Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Radialista leva esperança a seqüestrados na Colômbia

Leia abaixo a seleção de segunda-feira para a seção Entre Aspas.


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Folha de S. Paulo


Segunda-feira, 21 de janeiro de 2008


ENTREVISTA / HERBIN HOYOS MEDINA
Laura Capriglione


‘Um seqüestrado sem alento, quer a morte’


‘UM DOS MAIS profundos conhecedores do drama do seqüestro na Colômbia é o jornalista Herbin Hoyos Medina, 38. Há 14 anos, ele transmite o programa semanal de rádio ‘Vozes do Seqüestro’, em que familiares dirigem mensagens de apoio a seus parentes seqüestrados. Importante para manter elevado o ânimo dos reféns, os seqüestradores permitem que os programas sejam acompanhados pelos cativos.


A esperança de ficar um pouco mais perto dos cativos já levou mais de 15 mil familiares de reféns a gravar mais de 320 mil mensagens de ânimo para o programa de rádio ‘Vozes do Seqüestro’. Clara Rojas e Consuelo González, recém-libertadas pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), fizeram questão de agradecer a seu criador por manter as ‘Vozes’ e de atestar a importância do programa para que a esperança da libertação não as abandonasse.


Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Herbin Hoyos concedeu à Folha no lobby do Hotel Gran Meliá Caracas, aonde foi para receber Rojas e González, entregues pela guerrilha ao presidente venezuelano, Hugo Chávez, no último dia 10.


FOLHA – Como o senhor teve a idéia de criar um programa de rádio para seqüestrados?


HERBIN HOYOS – O programa ‘Vozes do Seqüestro’ surgiu em 1994. Nessa época, eu trabalhava na rádio Caracol [da Colômbia]. A guerrilha havia me seqüëstrado para me obrigar a difundir um comunicado contra o governo. Durante dois dias de caminhada, passamos por abismos e penhascos até que chegamos a um acampamento guerrilheiro, onde, sob uma barraca de plástico, estava um homem de uns 60 anos, muito magro, barbado. Ele tinha uma corrente presa à mão direita. No outro extremo, a corrente estava amarrada a uma árvore e puxava a mão dele para fora da barraca. Quando chovia, a mão ficava branca como se fosse de um cadáver.


Pois bem, esse homem tinha um radinho que ligava e desligava a cada hora. A surpresa foi quando ele sintonizou a rádio onde eu trabalhava e me perguntou: ‘Por que vocês jornalistas não fazem nada por nós?’ Nesse instante, vi que tinha de fazer algo pelos seqüestrados.


FOLHA – Quantos seqüestrados existem hoje na Colômbia?


HOYOS – Existem duas cifras: a oficial e a que maneja a organização ‘Vozes do Seqüestro’. O Estado diz que há 735 seqüestrados. Digo que há 4.200.


FOLHA – Por que a diferença?


HOYOS – Porque a guerrilha, quando seqüestra uma pessoa, ameaça a família para que não denuncie ao Estado. Diz que, se for denunciada, o preço do resgate será três vezes maior -e será mesmo. Resultado: a maioria das famílias não denuncia, e o governo não computa esses seqüestros.


FOLHA – Só as Farc seqüestram?


HOYOS – Não. Também existem os seqüestros feitos pelo ELN [Exército de Libertação Nacional] e os cometidos por bandidos comuns. Esses bandidos, quando extorquem as famílias, dizem pertencer às Farc, ao ELN ou ainda às AUC [grupo paramilitar Autodefesas Unidas da Colômbia], sem sê-lo, para imprimir medo.


FOLHA – Não há relação entre os guerrilheiros e os bandos de delinqüentes?


HOYOS – A maioria dos seqüestros da década de 90 nas cidades era feita por bandos que vendiam suas vítimas para a guerrilha. Mas acabou havendo um descontentamento porque os bandos seqüestravam, arriscavam-se em uma cidade superpoliciada, e a guerrilha pagava a eles apenas US$ 10 mil ou US$ 20 mil, por seqüestrados de famílias dispostas pagar US$ 500 mil pelo resgate. O resultado foi que essas quadrilhas passaram a querer ir até o fim do processo.


FOLHA – O que é pior para o refém?


HOYOS – Essas quadrilhas não têm a infra-estrutura que tem a guerrilha para reter os seqüestrados. Não conseguem fazer como os guerrilheiros, capazes de andar 400 quilômetros ao longo de três departamentos [Províncias] sem que ninguém os ache. As quadrilhas preferem a imobilidade. Amarram o seqüestrado pelos pés e mãos em um apartamento ou casa na cidade, ou o deixam sob uma cama, às vezes por semanas. Já aconteceu de um seqüestrado ser encontrado com o corpo coberto por sanguessugas depois de imobilizado por muitos dias. Cair nas mãos de uma quadrilha dessas é mais arriscado.


FOLHA – Por que os seqüestradores permitem que os reféns escutem seu programa de rádio?


HOYOS – O programa transmite fé, esperança, otimismo. É comum que seqüestrados entrem em um processo de ensimesmamento, em uma negação do que está vivendo, em um quadro depressivo profundo. Muitos não conseguem comer -como Ingrid Betancourt [ex-candidata à Presidência da Colômbia, seqüestrada há seis anos].


