As cervejarias têm feito campanhas agressivas (em alguns casos, as propagandas são até apelativas) para aumentar o consumo de seus produtos. Uma delas até pretende mudar o nome de um dos dias da semana, certamente porque visa aumentar o consumo de seu produto no mesmo.
Vivemos num regime capitalista. A propaganda é um instrumento legítimo conferido aos industriais para ampliar ou preservar seu espaço no mercado. Ninguém pode proibir a divulgação de qualquer produto industrial não proibido ou controlado porque a Constituição Federal de 88 garante a liberdade empresarial. Mas isto não quer dizer que os industriais devem ficar isentos de responsabilidades pelos abusos que cometerem.
Está cientificamente provado que álcool vicia. Há consenso de que o alcoolismo é um problema pessoal, familiar e pode vir a ser um problema social.
Em razão do desenvolvimento da informática e das técnicas de pesquisa, é perfeitamente possível verificar se o aumento do consumo de um produto está relacionado à intensificação de sua propaganda. Também é perfeitamente possível estudar as relações entre o consumo de um produto e suas possíveis conseqüências pessoais e sociais.
Responsabilização, e não proibição
O alcoolismo está relacionado a:
a) agressões físicas, acidentes de trânsito e de trabalho;
b) despesas médico-hospitalares públicas e privadas com o tratamento e atendimento de alcoólatras, das vítimas de violências praticadas sob o efeito do álcool ou dos acidentes de trânsito e de trabalho ocorridos em razão de embriaguez.
Sendo assim, ao invés de punir o excesso de propaganda ou proibir a mesma, pode ter chegado a hora de estudar de maneira detalhada se o aumento das receitas das cervejarias está vinculado ao aumento dos problemas relacionados ao alcoolismo. Se isso for feito e ficar demonstrado que os industriais estão lucrando em razão dos danos que ajudam a produzir, a legislação pode ser modificada para possibilitar a responsabilização econômica dos industriais de bebidas.
Do ponto de vista econômico, a responsabilização dos industriais pode dar mais resultados do que qualquer tipo de proibição ou censura. Se as cervejarias sentirem nos seus cofres as conseqüências do abuso de propaganda, as mesmas irão reduzir suas despesas publicitárias para fazer frente aos novos encargos financeiros ou, no mínimo, para evitar uma redução nos seus lucros.
Ação civil pública
Do ponto de vista jurídico, a medida é perfeitamente justificável. Não há liberdade empresarial sem responsabilidade (este é o princípio fundamental do Código de Defesa do Consumidor).
Politicamente, entretanto, a porca torce o rabo. Afinal, os industriais de bebidas também distribuem ‘dinheiros de campanha’ e me parece evidente que os beneficiários das verbas eleitorais dos fabricantes de bebidas não legislarão contra os padrinhos.
Para contornar o entrave político, antes mesmo da lei ser modificada, o Ministério Público poderia, por exemplo, entrar com ação civil pública para demonstrar a relação entre a propaganda agressiva e o aumento do alcoolismo e suas conseqüências, requerendo a condenação das cervejarias a indenizar os danos provocados aos consumidores (induzidos a consumir mais) e ao Estado (aumento das despesas públicas hospitalares).
******
Advogado, Osasco, SP