A criação da nova Rede Nacional de TV Pública vem provocando debates na mídia, na sociedade e neste Observatório da Imprensa desde o anúncio de sua criação, em março. Para debater a nova Rede – que pode mudar alguns parâmetros na TV brasileira – o ministério da Cultura organizou esta semana o primeiro Fórum Nacional de TVs Públicas, que acontece em Brasília. Para ficar por dentro dessas discussões e provocar outras novas, o programa Observatório da Imprensa na TV de terça (8/5) convidou o ministro da Cultura, Gilberto Gil, para falar sobre o Fórum, a composição da nova TV e aproveitamento das emissoras já existentes.
No editorial, Alberto Dines comentou o aniversário de 9 anos do Observatório na TV, 11 anos do site e 2 anos do programa de rádio diário. Em seguida, reafirmou o compromisso do OI em discutir as atitudes da imprensa e, assim, fazer com que a mídia evolua. Um dos assuntos que tem chamado mais atenção neste aspecto é a criação da Rede Pública de TV, que pode entrar no ar ainda este ano.
A diretora-presidente da TVE Brasil, Beth Carmona, explicou, em entrevista gravada, que as emissoras públicas de televisão brasileiras são uma alternativa às emissoras comerciais. Segundo ela, o que existe hoje são canais com intuito educativo funcionando com a idéia de TV pública: ‘sem dúvida nenhuma esse trabalho acumulado está sendo levado em conta. E nós já estamos trabalhando num primeiro momento através da estrutura dos canais ligados ao governo federal, como é o caso da TVE Brasil, e a partir daí provavelmente vamos ampliar (a rede)’, contou.
Orlando Senna, secretário de Audiovisual do ministério da Cultura, disse que a integração de emissoras que não estão ligadas diretamente ao poder federal é uma questão muito complexa, mas que é necessário encontrar caminhos para conectá-las. Para ele, o fato de ser difícil não quer dizer que seja impossível: ‘depende apenas de inteligência, racionalidade, um pouco de criatividade e a boa vontade de todos’, explicou.
Do estúdio da TVE, no Rio, Dines apresentou Gilberto Gil, que é ministro desde 2003, e lhe deu as boas vindas. Começou falando do Fórum que estava começando em Brasília, mas que já vem sendo debatido há alguns meses. ‘Pela primeira vez o governo antecede uma medida sua com um debate. Como é que o debate vai poder influir na Rede pública?’, questionou Dines.
Gil afirmou que espera que o debate influencie na medida em apresente questões próprias da área de radiodifusão. ‘O Fórum vem se realizando desde setembro e reunindo dirigentes, técnicos da área de TV pública e radiodifusão, universidades, parlamentares, ONGs, secretários de Cultura dos vários estados – porque as TVs públicas estão espalhadas pelos estados e municípios – com tarefas de avaliação e identificação de questões, de problemas, de gargalos, de dificuldades, etc. Mas também com prospecção de potenciais, papeis, missões, programação, financiamento, marcos regulatórios’. Gil comentou que este saldo será valioso para qualquer tomada de posição por parte do governo.
O ministro Franklin Martins tem um prazo de 3 meses para apresentar uma proposta da nova rede nacional. Dines perguntou como ele vai unir esse debate com a tomada de decisões que já está enfrentando. Gilberto Gil afirmou que o primeiro processo de captura da opinião geral virá pelas linhas de convergência entre governo e sociedade. Segundo ele, o conceito geral do que deve ser uma TV pública é algo que vem sendo construído dentro do governo e da sociedade, e na medida que em que os temas intrínsecos a ela sejam debatidos, a visão do que é uma TV pública será formada. A partir daí, surgirá um modelo que deve satisfazer a ambos os lados.
Aproveitando o que já existe
O aproveitamento das TV públicas que já existem foi um assunto abordado pelo Observatório na TV com os ministros Franklin Martins e Luiz Dulci. A idéia inicial do governo parecia ser a criação de algo inteiramente novo, mas a partir dos debates realizados, resolveu-se aproveitar o que já existe. ‘Como é que estamos nesse sentido: aproveitar o que existe e construir a partir daí?’, indagou Dines.
‘Uma coisa importante que o Fórum fez foi trazer os dirigentes, os técnicos, todo mundo que já vem fazendo televisão publica, estatal, educativa, cultural, etc. Todos esses 17 modelos diferenciados de TV públicas, ou quase pública, que temos no Brasil. Eles vieram trazer a contribuição e a presença deles deixou claro que já existe uma acumulação, existe um processo, um cabedal de experiência, uma insistência numa definição de uma missão, de uma finalidade nesses anos todos, com escolhas, visão programática própria. Tudo isso não será jogado fora’, afirmou o ministro da Cultura.
Gil explicou ainda que a impressão errônea que essa TV partiria do zero veio da decisão do governo de criar uma TV do poder Executivo. ‘A TV do Executivo, como a do Legislativo, como a do Judiciário, deve ser uma das partes desta televisão pública’, ressaltou.
Dines lembrou uma questão levantada por Orlando Senna no início do programa: como conciliar as TVs públicas com diferentes financiadores? ‘Temos TVs públicas que são do governo federal, que é o caso da TVE; temos outras ligadas ao governo estadual, caso de São Paulo e da sua Rede. O Orlando Senna é muito feliz quando diz que temos que criar vasos comunicantes e não vasos estanques. A frase é muito boa, mas como é isto na prática?’.