E um seqüestrado sem alento, enfraquecido, não consegue caminhar, quer que o matem, desafia os guerrilheiro. Isso constitui-se em um problema para a guerrilha, que precisa dos seus reféns para a chantagem política ou para a extorsão financeira. Um seqüestrado que escute a mãe dizendo-lhe pelo rádio ‘Filho, te amo muito, estou te esperando’, ou a mulher informando ‘Meu amor, nosso filho está crescendo’, esse seqüestrado quererá viver.


FOLHA – O que o senhor acha da proposta do presidente Hugo Chávez de reconhecer as Farc como ‘força insurgente’, retirando-as da caracterização de ‘terrorista’?


HOYOS – O que significa uma mudança dessa natureza? Que as Farc podem buscar representação diplomática em um país vizinho. Que podem ter um controle territorial delimitado e reconhecido por outro país. Que podem ter um controle político e social desse território. O que o presidente Chávez não entende é que está propondo indiretamente ao governo que abra a possibilidade de as Farc fracionarem o território colombiano. Isso não passou nunca pela cabeça dos colombianos. Eu sou favorável a que as Farc adquiram direitos políticos, inclusive que disputem eleições. Que se faça o debate democrático e não uma concessão ao terror.


FOLHA – Como se deve tratar o seqüestro na imprensa?


HOYOS – A prioridade tem de ser a vida. Depois a informação. Por exemplo: uma coisa é dizer que um hipotético Carlos Rodrigues foi seqüestrado por um grupo de quatro jovens que estavam armados com revólveres e que o interceptaram na rua X esquina com a Y, levando-o em uma carro preto da marca tal, placas tal e tal. Isso está perfeito. Outra coisa é dizer que seqüestraram o industrial Carlos Rodrigues, proprietário da rede de lojas X, com uma fortuna pessoal avaliada em Y. Isso está errado. Quase sempre a imprensa dá a notícia do seqüestro e, depois, o perfil econômico do seqüestrado.


Não é raro que seqüestradores capturem uma pessoa sem as informações completas sobre de quem se trata. Às vezes, escolhem-na porque tem um carro caro ou uma casa de bom tamanho.


Agora, se a imprensa fornece aos seqüestradores todo o perfil econômico do cativo, um resgate que custaria US$ 50 mil passa para US$ 2 milhões. Em muitos casos, os jornalistas devem se abster de informar. Se a notícia pode fazer com que os bandidos aumentem o preço do resgate, melhor não dar. Se contribui para que o matem, melhor não dar. Se contribui para que os seqüestradores fujam, melhor não dar.


FOLHA – Os seqüestrados colombianos sempre reclamam de uma suposta indiferença da população para com seu destino.


HOYOS – É preciso que os governos comecem a promover a cultura da denúncia contra o seqüestro. É preciso promover a solidariedade com os seqüestrados e uma atitude social maciça contra o seqüestro, de modo que o seqüestrador saiba que, se capturar uma pessoa, nas ruas os pedestres vão apontá-lo, os taxistas vão correr atrás. O seqüestrados não podem fazer nada, por temer a morte. Mas a população pode fazer muito. No dia em que os seqüestradores souberem que o crime não será fácil, porque a cidadania está preparada para enfrentar o crime hediondo, eles pensarão duas vezes. Hoje, seqüestram porque sabem que a maioria das pessoas é indolente, indiferente, que não se importa com o que está passando o outro. Contam que as pessoas até lhes abrirão o caminho.


FOLHA – Por que essa cultura de denúncia não funciona na Colômbia?


HOYOS – Funciona, sim. Há muitas denúncias. A Colômbia talvez seja o país que mais sabe de seqüestros no mundo. Somos ‘experts’. Se seqüestram uma pessoa, em três minutos são fechadas todas as saídas da cidade. O jeito para os seqüestradores é matar ou soltar a pessoa -na maioria dos casos, soltam-na. É por isso que a guerrilha agora prefere seqüestrar fora dos grandes centros.


FOLHA – As reféns Clara Rojas e Consuelo González, ao serem soltas, fizeram questão de agradecer o apoio recebido do seu programa…


HOYOS – Eu não posso viver do reconhecimento. Sei que o seqüestrado que hoje me agradece será o que preferirá me esquecer amanhã. Amanhã, tudo o que o seqüestrado quererá é esquecer a tragédia que lhe sucedeu e da qual, sem dúvida, acabei tornando-me parte. É preciso esquecer para continuar a viver. Assim tem de ser.’


 


VOZ DO LEITOR
Ruy Castro


Rugidos virtuais


‘RIO DE JANEIRO – Um leitor de jornal que discorde da orientação de uma reportagem ou da opinião de um articulista, e mande uma carta expressando seu ponto de vista, terá sorte se vir essa carta publicada. Os jornais recebem milhares por dia e o espaço para elas é limitado. Além disso, há certas regras para que uma carta saia no jornal.


Primeiro, o missivista precisa identificar-se com nome, endereço, telefone e/ou e-mail. Segundo, a carta tem de ser relevante. Terceiro, deve ser escrita com alguma correção e não pode limitar-se a chulices, como mandar o repórter àquela parte ou o articulista tomar banho, por mais que eles mereçam. É um espaço onde reina a civilidade.


