adjunto da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Rodrigo Assumpção.

Outra novidade anunciada foi a criação do programa Computadores para a Inclusão, que consiste no recondicionamento de máquinas de repartições públicas e empresas estatais, após seu descarte. A previsão é de que 120 mil máquinas sejam recondicionadas por ano a baixo custo. O preço médio de um computador básico novo é de US$ 700, cerca de R$ 2.100. Um recondicionado, nos cálculos da equipe governamental, sairá por US$ 141, ou seja, pouco menos de R$ 500. Segundo o secretário, em até três meses as primeiras unidades serão entregues a escolas, bibliotecas e telecentros. Serão criados Centros de Recondicionamento e Reciclagem de Computadores em São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre.

Ambos os assuntos foram discutidos em oficinas. Em relação ao reaproveitamento de computadores, os participantes pediram mais incentivos e campanhas educativas. Os maiores problemas apontados foram a seleção de peças, o transporte e o armazenamento. Já o Observatório Nacional de Inclusão Digital, na opinião dos participantes da oficina sobre o tema, seria formado a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a presença de computadores no pais, bem como da reunião de conteúdos e recursos de informação sobre o tema, oriundos de diversas fontes. Uma das sugestões feitas durante a oficina foi a ampliação da composição do Observatório, que contaria com membros de universidades e ONGs.

Todas essas iniciativas fazem parte de um projeto ainda maior de governo eletrônico, ou seja, a disponibilização de informações da administração federal em linguagem e formato acessíveis a todos. ‘O governo eletrônico é promotor de cidadania e desenvolvimento’, disse Assumpção. Para ele, esse processo de informatização e reorganização das páginas governamentais impulsionará mudanças em todos os órgãos públicos. O secretário ressaltou também que, apesar das bem-vindas conseqüências econômicas da disseminação da informática, o objetivo principal é a promoção da cidadania.

Telecentros e softwares livres

Essa também é a intenção dos telecentros, idéia que vem se disseminando pelo país. Porto Alegre (RS) foi pioneira na criação desses espaços públicos, mas atualmente São Paulo possui o maior número de unidades. Existem 108 telecentros na capital paulista. Por eles passam em média 370 mil pessoas por mês, sendo a maioria composta por jovens: 50% dos freqüentadores têm até 20 anos. Oitenta mil já fizeram cursos de informática.

Números e elogios não foram suficientes, entretanto, para tornar a iniciativa uma unanimidade. Se houve críticas ao desconhecimento do governo federal sobre o sucesso dos telecentros, o diretor do Projeto Cidade do Conhecimento da Universidade de São Paulo, Gilson Schwartz, afirma que ainda não é possível mensurar seu impacto nas comunidades onde funcionam. ‘Se o governo não conhece os telecentros, parece que seus usuários também não. Faltam dados comprobatórios’, declarou.

Quem está do outro lado discorda. ‘O sucesso não pode ser quantificado, basta ir a cada unidade para perceber as mudanças que os telecentros provocaram’, argumenta Jesulino Alves, coordenador do telecentro da Cidade Tiradentes, na zona sul paulistana.

Schwartz desenvolve um projeto de inclusão digital em uma pequena comunidade do Rio Grande do Norte. Lá estabeleceu uma metodologia nova para produzir dados. Criou uma moeda paralela, o gratuí, distribuída a participantes de oficinas e válida em toda a comunidade. Assim pretende perceber a importância do telecentro para a localidade.

Bem-sucedidos ou não, os telecentros são cada vez mais comuns nas conversas sobre inclusão digital. No caso de São Paulo, uma de suas vantagens é o baixo custo propiciado pela utilização de softwares livres – programas que podem ser modificados e adaptados à necessidade do usuário. A única condição é a manutenção da autorização para cópia e reaproveitamento do que já foi feito. Por essas características, os softwares livres estimulam a criação de novos produtos e a democratização do conhecimento.

Um de seus maiores defensores é Sérgio Amadeu, diretor do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, que destaca o potencial dessa tecnologia e do uso que brasileiros têm feito dela. Mas fez um alerta sobre a necessidade de investimentos em educação para o país acelerar seu desenvolvimento. De acordo com recente pesquisa do Ministério da Educação (MEC), 52% das crianças matriculadas na quarta série não sabem fazer cálculos básicos. ‘Isso é preocupante, pois todos sabem que a base da informática é a matemática’, lembrou.

Mesmo com esse empecilho, o envolvimento brasileiro na rede é grande. Em 1998, o Brasil ocupava o décimo lugar no ranking de países com mais servidores. Hoje estamos em oitavo e, na opinião de Amadeu, em um ano e meio chegaremos à terceira colocação, atrás de Estados Unidos e Japão. O avanço pode ser analisado por índices econômicos. Em 2001, por exemplo, o Brasil teve um déficit de R$ 1,13 bilhão nas transações de pagamento de royalties e licenças de produtos de informática. O diretor do ITI acredita no crescimento da comunidade de desenvolvedores de softwares livres para amenizar esse problema.

Em abril de 2001, havia, no mundo todo, 18 mil programas sendo elaborados por 145 mil programadores. Em outubro de 2002, os números saltaram para 49 mil programas e 500 mil programadores. A qualidade dessas iniciativas é comprovada pelo uso de aplicativos como o Apache, software utilizado em 67% servidores do mundo. Entre eles, estão os servidores que sediam páginas bastante visadas por hackers mal-intencionados, como o sítio da Casa Branca.

‘Mas, até agora, o tráfego brasileiro na internet é feito principalmente pelas classes altas’, lembra Amadeu. Por isso, afirma, a solução são grandes investimentos em telecentros e em programas livres e gratuitos. Outros participantes, como José Carlos Vaz, do Instituto Pólis, sugeriram parcerias entre governo, empresas e organizações sociais. ‘Precisamos de ONGs para politizar a discussão e não criarmos apenas consumidores e mão-de-obra’, disse.

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Da equipe da Rits (http://rets.rits.org.br)