Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Crítica diária

04/05/07

A Folha banca na manchete (‘Lula vai quebrar patente de remédio contra Aids’) que haverá mesmo medida inédita no país. O ‘Estado’, em página interna, não noticia a decisão presidencial (‘Saúde recomenda quebra de patente’). Diz ‘que o governo pretende esperar até a hora do evento [12h de sexta] para que o laboratório faça uma oferta de redução de preço’.

Se a Folha está correta, parabéns. A notícia merecia a manchete.

Quebra de patente – Antiretroviral

O remédio Efavirenz, conta a Folha, é um antiretroviral (‘Governo Lula decide quebrar patente de remédio anti-Aids’, pág. C1).

O leitor não é obrigado a saber o que é isso.

Quebra de patente – Outros lados

A reportagem na capa de Cotidiano (‘Governo Lula decide quebrar patente de remédio anti-Aids’) afirma que, ‘procurada pela Folha por volta das 21h, a Merck declarou que não havia sido informada’ (sobre a decisão governamental).

Retranca abaixo, contudo, contradiz a anterior (‘Empresa se diz decepcionada com a decisão’): ‘A Merck Sharp & Dohme informou ontem à tarde, por meio de sua assessoria de imprensa, estar ‘surpresa’ e ‘decepcionada’ com a decisão do governo Lula de quebrar a patente do medicamento Efavirenz’.

Se o ‘outro lado’ havia sido apurado antes, para que procurar a empresa de novo à noite? Se ela se pronunciou à tarde, como não havia sido informada à noite, quando não emitiu declaração?

O leitor deve confiar em qual dos relatos?

Quebra de patente – Registro

O jornal prestaria um serviço aos leitores se explicasse como se registra a patente de um medicamento ou outra invenção. E por que existe patente. Ajudaria a formar opinião.

Cardiopatas – Registro Grace

Peço desculpas antecipadas caso não tenha reparado, mas não encontrei informação sobre o que é o ‘Registro Grace’ citado na reportagem ‘Cai morte de internados por ataques cardíacos’ (pág. C3). Considero a edição São Paulo/DF, concluída às 23h40.

O leitor não é obrigado a saber o que é ‘Registro Grace’. Se for importante citá-lo, é obrigatório ‘traduzir’.

Metrô – O nome das empresas

O texto ‘IPT libera mais três trechos de obras do Metrô’ (pág. C3) repete o procedimento de citar o Consórcio Via Amarela sem dizer que empresas o integram. É um direito do leitor saber o nome das empreiteiras.

PM morto – A fotógrafa

É um diferencial muito positivo da Folha relatar a controvérsia sobre a participação (mesmo que involuntária) da fotógrafa Silvia Izquierdo, da Associated Press, no episódio em que morreu um policial militar no Rio. Existe versão de que o PM Wilson Santana tentava protegê-la em tiroteio na Vila Cruzeiro.

Não encontrei a informação nos principais concorrentes da Folha. Nem mesmo no ‘Estado’, que publica foto de autoria de Izquierdo, mostrando o policial baleado.

PM morto – Versões

A primeira página da Folha banca uma versão, transformando-a em palavra final. Deveria ser mais precavida. O texto-legenda da fotografia do PM ferido diz que ele foi ‘atingido quando ia avisar a fotógrafa para se proteger em confronto com traficantes na favela Vila Cruzeiro’.

Na pág. C4, porém, essa versão não existe, mas outras duas: o PM ‘ordenou aos gritos que saíssem [a fotógrafa e um cinegrafista] dali com rapidez’. Ou seja: não ‘ia avisar’, mas ‘avisou’.

Nota da AP diz que ‘não há indicativos de que o PM morto corria para proteger os jornalistas’.

PM morto – Linha de tiro

O jornal faz bem em contar como vários fotógrafos ‘foram alvos de tiros de traficantes e ficaram encurralados próximo ao local onde o policial foi atingido’. Também acertou em publicar declarações de um repórter fotográfico do ‘Globo’.

PM morto – Tim Lopes

Há indícios numerosos, nas últimas semanas, de que os jornalistas dedicados à cobertura de confrontos entre polícia e criminosos no Rio estão se expondo mais do que o aconselhável. As informações que eles podem contar em texto e imagem não valem o risco exagerado. As lições do assassinato de Tim Lopes parecem ter sido esquecidas ou pouco compreendidas.

PM morto – Colete

‘O Dia’ informa que os coletes usados pelos policiais militares estão fora da especificação indicada para o enfrentamento com traficantes que usam fuzis. Trata-se de informação relevante.

E os coletes fornecidos pelas empresas jornalísticas aos seus funcionários? Resistem a projétil de fuzil?

PM morto – A vida como ela é

É admirável a reportagem ‘‘Acostumados’, vizinhos até riem em meio a tiros’. É outra informação exclusiva da Folha, a considerar os jornais que eu li.

Assassino – Sem nome

A Folha mantém a decisão de não publicar o nome do ‘mentor do seqüestro e assassinato do casal de namorados’ Liana e Felipe. Na época do crime, ele tinha 16 anos. Hoje tem 20.

O jornal não informa, porém, que trecho do Estatuto da Criança e do Adolescente veta a publicação.

A informação mais útil para sustentar a posição da Folha está na primeira página do ‘Estado’ : ‘A Vara da Infância e Juventude, porém, entende que [aqui o jornal cita o apelido do infrator], de 20 anos, está sob proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente até completar 21’.

Como se trata de decisão judicial, a Folha parece correta. Respeita determinação legal.

Jornais, rádios e TVs citam sem cerimônia nome e apelido do assassino, exibem sua imagem.

Assassino – Apelido

O Estatuto da Criança e do Adolescente (lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), contudo, não parece deixar muitas dúvidas sobre o procedimento adequado ao falar do adolescente de 17 anos que fugiu da Fundação Casa com o assassino.

Diz o parágrafo único do art. 143 do ECA: ‘Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome’.

O ‘Estado’ publicou o apelido do rapaz de 17 anos. O ‘Globo’, não.

A Folha não publicou nem nome nem apelido.

Assassino – Papel sobrando

A abertura da retranca ‘Fugitivo bebia vinho ao ser encontrado’ (pág. C5) repete as informações da abertura do texto principal da mesma página, ‘Assassino de Liana e Felipe é recapturado’.

Invasão na USP – Política

Faltam informações políticas na reportagem ‘Estudantes invadem o gabinete da reitora da USP’ (C8). Qual a filiação partidária dos líderes do movimento e das entidades estudantis? Não basta dizer que alguns estudantes vestiam camisa de uma ou outra organização (eles podem ter influência decisiva ou quase nenhuma na invasão). Para entender o que ocorreu, é fundamental identificar a orientação política dos dirigentes e cotejá-la com a do governo estadual.

Invasão na USP – E daí?

A reportagem informa que um estudante que tentou barrar uma pró-reitora ‘estava de chinelo e bermuda’. Qual a relevância da informação? O aluno deveria vestir terno e gravata?

Roberto Carlos

É digno de cumprimentos o empenho da Folha em informar e debater o acordo judicial que resultou na proibição da biografia de Roberto Carlos. Entre outros méritos, está o de assegurar a manifestação de posições opostas. É um exemplo de pluralismo.

03/05/07

A Folha não publica hoje o nome do ‘mentor do seqüestro e assassinato [em 2003] do casal de namorados’ Liana e Felipe. Nem na chamada da primeira página sobre a fuga nem na cobertura em duas páginas de Cotidiano, incluindo a capa do caderno. O assassino tem 20 anos.

O jornal justifica a decisão na pág. C1: ‘O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) impede a divulgação do nome de jovens que cometeram crimes quando tinham menos de 18 anos e estão sob custódia do Estado’.

‘Globo’, ‘Estado’ e ‘O Dia’ informam nome inteiro e apelido. Na primeira página, o ‘Jornal do Brasil’ cita as iniciais e o apelido. Dentro, escreve o nome completo.

Se a legislação de fato impede a publicação, a Folha está correta. Dado o contraste com outros diários, seria importante que a edição de amanhã mostrasse o trecho do ECA que aborda situações como essa. Também seria aconselhável consultar juristas para saber se, ao fugir da Fundação Casa (ex-Febem), o assassino ainda pode ser considerado ‘sob custódia do Estado’. Se a resposta for negativa, não existe restrição legal à divulgação do nome.

Juristas também poderiam se pronunciar sobre a publicação do apelido. A Folha também o omitiu.

Mais que suspeito, acusado

Mais uma vez, chamada na primeira página se refere ao ministro Paulo Medina, do Superior Tribunal de Justiça, como ‘suspeito’ (‘Medina pede afastamento do STJ’).

Reafirmo que ele é mais do que isso: é acusado, foi alvo de denúncia oferecida pela Procuradoria Geral da República. Ao qualificá-lo como suspeito, o jornal não está errado. Mas não dá conta da situação de Medina na Justiça, bem mais grave, a de acusado.

Guerra Fria

As aspas em torno da última palavra dão a entender que a intenção foi a de fazer certa graça. Se foi o que ocorreu, o resultado é questionável, no título da primeira página ‘Cuba e outros destinos devem ser visitados antes que ‘acabem’’. Como mostra a reportagem em Turismo, o que pode acontecer são mudanças profundas na ilha caribenha. Cuba não corre o risco de ‘acabar’.

Sua excelência, o leitor

Em um momento de dor e despedida, a Folha faz bem em dedicar o Painel do Leitor exclusivamente às manifestações de pesar pela morte do publisher do jornal. Seria recomendável, no entanto, que não fossem selecionadas apenas mensagens de leitores ilustres, personalidades.

Há muitos e muitos leitores não-vips escrevendo sobre Octavio Frias de Oliveira. Eles formam no time daqueles a quem seu Frias se referia como ‘sua excelência, o leitor’. Também devem ter sua palavra contemplada, mesmo que para isso haja em caráter excepcional a expansão do Painel do Leitor na pág. A3 ou em outros espaços.

Erramos pouco

A julgar pela seção de hoje, a Folha tem errado muito pouco. A única correção se refere a um texto publicado na semana passada e comentado na crítica diária.

Título com sotaque

Título do alto da pág. A11: ‘Em português com sotaque, papa saúda brasileiros em Roma’. Notícia seria um alemão falar português sem trair a origem.

Mesmo assim, não existiria o cidadão sem sotaque. O brasileiro não fala como o português. Os habitantes das diversas regiões do Brasil também não falam do mesmo modo, mas com sotaque regional, municipal ou até mesmo de bairro.

Painel do clima

A cobertura sobre a divulgação iminente de mais uma parte de relatório do painel do clima das Nações Unidas não trata de álcool, etanol. A manchete do ‘Estado’: ‘Relatório da ONU vai defender etanol de cana’.

Avaliações

O texto ‘Governo boliviano dá ultimato para acordo de refinarias com brasileiros’ (pág. B6) afirma que ‘a estimativa é que as duas plantas, localizadas em Cochabamba e Santa Cruz, na Bolívia, valham ao menos US$ 160 milhões’.

Quem é o autor da estimativa? O repórter? O governo do Brasil? Empresas do setor? Pesquisadores acadêmicos? O jornal deve ter cuidado, em meio a batalhas de interesses como a em curso na Bolívia, para não assumir como suas opiniões alheias. Não cabe à Folha bancar preço de refinarias.

Na mesma página, outra retranca (‘Morales cobra investimentos de petroleiras’) diz que a ‘posição brasileira’ é ‘só aceitar a venda por cerca de US$ 200 milhões’.

Contradição

Na edição SP concluída à 0h, há contradição entre as duas reportagens citadas na nota acima. Em ‘Morales cobra investimentos de petroleiras’, informa-se que ‘a Bolívia quer pagar US$ 70 milhões’ pelas refinarias da Petrobras. Abaixo, ‘Governo boliviano dá ultimato para acordo de refinarias com brasileiros’ diz que ‘o governo boliviano também fez uma nova oferta pelas refinarias, segundo a Folha apurou: US$ 60 milhões […]’.

Pelo menos uma das duas apurações está errada.

Texto versus arte

A reportagem ‘Celular é líder das reclamações de produtos no Procon’ (pág. B10) afirma que ‘de janeiro a março deste ano, foram registradas 355 queixas contra o produto’. O ‘produto’ são aparelhos celulares. Foi o Procon-SP que recebeu as reclamações.

O gráfico, contudo, soma 859 reclamações sobre aparelhos de celular no período, e não 355.

Qual a informação correta?

Informação sonegada

O alto da pág. B 12 tem o título ‘Super-Receita vai permitir agendamento pela internet’. A linha-fina e a lupa seguem falando do assunto, que é dominante nos mais de 30 cm de texto. A questão é de fato relevante. Só que o jornal não informa qual é, afinal, a página da internet que deve ser acessada para marcar o atendimento. O leitor fica sem saber.

Campo

O amplo painel de opiniões sobre a situação dos cortadores de cana (‘Bóia-fria ganha bem, diz usineiro’, pág. B13) vale mais do que muitas aulas de sociologia rural.

Lucro turbinado

Está errado o título ‘Volks tem lucro de 386 bilhões de euros no 1º trimestre’ (pág. B14). Como diz o texto, o valor é 386 milhões.

Febem ressuscitada

Em várias retrancas o jornal explica que a Febem agora se chama Fundação Casa. Há um título na pág. C3 (‘‘Essa fuga foi uma negligência grave’, diz presidente da Febem’) que ressuscita o nome antigo da instituição. Está errado.

Pauta desperdiçada

São sete linhas impressionantes as que contam, em nota de pé de página, que um homem foi linchado por um crime que não cometeu (‘Homem linchado não era estuprador, diz polícia’, pág. C4).

Se uma história dessas não merece ser contada, é difícil saber quais merecem. Ainda é tempo de contá-la, começando por confirmar (ou não) a versão policial.

Desarmamento

A Folha condenou a uma só coluna (pág. C7) a notícia sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal que flexibilizou o Estatuto do Desarmamento. Parece um erro minimizar a importância do fato, que rendeu a manchete do ‘Globo’: ‘STF descaracteriza estatuto das armas’.

Jornais exigentes

Em fase de mata-mata em uma competição acirrada, a Libertadores, o Santos (jogando com dez) trouxe de Caracas um resultado que, se não é bom, parece razoável: o empate que permite decidir em casa contra a equipe venezuelana. Mesmo assim, a Folha afirmou em título (pág. D1) que o Santos ‘só empata’. O ‘Estado’ fez a mesma coisa.

Lá como cá

Os textos jornalísticos, e não somente os literários, devem ter aberturas que estimulem o leitor a prosseguir. Trata-se de obviedade consensual, creio. Na reportagem ‘Orgulho da Mooca’ (pág. E6), o primeiro parágrafo termina: ‘O grupo explica: ‘Aqui é assim, os vizinhos se tratam pelo nome’’.

A matéria conta particularidades do bairro. Para a abertura, foi reservada informação sobre uma atitude que está longe de ser rara: vizinho tratar vizinho pelo nome.

Mortífera

O caderno Turismo alerta que Veneza ‘pode ser engolida pelas águas’; que, ‘apesar de estar em curso a recuperação’ da catedral de Colônia, ‘a poluição cresce rapidamente, ameaçando esse patrimônio’; que, ‘segundo as previsões, Atenas vai ficar insuportavelmente quente’; que Creta ‘vive uma situação mais urgente’ e ‘viverá uma associação mortífera de aumento na temperatura e diminuição no abastecimento de água’. E por aí vai.

Um pouco mais de sobriedade não faria mal.

02/05/07

Em virtude da participação do ombudsman na reunião do júri do Prêmio Folha, hoje não haverá crítica diária.

30/04/07

Hoje não circulará a crítica diária do ombudsman.’