Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As chances desperdiçadas

Causa-me espanto a maneira como a mídia é mal usada para prevenir acidentes de trânsito, seja pelo governo seja pela própria mídia. Os acidentes de trânsito são apresentados como fatalidade ou fruto de ‘monstros sobre rodas’. Até o governo, quando resolve fazer propaganda institucional, focaliza o acidente, e não as causas.

Antes que haja mal-entendidos, esclareço que não considero o álcool, as drogas, a velocidade como causas dos acidentes de trânsito. Para mim os acidentes de trânsito são efeitos da falta de educação para o trânsito. O álcool, as drogas, a velocidade e outros menos votados são problemas associados, que andam junto com a ‘síndrome do mau motorista’.

O mau motorista começa a se formar no mau pedestre.

O mau pedestre é aquele que:

** Decide que esperar o momento seguro para atravessar ‘é coisa de boiola’, ‘é pagar mico’, ‘ é palha’, ‘é careta’ etc.

** Pensa que usar a faixa de pedestre é ‘coisa de mulher e criança’.

** Brinca de pique-pega com os carros.

** Não sabe usar as faixas de pedestre sinalizadas.

** Nunca usa as passarelas instaladas sobre a via-expressa.

** Anda vagarosamente na faixa para deixar o motorista ‘p’ da vida.

** Adora bater papo na calçada ao lado da faixa e ‘morre de rir dos motoristas idiotas’ que param na faixa para ele atravessar.

** Atravessa a rua na diagonal e de costas para o fluxo do trânsito. Vale também começar a atravessar a faixa e fazer uma diagonal para sair mais lá na frente, aumentando o tempo de parada dos motoristas na faixa.

Este mau pedestre em geral é treinado pelos pais e babás que, dentre outros absurdos:

** Atravessam a rua correndo, arrastando uma pobre criança pelo braço.

** Atravessam no sinal vermelho de mãos dadas com uma criança.

** Atravessam a rua desatentos, falando no celular sob o olhar de uma criança que os vê como exemplo.

Quando sobre rodas, o mau pedestre se torna mau motorista:

** Nunca respeita a distância regulamentar para ultrapassagem.

** Anda freqüentemente na contramão para ‘cortar caminho’.

** Dirige ‘colado’ no motorista da frente.

** Nos acessos a vias preferenciais, buzina para apressar o motorista da frente.

** Buzina para apressar o pedestre na faixa.

** ‘Tira fino’ do pedestre.

** Quando na direção de ônibus ou caminhão, ‘dá chega-prá-lá’ nos motoristas de carro pequeno, principalmente se são mulheres.

** Conversa no celular com o carro em movimento ou pára o carro no meio da rua para atender o celular.

** Desconhece o funcionamento de seu veículo e das regras gerais de trânsito.

** Usa regras próprias de trânsito.

Etc. etc… É claro que tanto uns quanto outros são mantidos assim pela omissão criminosa das autoridades de trânsito, que dentre outras coisas:

** Ignora a ação preventiva de congestionamento, deixando de colocar policiais para orientar o trânsito, quando há consertos nas ruas, sinais com defeito, acidentes, obstrução de pista, aumento anormal de fluxo de trânsito numa determinada área.

** Ignora a ação preventiva de atropelamentos, quando deixa de advertir pedestres que atravessam fora da faixa ou sob o sinal vermelho.

** Deixa de advertir e/ou multar os motoristas que usam da direção perigosa.

** Substitui a fiscalização preventiva pelos ‘pardais’ ao invés de torná-los complementares.

Um capítulo à parte deveria ser escrito sobre motociclistas, ciclistas, skatistas e similares. Estes não respeitam nenhuma regra e quando morrem nos acidentes sempre a culpa é atribuída ao motorista comum.

** Andam sobre as linhas de demarcação das pistas.

** Andam na contramão.

** Não obedecem às regras de uso dos acessórios de segurança.

** Comportam-se como pedestres nas pistas e como veículos nas calçadas.

Portanto, os acidentes de trânsito vão continuar aumentando. São fruto da falta de educação e da falta de respeito às normas de trânsito e de convivência social e da incúria dos departamentos de trânsito de nossas cidades.

Seria necessário que as ações contra as mortes no trânsito fossem precedidas de diagnóstico correto e planejamento adequado. O achismo e a omissão não combinam com o exercício responsável das funções de Imprensa e de Governo.