Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quem ameaça a liberdade de imprensa

A II Conferência Legislativa sobre a Liberdade de Imprensa, promovida pela Unesco, Associação Nacional de Jornais (ANJ) e pela Câmara dos Deputados, realizada na terça-feira (8/5), deu a oportunidade de saber, mais uma vez, que para a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), a ANJ, a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e seus associados da grande mídia o Brasil tem vivido e continuará a viver, pelo menos nos próximos quatro anos, sob a ameaça permanente do autoritarismo e do dirigismo do Estado no que se refere à liberdade de imprensa (ver ‘Manifesto pela Liberdade de Expressão‘).


Não bastam o ‘estado democrático de direito’, as garantias constitucionais, as declarações quase diárias das principais autoridades públicas de reafirmação da liberdade de imprensa. Não basta o exercício pleno dessa liberdade e o rigoroso cumprimento das normas e dos procedimentos legais nos casos de conflito de interesses que não logram ser resolvidos pela negociação direta. Até mesmo as decisões judiciais são consideradas como ‘censura prévia’. E mais: mesmo projetos de lei que foram apresentados por parlamentares democraticamente eleitos e tramitam regularmente no Congresso Nacional são considerados ‘preocupantes’.


Editoriais de grandes jornais e revistas expressaram essa ‘preocupação’ nos últimos dias. O diário O Globo (‘Acenos positivos’, 10/5), por exemplo, afirma que ‘a incerteza continua’ em relação à manutenção da liberdade de imprensa. Primeiro, porque o Poder Público não acredita nos mecanismos de auto-regulação do setor de comunicação e publicidade, e, segundo, pela portaria da Classificação Indicativa para os programas de televisão que é ‘ação indiscutível de censura prévia’ (sic).


Quinto poder


Para o observador, eventos, declarações e posicionamentos como esses tem um sentido pedagógico inegável. E mesmo sendo repetitivo, é importante chamar a atenção para a estratégia permanente dos principais atores que desde sempre dominam a comunicação no Brasil.


Liberdade de imprensa não é a mesma coisa que liberdade de expressão ou liberdade de informar e de ser informado. Um direito individual – a liberdade de expressão – não pode ser, sem mais, equacionado com o direito de ‘indústrias de comunicação’ cada vez maiores e mais capazes de controlar o que as pessoas assistem, ouvem e lêem. Não há qualquer simetria entre o seu, leitor, direito de expressão e a liberdade de imprensa dos integrantes da Abert, da ANJ ou da Aner.


Desde que as instituições de mídia se transformaram, no mundo moderno, em grandes grupos empresarias e constituíram um setor em expansão chamado de ‘economia da cultura’, além de poderosos atores econômicos elas são também poderosos atores políticos capazes, por exemplo, de exercer enorme influência na determinação das agendas públicas. Esses grupos empresariais de mídia têm, claro, interesses privados a defender e a preservar.


Dessa forma, a ameaça à liberdade de imprensa que historicamente partia somente do Estado – porque absoluto ou autoritário e não-democrático – já há algum tempo parte também dos interesses que esses grupos de mídia têm a defender e que acabam por contaminar sua autonomia e independência editorial. É por isso que se fala na ‘privatização da censura’. E é por isso que o conceito da imprensa como quarto poder – representante e fiscalizador do interesse público – está sendo substituído pelo novo conceito de um quinto poder, agora fundado na cidadania e necessário para fiscalizar inclusive o poder da própria grande mídia.


Direito fundamental


O que sempre falta nas reiteradas manifestações de ‘desconfiança’ do empresariado privado de mídia em relação ao Estado democrático de direito e a sua ameaça à liberdade de expressão é a reafirmação de que a mídia é, por excelência, um serviço público. Além disso, a radiodifusão é uma concessão pública, outorgada pela União em nome do público e que deveria, portanto, nortear sua ação tendo em vista o interesse público e não o interesse privado.


O que falta, finalmente, é reafirmar que a comunicação é um direito fundamental de todo cidadão, longe, muito longe de se transformar em realidade neste Brasil onde, historicamente, uns poucos grupos controlam o que deveria ser controlado democraticamente por todos: a liberdade de expressão.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: crise política e poder no Brasil (Editora Fundação Perseu Abramo, 2006)