O PAC – Programa de Aceleração do Crescimento – não é apenas um programa de desenvolvimento; é a cartada decisiva de marketing do segundo governo Lula. Se der certo e o país crescer perto de 5% este ano e nos próximos, Lula termina os oito anos como grande estadista e reelege o sucessor, seja ele de que partido for. Se não der, o governo do PT esgota o seu crédito eleitoral e terá dificuldades para permanecer no poder.
Por isso o governo está fazendo um acompanhamento rigoroso do programa. O clima favorável que o governo está se esforçando para criar não é só econômico nem visa apenas a estimular investimentos. É um esforço político e mercadológico e envolverá gradualmente a população através de mobilização que prevê presença física do presidente e ministros onde for preciso, além de intensa campanha na mídia. O esforço pretende carimbar o desenvolvimento como marca do segundo mandato.
O governo lançou com pompas e circunstâncias o Programa de Aceleração do Crescimento, no dia 22 de janeiro de 2007, após três meses de discussões internas. Começou, naquele momento, o segundo governo Lula. Se o primeiro mandato teve um caráter assistencialista, o segundo pretende ter a marca desenvolvimentista. O termo ‘espírito animal’, expressão utilizada pelo ministro Guido Mantega, significa ‘colocar o desenvolvimento na agenda pública’.
Marcação cerrada
O lançamento pomposo do PAC, com mobilização de governadores, foi uma ação estratégica: visou a marcar a diferença do segundo governo Lula em relação ao primeiro mandato. Nesse sentido, foi o marco de um novo momento, uma guinada político-institucional do governo. Lula sabe que está jogando uma cartada decisiva e por isso criou um comitê gestor do PAC integrado pelos três ministros mais influentes (Dilma Rousseff, Guido Mantega e Paulo Bernardo) para acompanhar a implementação do programa. Walfrido Mares Guia, ministro das Relações Institucionais, cuida dos interesses do PAC no Congresso Nacional.
Em janeiro, o presidente retomou o programa radiofônico ‘Café com o Presidente’ (havia sete meses fora do ar) para afirmar, ele próprio, a seriedade que quer imprimir ao PAC. Continua fazendo isso em todas as oportunidades. Uma campanha publicitária de sete milhões de reais já está no ar nas emissoras de televisão, reforçada por propagandas no rádio. A palavra de ordem do marketing governamental é manter o bloco na rua, a chama acesa o tempo todo.
A estratégia de divulgação mais importante neste momento, entretanto, não está na comunicação de massa. Está na presença pessoal dos membros do Comitê Gestor do PAC em vários estados. Há poucas semanas, Dilma Rousseff esteve em São Paulo. Paulo Bernardo foi a Belém falar para prefeitos, sindicatos e organizações não governamentais e, antes, passara por Curitiba. Seguiram-se viagens e palestras para todo tipo de público, incluindo empresários. A ordem é levar os projetos do programa pessoalmente a todos os espaços públicos possíveis, fazer marcação cerrada. O recente rolo compressor sobre o Ibama quer eliminar os obstáculos, mesmo com elevados custos para o meio ambiente.
Uma disputa midiática
O balanço do governo é positivo: 74% das obras do PAC andam no ritmo adequado, 17% merecem atenção e só 10% preocupam. O governo planeja investir em quatro anos R$ 504 bilhões em infra-estrutura nas áreas de transporte, saneamento, habitação e recursos hídricos, a maior parte proveniente de estatais e do setor privado. No seu notebook pessoal, Dilma Rousseff mantem 600 slides para acompanhar de perto, passo a passo, cada projeto individual. Ela toma conta de tudo e trabalha afinada com Franklin Martins para manter a chama acesa. O tempo todo.
A crítica que mais preocupa vem da mídia, mais que dos partidos de oposição, porque influi no humor da população. Avaliação interna no governo mostrou que o noticiário da mídia começa a ser negativo: há poucos dias os jornais e telejornais estampavam em manchetes que os gastos com investimentos no primeiro trimestre deste ano eram inferiores aos do mesmo período do ano passado. Na última terça feira, o Estado de S. Paulo insistia que só 4,5% dos R$ 11,3 bilhões previstos no Projeto Piloto de Investimentos (instrumento que assegura os recursos do PAC) haviam sido liberados até março. Começa o puxa-estica entre governo e mídia: o governo divulga alguns números; a mídia desmente.
