Boatos de que o Grupo RPC – que agrega os jornais Gazeta do Povo, Jornal de Londrina, emissoras de tevê retransmissoras da Globo e rádios – estaria sendo vendido para a própria Globo movimentaram a imprensa paranaense nos últimos dias. O estopim do caso foi a matéria publicada pelos jornais O Estado do Paraná e Tribuna do Paraná, e também no portal noticioso dos jornais, na quarta-feira (02/05). A matéria atribui a informação da venda da RPC ao portal G1, que pertence às Organizações Globo, que teria publicado nota sobre o assunto no dia 1º de maio, feriado do Dia do Trabalho.
Outra fonte para a matéria de O Estado e Tribuna foi a enciclopédia virtual Wikipedia: os jornais, inclusive, reproduziram em formato impresso (print) a página com o verbete da wiki sobre Gazeta do Povo e RPC, onde se afirma que as empresas foram ‘vendidas para a Globo em abril de 2007’.
Com a publicação da matéria em O Estado e Tribuna, e também nota sobre o mesmo assunto no Blog do Zé Beto – de autoria do jornalista Roberto José da Silva, bastante acessado por empresários, políticos, jornalistas e formadores de opinião, e hospedado no portal noticioso do Jornal do Estado – esta quarta-feira foi bastante agitada no meio jornalístico paranaense.
A reportagem dos jornais pertencentes ao Grupo Paulo Pimentel – e, portanto, concorrentes da Gazeta do Povo – ouviu a vice-presidente do Grupo RPC, Ana Amélia Filizola, que negou a venda da empresa para a Globo, assim como o empresário Joel Malucelli, proprietário das rádios Globo e CBN Curitiba, também envolvido no boato.
Publicada e retirada
Mas o que causou apreensão foi a afirmação da reportagem de O Estado, de que o portal G1 teria publicado notícia sobre a suposta venda da RPC e, em seguida, retirado do ar. A mesma informação foi publicada no Blog do Zé Beto.
Durante toda a quarta-feira, técnicos do G1 rastrearam o site atrás da possível notícia que teria sido publicada e posteriormente tirada do ar. Nada foi encontrado – e o G1, via assessoria de comunicação, informou oficialmente tanto à reportagem da Gazeta do Povo, quanto ao Comunique-se, que tal notícia sobre venda do Grupo RPC nunca existiu, e não foi publicada pelo portal.
Procurado pela reportagem do Comunique-se, o jornalista Roberto José da Silva, o Zé Beto, contou que recebeu email de uma fonte confiável, que afirmava ter visto a notícia no G1 no feriado – e que no dia seguinte a mesma notícia não estava mais no ar.
O texto da notícia do G1, de acordo com o Blog do Zé Beto, seria o seguinte:
‘As Organizações Globo estão fechando acordo para a aquisição dos meios: TV Paranaense (RPC TV), Gazeta do Povo (RPC Jornal), Rádio 98 FM – Curitiba (RPC Rádio), Rádio Globo FM – Curitiba (RPC Rádio), Rádio Globo AM – Curitiba (Grupo J. Malucelli) e CBN – Curitiba (Grupo J. Malucelli).
O negócio ficará em torno de R$255 milhões. O grupo já anunciou seu pedido a Anatel para a liberação da compra das emissoras de tv e rádio, e a mesma disse que liberará o canal 13 VHF, de Curitiba para a atuação da nova rede de televisão, e assim desativará o canal 12 VHF, para poder liberar mais uma vaga em VHF para a capital o Paraná. Veja a renomeação de alguns meios:
TV Globo Curitiba – Futuro canal 13 VHF
Gazeta do Povo – Jornal impresso de circulação diária
Rádio 98 FM Curitiba – Frequência FM 98,9 MHz
Rádio Globo FM Curitiba – Frequência FM 93,9 MHz
Rádio Globo AM Curitiba – Frequência AM 1220 MHz
CBN Curitiba – Frequência FM 90,1 MHz*
Além destes as Organizações Globo lançará um novo site, o InfoPR, site de notícias e entretenimento, ao estilo PE360 Graus, de Pernambuco. Também ficará responsável pelo site da Gazeta do Povo, e da 98 FM. Está última juntamente com a Globo AM, Globo FM e CBN ficarão disponíveis on-line pela GloboRádio. Fonte: G1′
A fonte
O Comunique-se entrou em contato com a fonte de Zé Beto para confirmar se teria visto a notícia do G1. A resposta da fonte: teria entrado em uma comunidade do Orkut sobre o clube Atlético Paranaense, para saber informações sobre o jogo contra o Fluminense. Na comunidade, teria visto a notícia sobre a venda da RPC no G1. No dia seguinte, a fonte, ao acessar o G1, percebeu que a notícia não estava mais no ar.
A resposta da fonte foi dada por email, e em nenhum momento a pessoa afirma ter visto a notícia no portal G1.
Zé Beto diz: ‘A fonte era confiável e gabaritada, por isso publiquei a nota’. Nesta quinta-feira, porém, o jornalista volta ao assunto em seu blog, atualizando a situação de acordo com as matérias da Gazeta do Povo e de O Estado publicadas na mesma data.
A página do G1
De acordo com Mussa José Assis, diretor dos jornais O Estado do Paraná e Tribuna do Paraná, uma fonte ligou para a redação no dia do feriado (01/05), informando que a notícia sobre venda do Grupo RPC estava no ar, no portal G1. ‘Várias pessoas aqui da redação viram a nota no G1. Alguns editores gravaram essa página. Eu, inclusive, imprimi e tenho uma cópia aqui comigo’, afirma.
