Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

A semana religiosa na TV

O Papa Bento 16 é notícia em toda a mídia quando está no ar o debate sobre a formação da terceira rede nacional católica de televisão. E poucos sabem onde estão os verdadeiros interesses da sociedade no que diz respeito à televisão, entretanto disfarçados em biombos empresariais, religiosos, confessionais e políticos, que já dominam amplamente a telinha.

É mais do que hora de perguntar: o que a sociedade ganha com mais uma rede de televisão católica? Como estão as outras redes confessionais? Como estão aquelas que se dizem leigas, cujos mentores, invocando ou não a proteção de Deus, não estão nem aí para as injustiças perpetradas contra o povo brasileiro todos os dias, a menos que as ditas-cujas firam interesses corporativos?

O jornalista Alberto Dines escreveu neste Observatório:

‘Comprova-se a enorme distância entre o Brasil de jure e o Brasil de facto. Nossos estatutos legais preconizam uma situação, nossa realidade vai na direção contrária, a letra da lei raramente coincide com o espírito da lei’ [ver ‘Competição religiosa confronta a república secular e democrática‘].

Os poderes midiáticos continuam acantonados no eixo Rio-São Paulo, por razões óbvias! Por isso, qualquer coisa que ocorra nessas duas metrópoles ganha imediata repercussão nacional, mas não sem o encobrimento de outras regiões, de temas e problemas tão ou mais importantes para o Brasil.

A mídia não tem este olhar pan-óptico que lhe creditamos com freqüência. Este tipo de olhar está sintetizado na figura do triângulo com um olho no meio, emblema de todos conhecido, às vezes trazendo a legenda ‘Deus me vê’. O olho só vê dali para frente, ao contrário de um olhar pan-óptico que, como a palavra indica, vê tudo.

Atenção ecumênica

Na TV JB, no programa Verso & Reverso, o jornalista Augusto Nunes lembrou no domingo (6/5)à noite um mote constante de seus artigos e palestras: jornalista não admite ser informado, pois pensa que já sabe de tudo!

Que os debates sobre a formação de novas redes de televisão não percam de vista contextos como os que seguem:

1. Quando tudo parecia perdido na recuperação das liberdades democráticas, perdidas com o golpe de 1964, foram às religiões, ao ecumenismo religioso que recorremos. Personalidades como Dom Paulo Evaristo Arns, como o rabino Henry Sobel, como o pastor presbiteriano James Wright, como Dom Cláudio Hummes, para citar alguns, tiveram a grandeza de superar eventuais divergências e sutis complexidades da fé que professavam e se mostraram unidos em torno de um interesse social solar, decisivo para aquela hora em que atuaram;

2. Vivemos tempos de crescente secularização, que não tem apenas pontos positivos, não. Alguns de nossos mais fundos preceitos éticos, por exemplo, para milhões de pessoas têm fundamento religioso. Essas pessoas fazem ou deixam de fazer algumas coisas, não porque as leis autorizam ou proíbam, mesmo porque freqüentemente as desconhecem, mas por convicção religiosa;

3. Aqueles que não aparecem na mídia, dos quais editores e repórteres jamais ouviram falar, também têm seus direitos assegurados em lei. E são a maioria! Por que essa excessiva atenção a políticos e celebridades, às vezes exclusivamente com eles?;

4. Será que não está ocorrendo o seguinte: como todos se arrumam, num ‘quem pode mais, chora menos’, entidades religiosas, vendo-se omitidas, criam sua própria mídia?

A mídia brasileira privilegia algumas religiões, sim. E depois vem dizer que é leiga! Se é leiga de verdade, deve dar a mesma atenção aos diversos credos e não é isso que faz.

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Escritor, doutor em Letras pela USP, professor da Universidade Estácio de Sá, onde coordena o Curso de Letras; www.deonisio.com.br