É no espaço da opinião pública que o governo quer ganhar a batalha e fará tudo para dar ao PAC uma visibilidade positiva. A disputa não será política, será midiática. Além da crítica da mídia, pesquisa da CNT-Sensus divulgada no início de abril revelou que 60% da população nunca ouviram falar do PAC. A luz amarela acendeu, o governo está botando seu batalhão de marketing para funcionar. O ministro Paulo Bernardo está dando entrevista para quem quiser. No Palácio do Planalto, o balanço dos cem dias da última quarta-feira reuniu todo primeiro escalão do governo. Um factóide mercadológico, para manter o PAC nas manchetes (se possível, positivas). Nada acrescentou.
Desejo de sucesso
É preciso entender o PAC não apenas como um conjunto de medidas administrativas. Ele tampouco significa somente um redirecionamento de investimentos públicos. Além de acelerar o crescimento, é uma política de Estado, uma ação política que pretende marcar uma diferença, dar uma identidade ao segundo mandato de Lula. Daí, a ênfase do presidente no crescimento com democracia, o que não precisava constar dos seus discursos. Sem citar outros chefes de Estado latino-americanos, Lula marcou os limites, mostrou a diferença. Um discurso de chefe de Estado com o qual Lula quer deixar de ser um presidente popular para se transformar num estadista.
A divulgação e a implementação do Programa de Aceleração do Crescimento é uma oportunidade única para acompanhar a política de marketing do governo Lula. Enquanto programa, o PAC tem unidade (favorece o seu acompanhamento), abrangência (envolve todo o governo) e continuidade (gera a oportunidade de observar seus desdobramentos por parte do conjunto de ações de governo durante um tempo longo).
Com o PAC, pode-se acompanhar a estratégia de marketing político governamental (mais ampla que uma restrita política de comunicação de governo). O marketing político inclui as ações táticas e conjunturais de comunicação (do ministro Franklin Martins). Mas, é muito mais ambiciosa. Inclui ações estratégicas do conjunto do governo. No marketing político do atual governo, trata-se da construção de uma imagem pública desenvolvimentista (que se consolidará ou não), capaz de gerar dividendos político-eleitorais.
O governo Lula demonstra ter consciência clara de que o PAC não terá sucesso enquanto apenas um conjunto de políticas públicas e investimentos em infra-estrutura. Precisa de apoio político-institucional, parceiros fortes e, principalmente, criar junto aos grupos influentes, e junto à população em geral, o desejo de sucesso. Sem esses apoios, o êxito do PAC será duvidoso ou parcial. Neste sentido, o governo está fazendo um esforço em várias frentes simultaneamente, fortalecendo os apoios políticos-institucionais, as parcerias e procurando criar uma imagem pública positiva em torno do PAC.
Cartada decisiva
A batalha pela opinião pública não significa descuido da política. As primeiras ações estratégicas estão sendo desenvolvidas junto ao Congresso Nacional. O governo sabe que depende da classe política e está agindo taticamente. Não interferiu nas eleições do Congresso para não criar nenhum atrito e preservar-se politicamente. O PAC é composto por sete medidas provisórias, dois projetos de lei complementares e três projetos de lei ordinária – que terão de ser votados pelo Congresso Nacional nos próximos meses. A estratégia do governo federal é aprovar tudo até o final do primeiro semestre.
A eleição de Arlindo Chinaglia para presidente da Câmara ajuda o governo. Não apenas porque Chinaglia é do PT, mas porque ele representa o grupo desenvolvimentista entre os parlamentares e já declarou que o PAC é prioridade. Desta vez o governo agiu com paciência e não se chamuscou. Pequenas manifestações de autonomia da base aliada (do PSB, PCdoB ou PDT, por exemplo) serão toleradas. Se, por um lado, no início da legislatura o Congresso tende a aprovar iniciativas do Executivo, por outro há certo desejo de afirmação de independência, de autonomia política. Avanços e recuos irão ocorrer, mas o governo dá demonstrações de que serão taticamente assimilados.