Ainda de acordo com Mussa Assis, a redação de O Estado entrou em contato com a Gazeta do Povo para ‘alertar’ sobre a notícia do G1 e o conteúdo dos verbetes na Wikipedia, e também para ouvir a vice-presidente da RPC, Ana Amélia Filizola, sobre a suposta venda da empresa. Ana Amélia negou a negociação, surpresa com a notícia, afirmando não saber de onde poderia vir tal boato. ‘Depois que alertamos a Gazeta, a notícia do G1 saiu do ar’, diz o diretor de O Estado do Paraná.
Mussa Assis afirma, também, que no dia do feriado, a reportagem de O Estado não conseguiu falar com a Anatel sobre a suposta abertura de um novo canal de UHF em Curitiba. Mas que, nesta quarta-feira (02/05), uma fonte da Anatel confirmou haver ‘estudos em andamento e um projeto técnico para liberação do canal 13 UHF em Curitiba’. Também no feriado, a reportagem de O Estado não obteve resposta do G1 sobre a possível publicação – e retirada – da notícia polêmica.
Possível spam
Mas, na matéria publicada nesta quinta-feira (03/05) suitando o caso, O Estado e Tribuna afirmam que Globo e G1 negaram tanto a compra da RPC quanto a publicação da notícia sobre o caso – e que tudo poderia ter sido originado de um spam. ‘Hoje em dia os hackers invadem sites, fazem o que querem’, disse Mussa Assis.
Já a Gazeta do Povo e a Gazeta do Povo Online, veículos da própria RPC, publicam também nesta quinta-feira (03/05) reportagem sobre o caso. A matéria abre afirmando que ‘a internet foi usada neste feriadão para a disseminação de uma série de notícias inverídicas sobre a venda de veículos da Rede Paranaense de Comunicação (RPC) e do Grupo J. Malucelli para as Organizações Globo. A boataria envolveu alterações anônimas nos verbetes sobre a RPC na enciclopédia virtual Wikipedia e atribuiu as informações ao portal de notícias das Organizações Globo, o G1. Mas a Central Globo de Comunicação desmentiu categoricamente a publicação de qualquer informação a respeito’.
Segue dizendo que ‘O conteúdo do portal (G1) passou por uma espécie de auditoria e não foi encontrado resquício de matéria sobre a venda de veículos como as emissoras de tevê da RPC e o jornal Gazeta do Povo. ‘Isto não existe. Não houve compra alguma’, diz a nota distribuída pela Central Globo de Comunicação’.
A Anatel foi ouvida também pela reportagem da Gazeta e negou a notícia de novo canal de tevê para emissora em Curitiba. ‘Não existe projeto ou ação da agência para a mudança de canalização’, afirmou a Anatel, via assessoria.
Wikipedia
Na matéria, a Gazeta do Povo lembra que a Wikipedia ‘alerta aos internautas para o fato de que qualquer artigo ou obra pode ser transcrito, modificado e ampliado’, mas que ‘apesar disso, os dados adulterados chegaram a servir de base para reportagem publicada na quarta-feira no jornal `O Estado do Paraná´’.
Um especialista em segurança digital entrevistado pela Gazeta do Povo diz que o boato sobre a venda da RPC foi produzido por ‘gente do ramo, que conhece a internet’. Ele identificou o IP de onde partiram as alterações nos verbetes da Wikipedia como sendo de Curitiba.
Outro técnico consultado pelo Comunique-se chegou à mesma conclusão – o IP de alteração na wiki é de Curitiba – e acrescentou que se trata de computador compartilhado por mais de um usuário, podendo ser de lanhouse.
Wanderson Castilho, o especialista entrevistado pela Gazeta, disse que ‘um indício de trabalho profissional é o de que a informação teria sido espalhada por meio de mensagens eletrônicas contendo um link que levaria para uma página falsa do portal G1’.
Para refletir
Tecnologia à parte, resta para os jornalistas que acompanharam o caso a questão da credibilidade das fontes. Em tempos de uso massivo da internet como fonte para pesquisas e matérias, o professor de Webjornalismo da faculdade Unibrasil, Hélio Marques – jornalista há 20 anos – lembra que há princípios do jornalismo que jamais podem ser deixados de lado: checagem, bom senso, e, como ‘premissa básica, desconfiar sempre da informação que chega pronta’.
‘É inegável que a internet ajuda, e muito, a produção de reportagens e o trabalho dos jornalistas. Quem começou a trabalhar antes da web existir, como eu, sabe o quanto ela é útil. Mas é preciso ter em mente que a internet é apenas uma ferramenta, entre tantas outras, do trabalho jornalístico’, opina Marques.
Como professor, ele se diz alarmado com a mentalidade dos alunos de Jornalismo: ‘Eles acham que o mundo está na internet, que tudo está ali, pronto. A idéia deles é: quanto mais rápido e fácil cumprir a tarefa, melhor. Não querem saber de esforço, apuração. Checagem, leitura e pesquisa são palavras difíceis de incutir na cabeça dessa geração que já começou a vida usando a web’.
Sobre o caso específico da falsa notícia de venda da RPC para a Globo e as repercussões – que também acompanhou – Marques opina: ‘Vale lembrar que nem sempre uma notícia é publicada puramente por interesse jornalístico. Pode haver outros interesses em jogo – políticos ou comerciais. Não há como saber nesse caso, mas posso afirmar, com toda certeza, que ao usar a internet como fonte para matérias é preciso todo cuidado, sempre e cada vez mais’, conclui.
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Jornalista