Já os veículos on-line fazem diferente. Como não têm problema de espaço, estimulam seus usuários a enviar mensagens comentando as notícias. Isso gera uma saudável reação em cadeia, em que os usuários comentam também as mensagens uns dos outros. Ao pé de cada uma, a advertência: ‘Esse comentário é insultuoso ou inadequado? Denuncie’.


Seguem-se, então, furibundas trocas de insultos, ainda mais quando o assunto é futebol. Os torcedores se xingam com uma virulência que não se vê nem nos estádios. Todos os qualificativos são usados como ofensa: negros, mulambentos, ‘bambis’, porcos, bacalhau, o que você quiser. Nenhum clube se salva. Protegidas pelo anonimato (as mensagens podem ser assinadas com pseudônimo), cometem-se as piores incorreções políticas envolvendo cor da pele, condição social e característica sexual.


Confesso que adoro esses bate-bocas. É a arquibancada rugindo virtualmente. O que me ofende são as torturantes agressões à língua portuguesa, presentes em 90% dessas mensagens -como se seus autores quisessem estrangular a pobre da gramática, digo cartilha.’


 


DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA
Marco Antonio Raupp, Jacob Palis Jr. e Luiz Eugênio Araújo de Moraes Mello


Portal da Capes é modelo de acesso à ciência


‘O ACESSO livre e gratuito a revistas e publicações científicas tem sido objeto de artigos publicados neste e em outros jornais, sobretudo comparando os modelos de outros países (EUA e Reino Unido) e minimizando os esforços e avanços já alcançados pelo Brasil nessa área. A defesa dessa lógica parece razoável.


Se a ciência é primariamente paga pelo dinheiro público, então seu resultado deve ser igualmente desse mesmo público e, portanto, de livre acesso. Mas publicar tem um custo, mesmo na internet. Quando há trabalhos de editoria, avaliação e revisão de texto, esses custos aumentam.


A inserção brasileira no cenário científico internacional cresceu exponencialmente nos últimos anos. O Brasil ocupa hoje a 15ª posição no ranking de produção científica mundial, fruto do esforço da comunidade científica e da avaliação continuada dos programas de pós-graduação.


O sistema de pós-graduação, que cresce ao redor de 15% ao ano, associado ao sistema de avaliação, foi responsável em grande parte pelo incremento qualitativo e quantitativo da nossa produção científica.


Lançado em novembro do ano 2000, o Portal de Periódicos da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) constitui o instrumento mais importante na disseminação da informação científica no Brasil e um recurso indispensável à produção científica e tecnológica nacional.


A um custo de US$ 35 milhões, o portal dá acesso a 188 instituições, das quais 156 o fazem inteiramente de graça. Estas incluem as instituições de ensino superior federais, os Cefets, as estaduais e municipais com pelo menos um curso de pós-graduação nota quatro e as privadas com pelo menos um curso de pós-graduação nota cinco.


Nessas instituições, o acesso individual a essa gigantesca biblioteca é permitido a todos estudantes, servidores e professores. Nas bibliotecas dessas instituições, o acesso é permitido ao público em geral.


O portal disponibiliza o conteúdo atualizado sobre as descobertas científico-tecnológicas mundiais de todas as áreas do conhecimento, sendo uma das maiores bases de dados eletrônicas do mundo.


Sua filosofia é ímpar na comunidade científica. Seu custo, quando analisado em função da sua distribuição geográfica igualitária e democrática, pelo impacto na graduação, na pós-graduação e na extensão e pela importância no desenvolvimento científico e tecnológico do país, é irrisório.


Os 51 milhões de artigos baixados em 2007 resultaram num custo de US$ 0,72 por artigo, o que está muitas vezes abaixo do valor que seria cobrado por acessos individuais ou mesmo fotocópias.


Em grandes universidades norte-americanas, como a Ucla, o custo da assinatura eletrônica de cerca de 11 mil periódicos e bases de dados atinge US$ 11 milhões anuais -restrita exclusivamente aos profissionais dessa universidade. Para Harvard, esse valor atinge US$ 27 milhões.


O custo médio para as instituições brasileiras, levando em consideração somente aquelas de acesso gratuito, atingiu em 2007 o valor de US$ 237 mil/instituição. Os dados mostram que o portal da Capes oferece um acesso semelhante ao de Harvard ou Ucla a um custo 114 ou 46 vezes menor do que aquelas duas instituições.


O acesso livre, na verdade, envolve pagamento pela publicação. Supondo que toda a produção científica brasileira indexada em 2007 houvesse sido realizada em periódicos de acesso livre imediato, os cofres públicos teriam arcado com uma despesa de cerca de US$ 24 milhões, assumindo um custo médio de cerca de US$ 1.000/ trabalho, quase o custo do portal.


Esses artigos estariam abertos ao domínio público, mas as nossas instituições, se todo o investimento fosse direcionado para somente ‘open access’, estariam sem acesso à maior parte da produção científico-tecnológica mundial.


Num mundo ideal, o acesso seria livre e gratuito a todos. No entanto, a realidade é outra. E, se não fosse o Portal de Periódicos da Capes, nosso país como um todo estaria à margem do acesso ao conhecimento, e nossa ciência, certamente, não teria tido o avanço claramente constatado dos últimos anos.


MARCO ANTONIO RAUPP, 69, doutor em matemática, é presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). JACOB PALIS JR., 67, doutor em matemática, é presidente da ABC (Academia Brasileira de Ciências). LUIZ EUGÊNIO ARAÚJO DE MORAES MELLO, 50, doutor em neurofisiologia, é presidente da FeSBE (Federação de Sociedades de Biologia Experimental).’


 


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


Sobe ou desce


‘Sexta e o ‘Financial Times’ publica a reportagem ‘Brasil surpreende com alta em recursos externos’, de Richard Lapper e John Rumsey. Abrindo o texto, ‘não passa dia sem notícia de mais investimento’. Diz um economista do Bear Stearns que ‘as pessoas estão totalmente apaixonadas pelo Brasil’. No mesmo dia, o site do ‘Wall Street Journal’ postou reportagem de Alastair Stewart com a avaliação de que 2008 poderia ser um ano ‘ainda mais forte’ em fusões e aquisições.


Ontem no site do ‘FT’, Lapper, editor para América Latina do jornal, já era mais contido, destacando as 15 empresas que pediram adiamento do lançamento de ações, um terço das agendadas nos ‘próximos meses’. E a Efe deu que o Goldman Sachs prevê crescimento menor dos Brics, ‘diante da previsão de recessão nos EUA’. Para o Brasil, acredita em 4,8% de crescimento contra 5,4% em 2007 e desaceleração das inversões.


PECHINCHAS


Na capa do ‘New York Times’, ‘Investidores externos compram agressivamente nos EUA’. Com os fundos soberanos, ‘aproveitam o dólar fraco para levar pechinchas’. Mas ‘congressistas pedem maior atenção para que não ganhem influência no sistema financeiro e na tecnologia militar’.


E TEMORES


‘Incerteza econômica vai dominar Davos’, adiantou o ‘FT’ para a semana. O tema do Fórum Econômico é O Poder da Inovação Colaborativa, ‘mas ele deverá se concentrar nos temores’, a saber, com ‘a crise de crédito imobiliário, a transferência de poder para os produtores de energia’ etc.


‘IMPOSTO’


O ‘FT’ postou que a Colômbia pode acabar cedendo às pressões de Hugo Chávez, como tratar as Farc por forças ‘legítimas’, para manter o acesso ao mercado venezuelano -agora que o mercado americano, em contraste, vislumbra recessão.


Já a ‘Fórum’ foi a acampamento das Farc e ouviu as desculpas para a relação com o tráfico (‘cobramos impostos de quem compra dos camponeses’ a coca) e para os seqüestros (‘cobramos impostos de quem tem mais de US$ 1 milhão’ e, ‘quando eles não pagam, nós prendemos’).


DROGAS, ARMAS E SAMBA


No ‘Guardian’ de sábado, o correspondente Tom Philips publicou a longa reportagem ‘Drogas, armas e passagem secreta: uma escola de samba em crise’. Perfilou ‘um dos grandes símbolos da música brasileira’, a Mangueira, com crueza, ‘a dias do Carnaval’


‘THRILLER’ SEM-TERRA


Começam a sair nos EUA as resenhas de ‘Blood of the Wicked’ (Soho Press), algo como ‘sangue dos maus’, ‘thriller político’ que conta a investigação por policial federal da morte de religioso nas ‘guerras por terra’. O modelo seria Dorothy Stang


NO PARÁ


Gary Duffy reportou na BBC sobre o alerta, dado por uma organização religiosa, de ameaças à vida do padre francês Henri des Rozies, da Comissão Pastoral da Terra. Ele atua no Pará, onde há dois anos foi morta Dorothy Stang, e já está sob proteção policial.


NA PASSARELA


O mesmo correspondente destacou, da São Paulo Fashion Week, que o predomínio de modelos brancas levou o estilista Judy Blame e o diretor de moda da ‘Vanity Fair’, Michael Roberts, a expressar sua ‘surpresa e preocupação’. Sábado, Gilberto Gil também.’


 


ELEIÇÕES EUA
Daniel Bergamasco


Repórter vota em primária em Columbia


‘Eu, repórter da Folha e eleitor brasileiro, votei na primária republicana da Carolina do Sul para definir o candidato do partido à Presidência dos EUA.


Mas deixo claro: meu voto não valeu, pois não o confirmei ao fim do processo, na urna eletrônica. Se o fizesse, estaria traindo a confiança do mesário, que permitiu minha entrada na cabine de votação só para me explicar como funciona o voto eletrônico no Estado, e que ficou ao meu lado o tempo todo.


Aos fatos: após pegar um táxi na chuvosa Columbia e pedir à motorista (democrata convicta, com filho militar lutando no Iraque) que me conduzisse ao local onde ela vota, fui deixado em um clube de veteranos de guerra na periferia da cidade, onde uma folha de papel colada no vidro avisava que ali era um local de votação. Mas onde estão os eleitores? Não havia nenhum. Apenas três mesários, todos com livros grossos nas mãos, para espantar o tédio do dia -por volta das 15h, apenas 132 dos cerca de 1.200 inscritos ali haviam cumprido seu direito cívico (o voto não é obrigatório).


Um mesário me permite ir à cabine. Há apenas um botão verde, para confirmação do voto, e as opções do eleitor são feitas tocando-se a tela. Faço minha escolha, aleatoriamente. Tenho que confirmar duas vezes o voto. Na segunda, o mesário insere um cartão para desconfirmar o voto, e aí temos que explicar por qual motivo mudamos de idéia. Escolho o retângulo onde se lê ‘outras opções’. E pronto. Meu voto não valeu nada.


Se tivesse confirmado, o mesário poderia anulá-lo, ou mesmo chamar a polícia. Mesmo assim, ter acesso tão fácil à urna impressiona. A sensação é a de que, no país da neurose nos aeroportos, para parte das pessoas ainda todos são inocentes até que se prove o contrário.’


 


CASO MADELEINE
Folha de S. Paulo


Jornal divulga retrato falado de suposto seqüestrador


‘O jornal britânico ‘News of the World’ publicou ontem o retrato falado daquele que seria, segundo uma testemunha, o seqüestrador de Madeleine McCann, menina inglesa de quatro anos desaparecida em 3 de maio último no sul de Portugal.


O desenho, feito por uma especialista formada pelo FBI, mostra um homem de cabelo comprido, bigode e sobrancelhas espessas.


Em uma entrevista coletiva, o porta-voz da família McCann pediu ajuda para localizar o suspeito.


O retrato é baseado no depoimento, que teria sido ignorado pela polícia, da turista Gail Cooper. Ela estava alojada perto da família da menina e afirmou ter visto várias vezes um homem suspeito rondando a área.


A descrição da veranista parece coincidir com a de Jane Tanner, amiga dos pais de Madeleine que disse ter visto um homem carregando uma menina de pijama rosa na noite do desaparecimento.


O desenho foi descrito pelo porta-voz como ‘um sensacional avanço’ na investigação e foi distribuído à Interpol e às polícias britânica e portuguesa. Desde maio, várias teorias foram cogitadas para explicar o desaparecimento, que chegou a levantar suspeitas até mesmo sobre os pais da menina.


Com agências internacionais’


 


TELEVISÃO
Laura Mattos


GNT terá ‘Supernanny’ para melhorar a qualidade de vida


‘Em vez de ‘domar’ crianças birrentas, a nova ‘Supernanny’ do GNT vai puxar a orelha de quem desperdiça água, não recicla lixo ou não cumprimenta os vizinhos.


Essa é a idéia de ‘Um Mundo pra Chamar de Seu’, aprovado em processo de pitching, no qual produtoras independentes mostram projetos ao canal. O programa será apresentado por Carol Silberberg, especialista em gestão ambiental, e pelo ator Daniel Dottori.


Eles visitarão casas, apartamentos, escolas ou empresas e criarão uma lista do que as pessoas devem fazer para diminuir o impacto ambiental e melhorar a qualidade de vida. ‘Vai desde reciclar lixo, economizar água e saber como fazer compra consciente no supermercado, até realizar um bazar no condomínio a fim de aproximar vizinhos que mal se conhecem’, explica Thomas Miguez, da produtora Mutante Filmes, responsável pelo projeto.


A definição das tarefas passará por especialistas de diferentes áreas. Depois, os apresentadores voltam ao local para ver o que foi cumprido. ‘Vamos ver as dificuldades, dizer o que foi possível e o que não foi, trabalhar com a realidade das pessoas. Não queremos fazer com que o público se sinta culpado’, diz Miguez. A estréia deve ser no segundo semestre.’


 


Cristina Fibe


Machista enfeitiçado protagoniza ‘Lalola’


‘Na contramão da competição pela melhor produção novelesca (nacional) entre Record, Bandeirantes e Globo, o SBT importa mais uma novela -só que, desta vez, não é uma daquelas mexicanas.


Trata-se de uma produção argentina, com cara de série americana, dublada em português -e com direção, trilha sonora e edição bem-cuidados.


A comédia, que tem diversos capítulos -em espanhol- disponíveis no YouTube, é direcionada às mulheres: o machista Lalo faz o que quer de suas (muitas e efêmeras) relações, até irritar a pessoa errada.


A loira Romina, que largara um namorado por ele, consegue enfeitiçá-lo para que vire uma mulher. No melhor estilo ‘Se Eu Fosse Você’, filme de Daniel Filho com Tony Ramos, Glória Pires e a troca de corpo entre eles, Lalo acorda um dia como uma bela loira, que não sabe andar nem se vestir.


Sem soluções à vista para o problema, Lalo vira Lola, para manter a revista em que trabalha, a também machista ‘Don’, sob seu comando.


Os próximos capítulos, se não houver uma mudança brusca na programação e a novela for exibida até o fim, trarão Lola sendo discriminada e até se apaixonando por um colega.


Sem estragar a história, dá até para afirmar que deve escapar dos clichês esperados desse tipo de trama.


LALOLA


Quando: estréia hoje, às 20h15


Onde: SBT’


 


CINEMA
Silvana Arantes


Candidato do Brasil vai ‘otimista’ para sua ‘final’ do Oscar, amanhã


‘A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood anuncia amanhã (às 11h30, horário de Brasília) os indicados ao Oscar 2008.


A categoria de melhor filme estrangeiro, em que o Brasil pretende emplacar ‘O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias’, de Cao Hamburger, causou rebuliço nos EUA na semana passada, quando foram anunciados os nove finalistas, escolhidos entre 63 candidatos.


‘Está havendo uma controvérsia, pelo fato de filmes como [o romeno vencedor da Palma de Ouro] ‘4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias’ e [a animação francesa] ‘Persépolis’ terem ficado de fora. Mas isso não nos afeta. Estamos otimistas quanto a uma indicação’, disse à Folha Stephen Raphael, divulgador que conduziu a campanha do filme brasileiro em Hollywood.


A ‘controvérsia’ foi assim definida pela editora da revista ‘Variety’ Anne Thompson em seu blog: ‘Sejam quais forem os propósitos do comitê de seleção de filmes estrangeiros -recompensar produções modestas que necessitem de um impulso; votar em filmes de conhecidos e queridos diretores anteriormente indicados; ou se ater a um gosto antigo e não querer se abrir ao novo- [o fato é que] as escolhas não refletem os melhores filmes do ano’. A ‘Variety’ publicou em 2007 crítica enfaticamente positiva do filme de Hamburger.


O crítico brasileiro Rubens Ewald Filho, que integrou a comissão responsável pela escolha de ‘O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias’ como representante do Brasil no Oscar, diz que ‘mais uma vez, o Oscar de filme estrangeiro foi injusto’, porque ‘filmes fortes foram esquecidos’.


Ewald Filho avalia que ‘o mais difícil para ‘O Ano…’ era chegar até aqui [entre os nove finalistas]’ e afirma que ‘é muito provável que ele fique entre os cinco’. O crítico aposta também que o veterano cineasta polonês Andrzej Wajda vai obter uma nova indicação.


Já Raphael diz que o favorito deste ano é ‘The Counterfeiters’, o candidato da Áustria. ‘Conversei com muitos membros da Academia, e esse é o filme que eles preferem’, diz.


Assim como ‘O Ano…’, ‘The Counterfeiters’ competiu no Festival de Berlim no ano passado. Ambos saíram sem prêmios. Ambientado na Alemanha nazista, é um filme de estilo clássico.


O ponto-chave do longa austríaco é o dilema moral imposto aos prisioneiros judeus obrigados a produzir moeda falsa para o regime nazista: recusando-se ao ‘trabalho’, assinam sua própria sentença de morte; realizando-o, ampliam o poderio do inimigo na guerra.


Sem ter visto nenhum de seus concorrentes, Hamburger diz: ‘Aposto que são todos muito bons filmes’.’


 


FOTOGRAFIA
Eder Chiodetto


Mostra no Paço exibe fotografia que contesta o Brasil exótico


‘Identificar o outro como exótico é o primeiro passo no sentido de estabelecer um degrau social intransponível. É também o exercício de reduzir a complexidade de uma cultura a um ponto de vista limitado por natureza.


Na busca de um olhar que fosse na contramão deste pressuposto, os curadores Paulo Herkenhoff e Nessia Leonzini tiveram a idéia de criar a exposição ‘Brasil: desFocos (O Olho de Fora)’, enquanto almoçavam frango ensopado ao lado da Central do Brasil, no Rio de Janeiro.


Após passagem pelo Centro Cultural Banco do Brasil carioca, a mostra com fotografias de 77 artistas internacionais realizadas no Brasil, tendo o país como tema, começa hoje, às 19h, no Paço das Artes, em São Paulo, com visita guiada pelos curadores.


É curioso perceber que os temas que perpassam as obras de artistas do porte de Andy Warhol, Laurie Anderson, Matthew Barney e Gabriel Orozco, entre outros, são os mesmos de qualquer turista acidental que vem ao Brasil para registrar as cenas já antevistas na publicidade turística que vende o país como um paraíso tropical. Como escreve Leonzini, ‘as pessoas viajam para ver o que já sabem que vão encontrar’.


Imagens instáveis


Mas, afinal, o que é o Brasil? Uma coleção de imagens que flagram a paisagem ‘tropicaliente’ de fundo sobre a qual se justapõem uma sensualidade exacerbada, o carnaval dionisíaco, o sincretismo religioso, a ginga futebolística e modernos arroubos arquitetônicos?


A representação dessa terra como um permanente transe, onde o exuberante e o exótico surgem como sinônimos, marca a história da arte desde que Debret aqui esteve e fixou em aquarelas a imagem de um Brasil selvagem, mítico e lúbrico.


Onde se encontra, então, a diferença entre o olhar desses artistas e o olhar dos milhares de turistas que reproduzem, no modo automático de suas câmeras digitais, das cataratas do Iguaçu aos pés da estátua do padre Cícero, a fustigada idéia de opulência cultural da terra do pau-brasil?


Herkenhoff explica: ‘DesFocos’ não é o fora de foco, mas a desestabilização de um foco nacionalista sobre o Brasil pela fotografia’.


Tal desestabilização é percebida de forma enfática em obras como a bem-humorada instalação ‘Tropicalounge’, do argentino Sergio Vega, e nas nada comportadas fotografias de Robert Polidori, que problematizam a arquitetura de Oscar Niemeyer em Brasília.


Já o norte-americano Matthew Barney cria impressionantes imagens, que fazem um denso amálgama da sexualidade, religiosidade e meio ambiente a partir de mitologias do candomblé criadas para a filmagem de ‘De Lama Lâmina’, durante o Carnaval baiano da temporada de 2004.


Nesse contexto, é uma pena a mostra em São Paulo não contar com a obra de Piotr Uklanski, na qual o retrato do papa Karol Wojtyla é representado pelo corpo de 3.500 soldados mulatos do Exército Brasileiro.


BRASIL: DESFOCOS (O OLHO DE FORA)


Quando: abertura hoje, às 19h; de ter. a sex., das 11h30 às 19h, sáb., dom. e feriados, das 12h30 às 17h30; até 13/4


Onde: Paço das Artes (av. da Universidade, 1, tel. 3814-4832)


Quanto: entrada franca’


 


 


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O Estado de S. Paulo


Segunda-feira, 21 de janeiro de 2008


LULA & FIDEL
Denis Lerrer Rosenfield


Irmãos gêmeos


‘Imaginem a seguinte cena: Lula, embevecido, fotografando Pinochet. O ditador, sorridente, apreciando aquela atitude de um amigo de longa data, que o faz retratar, para a história, em diferentes perspectivas. O fotógrafo-presidente, transbordando de emoção, chega a afirmar que ‘ele está pronto para assumir o papel que tem (no Chile) e na história’. Qual seria o seu papel? Certamente seria o de um ditador sanguinário que não mediu meios para exercer o seu poder e eliminar as diferentes formas de oposição. Suas ações constituíram um flagrante desrespeito aos direitos humanos, entendidos universalmente, e não particular e setorialmente, como é o caso hoje no Brasil. O seu papel seria também o de ter montado um governo imune às vicissitudes democráticas e ávido, hoje se sabe, de seu próprio enriquecimento, a expensas dos recursos públicos.


A cena, que pode parecer inverossímil, é, no entanto, extremamente veraz. A troca de personagens, Fidel por Pinochet, mostra apenas a afinidade entre dois ditadores. Mais do que isso, ela mostra também, do ponto de vista dos princípios, a afinidade entre duas concepções políticas, a comunista e a nazi-fascista, que se concretizaram em duas conhecidas formas de totalitarismo no século 20. Os dois ditadores são rebentos de formas de poder que se traduziram pela eliminação física de milhões de pessoas, em maneiras de perversão da natureza humana que, até hoje, assombram os que se debruçam sobre os fatos. Os seqüestros das Farc e a narcoguerrilha se situam igualmente nessa mesma linha de filiação, naquilo que Hugo Chávez, com outras palavras, chama de ‘concepção bolivariana’. Alguns não aprendem com a História, pois sua visão continua enraizada na irracionalidade de crenças imunes a qualquer questionamento.


O problema ganha maior alcance porque a atitude de Lula não é somente individual, mas expressa a concepção de toda uma esquerda que se encanta ainda com a experiência totalitária, embora procure apresentá-la sob o manto da justiça social, do socialismo, da solidariedade, da utopia ou que nome se queira dar a tal deturpação dos fatos. O nazismo tornou-se um nome feio, algo que deve ser evitado, com razão, a todo custo. Há leis que proíbem, inclusive, publicações que façam a sua defesa, por evidentes questões de preconceito racial e pela violência explícita contida em sua concepção. A experiência comunista e socialista em geral, no entanto, é apresentada como uma obra de redenção da humanidade, tendo cometido erros que seriam, porém, sanáveis. Meros erros de percurso.


Seria interessante perguntar aos milhões de mortos, se isso fosse possível, dos campos de concentração e extermínio da União Soviética, da China maoísta, o que significou para eles a redenção da humanidade e a concretização da ‘utopia’. Seria interessante perguntar à metade da população do Camboja que foi literalmente exterminada pelos Khmers Vermelhos, que chamavam seus assassinatos coletivos de obras de reeducação dos seus ‘cidadãos’. Seria importante interrogar os que padecem a ‘humanidade’ nas masmorras de Fidel e os familiares dos que foram por ele e por seus ‘companheiros’ eliminados. Seria longa a lista de todos os feitos dos redentores da humanidade, que, no entanto, sempre tiveram ao seu lado intelectuais que defendiam as suas posições, tudo atribuindo a falsidades construídas pelo ‘imperialismo’, hoje ‘neoliberalismo’. Quando os fatos romperam as barragens ideológicas, os honestos abdicaram de suas convicções, os papagaios de pirata, contudo, continuaram repetindo e defendendo as mesmas formulações, com o uso das mesmas artimanhas, sempre em nome da ‘solidariedade social’.


O Brasil apresenta um déficit de idéias, talvez o mais importante dos seus déficits, que o impede de progredir, pois idéias anacrônicas e atrasadas continuam pautando boa parte de suas decisões. Uma comissão governamental, em nome de uma luta ‘histórica’, ascende, por exemplo, Lamarca, um comunista-socialista, assassino frio, ao cargo retroativo de general, com os proventos correspondentes. Che Guevara é um ícone da esquerda e dos movimentos ditos sociais em geral. Comunistas como Niemeyer são louvados em suas idéias. Se tivesse chegado ao poder, teria sido obrigado a construir moradias padronizadas, verdadeiros caixões, que até hoje ‘embelezam’ aqueles países. A sorte de Niemeyer foi não ter sido arquiteto num país comunista. Nunca se teria ouvido falar dele.