Lula percebeu que não pode contar automaticamente com a maioria de sua base aliada. Cisões anteriores ensinaram cautela. Lula não quer perder essa batalha, pois aprovar o pacote integral não é só o seu primeiro teste político no segundo mandato; é uma cartada decisiva. Por isso se reuniu no dia 31 de janeiro com os representantes dos 11 partidos da base aliada no Palácio do Planalto. A estratégia é minimizar a influência dos setores liberais, sempre críticos a qualquer iniciativa do governo que não signifique restrição das ações do Estado. O ministro Mares Guia cuida dos desdobramentos dos projetos do PAC no Congresso Nacional.
Evitar frente de governadores
Uma segunda frente política foi estrategicamente desenvolvida junto aos governadores. Inicialmente, Lula enfrentou algumas resistências ao PAC. Em janeiro e início de fevereiro, alguns governadores manifestaram seu mal-estar por não terem sido ouvidos. Porém, só depois da solenidade do lançamento do PAC. Taticamente, na cerimônia, só o presidente teve a palavra. As críticas sumiram dentro do noticiário político sobre o PAC. As reivindicações se fragmentaram.
José Serra ensaiou uma crítica, respondida imediatamente com agressividade pelo ministro Guido Mantega. Pequena demonstração da dimensão da reação do governo às críticas ao PAC. Serra não foi adiante. O governo federal tem cordas para manipular e despachou o ministro para São Paulo, onde, junto com Serra, fechou os primeiros investimentos para aquele estado. O governo deu demonstrações que não vai deixar nenhuma das pontas da corda esticar demais.
Alguns governadores tentaram uma atuação coordenada, procuraram criar uma frente. Mas, ela não funcionou, ficou apenas na foto conjunta. Não só porque há diferenças político-ideológicas entre eles, mas também porque alguns sabem que o sucesso de seus mandatos – como Sergio Cabral, do Rio – depende em grande medida de apoios do governo federal. Além disso, há negociações políticas nos bastidores em torno de oposições moderadas nas assembléias estaduais.
Nem a representação, que alguns governadores atribuíram a Paulo Hartung, para reivindicar em nome de todos se consolidou. A frente de governadores se pulverizou. É isso que o governo quer. Ele está trabalhando agilmente para evitar a criação de uma frente de governadores que criaria um peso político difícil de enfrentar. Essa é a estratégia do marketing político do governo federal. Evitar que as críticas ao PAC ganhem consistência, adiando para mais adiante as discussões que precisa fazer em torno da reforma tributária ou fiscal e outras questões. Quer seguir com o controle da agenda política pública e está conseguindo isso.
Interesses e alianças políticas
Uma terceira frente estratégica no governo federal cuida dos empresários. No geral, os empresários se beneficiam muito das renúncias fiscais e desoneração dos créditos previstos no PAC, principalmente os setores da construção civil, das comunicações e da indústria eletro-eletrônica. Não é pouca coisa: a avaliação inicial é que o pacote melhora muito o ambiente para investimentos. Basta ler as reações dos empresários publicadas no Estadão do dia 23 de janeiro. Por isso, as críticas tímidas de alguns líderes empresariais e seus economistas de plantão reverberaram pouco na mídia. Limitaram-se a afirmar que vão monitorar a implementação das medidas. É isso que o governo pretende, criar um clima de parceria com o setor empresarial, sem hostilidades.
Mesmo assim, o governo dá demonstrações que está agindo taticamente para evitar surpresas. Foi assim na reunião de Lula com os empresários do setor siderúrgico no dia 24 de janeiro. O presidente pediu aos empresários para rebater as críticas dos opositores. ‘Temos de questionar os questionamentos’ disse o presidente. ‘Precisamos nos armar tecnicamente para enfrentar o debate político.’ O presidente estava numa reunião com empresários, não com a base aliada. E destacou que é preciso ‘enfrentar o crescimento econômico sem pessimismo’.