Digitalização e financiamento
Gilberto Gil explicou que a grande questão que liga todas essas TVs é a sua modernização: ‘Todo mundo quer passar a ser TV digital. Os estados e as universidades não podem arcar sozinhos com esse ônus. Custa muito. Há interesse do governo federal em ajudar nesse processo’. O ministro afirmou que há todo um conjunto de investimentos a serem feitos, tanto do ponto de vista financeiro quanto de inteligência, que é de interesse de todos. ‘Acho que isso daí começa a colocar todo mundo no mesmo barco’, adiantou. ‘O conjunto a ser investido precisa ser compartilhado’, resumiu.
No início do segundo bloco o presidente da Radiobrás, José Roberto Garcez contou em entrevista que a programação de uma Rede pública no Brasil deve atender as necessidades internas e que um modelo próprio será criado. ‘Devemos atender a necessidade de uma integração cultural do nosso país. Temos uma grande diversidade étnica, cultural, econômica. Essas diferenças regionais devem ser incorporadas numa programação de uma Rede pública de televisão’, afirmou.
Dines perguntou a Gil como a nova Rede pública irá utilizar a internet e TV digital, ‘que alteram até mesmo o conceito de televisão’. O ministro lembrou que o processo deve começar pela digitalização, pois é isto que permitirá uma interface entre as TVs públicas, a radiodifusão e a internet. Gil disse que sugeriu, durante uma reunião do governo, a criação de um projeto de inclusão digital. Ele deveria ser comandado pelo governo federal, mas em parceria com os governos estaduais, para democratização dos meios que levam à internet. Gil explicou que a internet modificou a relação das pessoas com TV, que possibilita opções de canais e informações que antes não eram oferecidas pelas emissoras. Para ele, essa mudança de lógica deve ser absorvida pela nova TV pública.
‘Pode se pensar também numa TV pública via internet?’, questionou Dines. ‘Isso já virá’, respondeu Gil. Para o ministro, no momento em que houver a digitalização, as duas passarão a caminhar juntas. ‘O mundo caminha para convergência’, completou Dines.
Inclusão digital
O elemento que possibilitará isso é a inclusão social. O já está acontecendo, segundo Gil. ‘O país tem melhorado. Os índices de inclusão estão melhorando no país. É sinal que estamos caminhando na direção certa’.
Alberto Dines avaliou que para a maioria, a TV pública deve ser uma alternativa aos canais privados e explicou que esta idéia surgiu segundo um conceito americano dos anos 70, da mídia alternativa. Dines perguntou para o ministro o que significa uma TV alternativa: ‘é fazer uma telenovela tematicamente diferente ou esquecer o que faz a TV comercial?’.
O ministro contou que as emissoras públicas e privadas podem até ser vistas como complementares em alguns aspectos, mas devem caminhar para uma direção comum. ‘A função da TV pública primordial nesse caso é estimular a televisão privada a caminhar em várias direções, de sair do seu nicho consumista e partir para direção ampla, criar novos paradigmas. Isso é uma coisa que todas estarão arroladas. Evidentemente há complementaridades que são ainda atribuições: particularidades de uma e de outra. Mas a tendência é que caminhem juntas, com estímulos mútuos’, acredita Gilberto Gil.
Produções regionais em debate
O terceiro bloco foi destinado à questão do regionalismo na futura rede pública de televisão. O presidente da ABEPEC, Jorge Cunha Lima, propôs, em entrevista gravada, a criação de um fundo nacional que possibilite a produção de programações locais interessantes para nova rede. Já Celso Augusto Schroeder, coordenador do Fórum Nacional pela Democratização da Informação, propôs que se partisse de uma solução horizontal: as produções regionais é que dariam a cara da rede, o que serviria para descentralizar a produção, atualmente concentrada no Rio e São Paulo.
Dines lembrou que havia um problema e algumas soluções dentro da questão da regionalização. ‘Cada televisão estadual quer ser sua própria cabeça de Rede. Ela quer se apresentar para o seu público como uma emissora. Aí está o problema da Rede. Como vai funcionar a produção local e a emissão da programação na sua ponta final?’
Gilberto Gil contou que o modelo vertical de imposição central está com os dias contados, em todos os campos: na ciência, nas técnicas, nas difusões de tecnologia, nas trocas simbólicas, na política. E explicou que não há como haver uma auto-suficiência de cada uma das emissoras, sem a participação do resto do país.
Dines voltou ao assunto: ‘Como vai se selecionar e priorizar uma grade de programação?’. Para o ministro, a questão da atratividade será a referencia para que se possa escolher o que será transmitido na TV.
Influência política
O quarto e último bloco foi destinado a um debate sobre as formas para evitar o controle de grupos políticos da TV Pública.
O jornalista Eugênio Bucci, que faz parte Fórum de TVs Públicas, comentou, também em entrevista gravada, que era um absurdo o Brasil ainda não ter um sistema de TV Pública. O presidente da associação brasileira de televisão universitária, Gabriel Priolli, avaliou que a primeira coisa a ser feita é a garantir a independência financeira da rede e, depois, a independência de gestão: ‘a forma jurídica a ser assumida e a forma de escolher os dirigentes não pode passar por indicação de governantes’, afirmou.
O apresentador perguntou para Gilberto Gil como está se pensando a questão da independência da nova rede. Gil disse que uma boa alternativa seria um modelo de gestão coletiva, através de um conselho.
Dines agradeceu a presença do ministro da Cultura e disse que a participação dele foi um verdadeiro presente de aniversário ao programa. Gilberto Gil agradeceu ao Observatório pelo serviço ‘inestimável’ prestado ao país.