Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Como escrever para Opinião

Desde quando assumi a editoria Opinião, há três anos, defronto-me com algumas questões recorrentes: ‘Como um artigo é publicado? Quem escolhe os artigos? Quando O Povo terá espaço para a publicação? E, é claro, por que meu artigo foi rejeitado?’ O trecho aspeado, substituindo-se O Povo por New York Times, contém as perguntas com que David Shipley, editor de Opinião do jornal nova-iorquino, iniciou seu artigo na edição de 1º de fevereiro de 2004.

Refletindo sobre por que dois jornais tão diferentes recebem questionamentos tão parecidos de seus colaboradores, e animado por uma provocação do diretor de Redação, Carlos Ely (também nos defrontamos com esse debate nas reuniões do Conselho de Leitores do O Povo), resolvi escrever este texto, tentando revelar alguns critérios usados na seleção de artigos.

Além das perguntas comuns entre os colaboradores do O Povo e os do NYT, costumo ainda ouvir consultas ansiosas: ‘Meu artigo está ótimo, você não acha?’, ‘Por que o texto de fulano foi publicado e o meu não?’ ou questionamentos acusatórios – ‘O jornal está censurando o meu artigo?’

O Povo é um dos poucos jornais brasileiros que publicam diariamente artigos dos leitores; faz isso independentemente de os colaboradores serem ‘famosos’, políticos, intelectuais ou pessoas ‘comuns’. O jornal tem uma longa tradição de manter uma relação de proximidade com os leitores, da qual também fazem parte a seção de cartas e o Jornal do Leitor (que tem sua própria editora). De fato, a maioria das colaborações de Opinião são de profissionais liberais e professores, mas não há nenhum veto a pessoas que atuem em quaisquer outras áreas, como pode ser facilmente observado. Ocorre que, como os textos são enviados espontaneamente, há uma preponderância daqueles setores. Além dessas colaborações, também escrevem diariamente para Opinião os articulistas fixos; há ainda a página 7 das terças-feiras, quando é escolhido um tema e a editoria convida alguns especialistas para comentá-lo.

Dose de subjetividade

Não há nenhuma restrição sobre os assuntos a serem abordados, portanto, não há censura. São rejeitados, sem qualquer outra consideração, apenas os textos contendo agressões pessoais, ou os que defendam ou incentivem preconceitos de qualquer espécie.

Diferentemente do editor de Opinião do NYT, que dirige uma equipe de jornalistas encarregada de selecionar os textos, eu faço esse trabalho solitariamente, debatendo com o meu editor-executivo, Erick Guimarães, sobre a pertinência de um ou outro artigo.

Em primeiro lugar é preciso dizer que todos os textos são lidos e analisados, mas é impossível publicar todos, mesmo os de boa qualidade, pois não há espaço suficiente nas páginas de Opinião. Também os eventuais colaboradores precisam ficar cientes de que O Povo não se obriga a publicar nenhum dos artigos recebidos.

Depois, é preciso reconhecer que o trabalho de edição (isto é, de seleção dos artigos) contém uma alta dose de subjetividade: um texto eventualmente não publicado por mim poderia sê-lo por outro editor, ou o inverso, pois cada pessoa tem formas diferentes para fazer a análise. No entanto, não é razoável publicar-se em Opinião ‘homenagens’ a amigos, chefes ou parentes. O espaço também não se presta à propaganda disfarçada de opinião.

Jargões incompreensíveis

Os artigos mais propensos a serem aceitos são aqueles tratando de temas relevantes para a sociedade, principalmente os assuntos em debate no momento. Os que têm uma abordagem original, para a qual ninguém tenha atentado, estes têm espaço praticamente garantido. Experiências e observações pessoais também podem render bons artigos, desde que tenham interesse geral, isto é, que possam servir de exortação a um maior número de pessoas. Não há problema nenhum em se criticar os editoriais do jornal, responder a algum artigo, mesmo os de jornalistas do O Povo, ou comentar alguma notícia publicada.

Quando escrever, procure tratar de um tema de cada vez. Alguns artigos chegam a misturar três ou quatro idéias sem concluir nenhuma. Esforce-se para escrever de forma que o assunto seja entendido. Lembre-se: você não está escrevendo apenas para a sua categoria ou para um segmento específico.

Por isso, evite jargões próprios de sua atividade (seja você médico, advogado, professor, economista, operário); se for inevitável usá-los, explique-os sucintamente. Alguns advogados gostam de ‘data venia’, de rechear textos com outras citações em latim, de citar uma infinidade de leis ou aspear longos trechos dos códigos ou da Constituição; economistas usam ‘spread’ e outros termos do economês como se fosse a coisa mais normal do mundo; professores citam ‘E. Durkheim’, sem nenhuma informação adicional, como se todos fossem especialistas em sociologia; procuradores falam em ‘parquet’ para nomear suas atividades.

Alguns textos são eivados de jargões, tornando-se praticamente incompreensíveis. Se serve de consolo, os jornalistas não escapam dessa praga. Os leitores também não têm a obrigação de conhecer todas as siglas: anote o que significam, entre parênteses. É relevante o texto ser bem escrito, com clareza, compreensível, pois, caso contrário, não será entendido, e não adiantará publicá-lo.

Questionamentos e dúvidas

Quanto ao tamanho, os artigos podem ter duas dimensões. Para a página 6, o critério é mais rígido: os textos têm de ter entre 1.800/1.900 caracteres com espaços. Na página 7 (publicada aos sábados), os artigos devem ter, no máximo, 3.200 caracteres com espaços. A critério da editoria, os títulos poderão ser alterados.

O fato de, eventualmente, determinado artigo não ser publicado não significa veto ao autor. Outros textos enviados pelo mesmo leitor voltarão analisados, podendo ser publicados. Evite mandar vários artigos ao mesmo tempo, ou em um curto período. Para os colaboradores eventuais, dou um espaço de cerca de 30 dias entre uma publicação e outra.

Como não tenho como dar vazão a todos artigos, alguns deixam de ser publicados porque perdem a atualidade; outros, pelo já comentado acima. Não tenho também como avisar a todos se o texto será publicado. De maneira geral, fico com os artigos que mantêm a atualidade por cerca de dois meses. Se neste prazo ele não foi publicado, dificilmente o será.

Sei que este texto não esclarecerá todas as dúvidas e nem guardo a expectativa de que cessem totalmente os questionamentos sobre os critérios da editoria. Talvez até anime ainda mais o debate, o que é um dos objetivos de Opinião.

PS. O artigo do editor de Opinião do NYT, citado neste texto, me foi apresentado por um amigo, Kaiser Pimentel, e traduzido por Nadja Furtado Bortolotti.

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Jornalista, editor-adjunto do Núcleo de Conjuntura (Opinião) do O Povo (opiniao@opovo.com.br)