Essa é a palavra de ordem do marketing governamental: criar um clima de otimismo em torno do PAC. As frases dos líderes do setor da indústria siderúrgica, depois de uma reunião com o presidente no dia 24 de janeiro, demonstram a aliança que o governo está construindo junto aos empresários. ‘Ao contrário do que dizem, o plano tem diretrizes claras e medidas concretas’, disse José Armando Campos, da Arcelor Brasil. Ele respondia ao governador Jose Serra sem que o governo precisasse fazê-lo. Luiz Rico Vicente, do Instituto Brasileiro de Siderurgia confirmava: ‘É preciso que o Congresso encare esse esforço do governo de forma positiva. Precisamos acabar com essa gente que só pensa em derrotismo.’ Com esses aliados, o governo não precisa responder aos adversários. Ao lado do governo, eles estarão pressionando o Congresso para aprovar o PAC. Jogo de interesses e de alianças políticas.
Tomar conta do rebanho
Finalmente, o governo federal parece ter uma estratégia mais definida em relação à opinião pública, no sentido amplo da expressão. Neste campo, o grande marqueteiro é o próprio presidente. Desde o lançamento do PAC, Lula não está apenas performatizando ações de rua e palanques que consolidam sua figura carismática. Ele assumiu o PAC como obra sua e vai defendê-lo pessoalmente nas ruas. É o que ele está repetindo seguidamente, para quem quiser ouvir. E os marqueteiros do Palácio do Planalto orientando e estimulando. Lula quer consolidar a imagem de um presidente popular, mas realizador: o ‘presidente do PAC’, como já está dizendo.
De São Paulo a Pernambuco, do Rio ao Ceará, a agenda do presidente prevê inaugurações ou lançamentos de portos, estradas, usinas, estaleiros. A idéia é botar o presidente na rua. Com muita distribuição de presentes: bonés, camisetas, quase sempre com o patrocínio de uma estatal (Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica), como aconteceu no porto de Suape, em Pernambuco. Marketing político de varejo realizado por um líder popular que põe na cabeça qualquer chapéu que lhe tragam. Marketing intuitivo ou orientado, aproveitando a empatia de Lula com a população. Juntou a fome com a vontade de comer.
Por um lado, os estrategistas requerem a presença do presidente nas ruas. Por outro, o próprio Lula reafirma seguidamente que agora vai viajar como nunca: ‘Eu aprendi nos quatro primeiros anos que se um presidente não estiver tomando conta do rebanho, a gente pode ver ele se perder’, disse ao lançar a pedra fundamental de uma usina em Paulínia, São Paulo, no dia 2 de fevereiro.
Mudança de rumo
Até onde todas essas ações em torno à divulgação e implementação do PAC estão concertadas por estrategistas de marketing político do Palácio do Planalto? Todas essas ações foram planejadas a priori pela assessoria de marketing da Presidência da República ou pelo grupo de ministros e assessores próximos a Lula? As ações em torno do PAC revelam que há um trabalho estratégico coordenado para construir uma nova imagem de governo. Pode ser que se esteja aproveitando o carisma natural e a oratória improvisada do presidente. Mas, isso não deixa de ser uma estratégia mercadológica bem pensada.
O marketing moderno combina estratégias tradicionais com ações bem planejadas, integrando tudo em função de objetivos políticos de largo prazo bem definidos e ajustando seguidamente as táticas em função da evolução do cenário social. Essa ação concertada em torno do PAC significa uma ação de marketing político muito bem orquestrada. O marketing político moderno compreende ações de atacado e varejo, de amplo e curto prazos, como parece fazer o governo neste momento.
Marcar uma diferença, criar uma imagem nova que signifique uma diferença com outros e com o mandato anterior. Se no primeiro governo Lula as ações estiveram prioritariamente voltadas para o segmento dos excluídos, agora Lula parece querer envolver a nação inteira, criar uma nova marca, reforçar sua figura de estadista. Parece que as ações agora visam à nação inteira, não apenas a um segmento dela. Lula antes repetia que governava para os excluídos, segmentou suas ações para este contingente de necessitados. Agora, Lula parece ter mudado de rumo. Está buscando uma nova marca.
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Professor da Universidade de Brasília (Unb) e coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP)