O mais importante fato novo sobre a sucessão presidencial nos Estados Unidos foram as três pesquisas da semana passada que voltaram a colocar o republicano George Bush à frente do democrata John Kerry (embora em situação de empate técnico).
Como todo mundo, o Estadão registrou que Bush avançou nas preferências do eleitorado apesar dos idos de abril – provavelmente o mês mais cruel para a Casa Branca desde o 11 de setembro, com a morte de mais de 100 americanos no Iraque e as revelações do ex-coordenador de contra-terrorismo do governo de que a administração Bush não ligou para os insistentes alertas de que a al-Qaeda planejava um ataque ao país, eventualmente com o seqüestro de aviões.
Pelo que saiu, o correspondente do jornal em Washington escreveu um texto com toda a numeralha necessária e citou o prognóstico de um dos principais pesquiseiros da praça de que ‘a nação continua dividida pela metade’. Ponto, parágrafo.
Já os leitores do seu colega da Folha, Fernando Canzian, e os dos autores da rica matéria do Washington Post sobre o assunto que O Globo reproduziu, acompanhada de diversos pertences, ocupando quase uma atraente página inteira, ficaram sabendo do que mais interessa – a explicação corrente nos Estados Unidos para a súbita ascensão de Bush.
‘Bush gastou cerca de US$ 40 milhões nos últimos 27 dias para atacar Kerry’, informa Canzian, ‘descrevendo-o como um candidato titubeante, fraco em assuntos de defesa e liberal em questões sensíveis como aborto e uso de drogas.’
O Post contabilizou US$ 50 milhões nas últimas cinco semanas contra Kerry, de resto menos visível agora do que quando lutava pela indicação democrata. E o USA Today, citado pelo colunista Nelson de Sá, da Folha, falou em US$ 98 milhões, ‘quase os US$ 101 milhões gastos [por Bush] na eleição de 2000, gastos em fevereiro e março’.
Façam-se as contas como se queiram, o essencial, como ressalta Canzian, é que ‘os ataques contra a ‘honestidade’ e a ‘determinação’ de Kerry fizeram estragos’: ele perdeu 10 pontos no primeiro item e nove no segundo em menos de um mês.
A Folha ainda lembrou, no quadro que acompanha o texto, que Bush tem aparecido três vezes mais do que Kerry em anúncios e no noticiário de TV.
O Estado, que mais transcreve o New York Times no Brasil – só no último domingo, 25, foram seis textos, entre artigos e reportagens –, poderia ter dado a volta por cima no caso das pesquisas se desse o excelente artigo da editora associada do The New Republic, Ryan Lizza, ‘All the President’s Numbers’, que o NYT publicara dois dias antes.
Após autopsiar pesquisas presentes e passadas, ela mandou ver: ‘Depois de uma das mais concentradas campanhas de propaganda na televisão na história política [dos EUA], Mr. Bush aparentemente falou em mudar a percepção de um único eleitor sobre ele, pessoalmente. O que os pesquisadores chamam o seu ‘índice de avaliação favorável’ continua quase onde estava antes que os anúncios começassem’.
Ela adverte: ‘O apoio a Mr. Bush deve ser visto mais como um teto, enquanto o apoio a Mr. Kerry, o desafiante menos conhecido, parece mais um piso’.
P.S. internacional – Na primeira matéria sobre a libertação do técnico Mordechai Vanunu, que cumpriu em Israel pena de 18 anos, dos quais 11 e meio em confinamento solitário, por haver revelado ao Sunday Times de Londres que o país tinha armazenado em segredo material para até 200 bombas atômicas, o Estado deu um fora e uma dentro. Chamou Vanunu de ‘espião’, até no título, o que está errado. Mas foi o único jornal brasileiro a advertir, no pé: ‘O noticiário sobre Vanunu é submetido à censura militar israelense, que ordena mudanças nos textos’. [Texto fechado às 14h20 de 26/4]