Os que lutaram por implantar o totalitarismo no País, no período dito de guerrilha no regime militar, são agora, ao completo arrepio dos fatos, apresentados como ‘democratas’, como se em algum momento seu objetivo tivesse sido a democracia. O que os diferenciava era apenas o tipo de totalitarismo, se na linha soviética, maoísta, albanesa, castrista ou outra. Que sejam hoje apresentados como heróis, com direito a recompensas, exibe somente o atraso e – diria – a má-fé desta esquerda, que continua idolatrando os que tantos prejuízos causaram à humanidade, aos direitos humanos em sua verdadeira acepção.


Não é, portanto, casual nem acidental a postura alegre de Lula ao fotografar o também satisfeito ditador cubano. Suas trocas de amabilidades e de cortesia são símbolos de um grande problema brasileiro não resolvido, o de como tratar a experiência totalitária do século 20. A foto de Lula com Fidel, dita para a posteridade, deveria fazer parte, parafraseando Borges, de uma história universal da infâmia. Ela deveria escandalizar. Nosso presidente, no entanto, não fez por menos. Considerou que o papel desse rebento da democracia totalitária deve ser situado na perspectiva de toda a humanidade. Confusão atroz de idéias que mostra uma incompreensão e uma cegueira brutais em relação aos irmãos gêmeos que são os totalitarismos de ‘esquerda’ e de ‘direita’. É a falência mesma de todo esse setor da esquerda!


Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS.’


 


WAGNER MONTES
Wilson Tosta


Na TV, defesa da polícia e o bordão: ‘Escraaaacha’


‘Em seu Balanço Geral, na TV Record, o pré-candidato do PDT a prefeito e deputado estadual Wagner Montes comenta reportagens policiais, às vezes em tom de locutor esportivo e numa linguagem cheia de gíria carioca e elogios às Polícias Civil e Militar, ao Ministério Público e à Justiça. Tiroteios, incêndios, perseguições e prisões são apresentados às vezes com efeitos especiais – como o volume alto e prolongado no ‘Escraaacha!’ ou no ‘É pra cima deles!’-, aliados à defesa intransigente da ‘poliçada’ e da ‘tiragem’ contra ‘os vagabundos’.


O programa é exibido no início da tarde, quando estão em casa aposentados, mulheres e crianças. Como comunicador, o parlamentar está longe de uma perspectiva neutra. ‘Sempre faço questão de defender a instituição’, diz Montes. ‘O policial que passa para o lado do bandido é mais bandido que o bandido. Agora, tenho de defender as instituições. Um país que não defende as suas instituições está fadado a ser destruído.’


Na última quinta-feira, Montes repetiu as informações de cada reportagem, reelaborando-as em sua linguagem. ‘Não tem jeito, vocês não vão sossegar. É para cima deeeles ! E outra coisa: polícia não pode dar mole para vagabundo. Atirou na polícia, quer que a polícia faça o quê? Quer que o policial faça o quê?’, questionou. ‘Baixe a calça? Ou compre uma rosa? Vá na floricultura e compre uma dúzia de rosas e fique jogando? Que nada! Atirou na polícia, meu amigo, não tem jeito. Não tem rosa, não tem cravo, é cravo neles.’


Montes, de 53 anos, nasceu em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Seu nome de batismo é Zenóbio da Costa da Silva. Orgulha-se de dizer que começou a trabalhar aos 8 anos, catando papel e garrafas para vender, em Copacabana, onde morava com mais cinco parentes. Depois, teve várias profissões – em um açougue e como garçom, entre outras. Em 1974, começou como repórter na Super Rádio Tupi. Cinco anos depois, foi para a antiga TV Tupi.


Passou pela antiga TVS, SBT, CNT e Record. A emissora é ligada a bispos da Igreja Universal do Reino de Deus, que tem um partido, o PRB, e um pré-candidato a prefeito, o senador Marcelo Crivella, mas Montes garante que a questão política não prejudica. ‘Em outubro, renovaram meu contrato até 2010.’ Cumpriu seu primeiro mandato na Assembléia em 1993/94, pelo PTB. Em 2006, elegeu-se com 111.802 votos, pelo PDT, numa campanha em que gastou oficialmente R$ 106.597,00 e declarou bens de R$ 398.345,00. É formado em direito.


‘O bordão veio do nada’, diz ele, explicando o ‘Escraaacha!’, expressão que usa no ar e com a qual é saudado nas ruas. ‘Meu bordão de campanha seria completamente diferente. Mas este já está na boca do povo.’’


 


TRANSPARÊNCIA
O Estado de S. Paulo


TV transmite sessões do TCE do Paraná


‘O Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) tornou-se o primeiro do País a transmitir suas sessões plenárias pela TV. ‘A iniciativa representa a transparência absoluta sobre o trabalho que realizamos’, destacou o presidente do TCE, conselheiro Nestor Baptista, na abertura da plenária. As sessões, realizadas às quintas, a partir das 14 horas, passam a ser transmitidas ao vivo pela TV Sinal, emissora a cabo da Assembléia Legislativa.’


 


INTERNET
Marili Ribeiro


Filme pela web esbarra no limite da banda larga


‘Steve Jobs, o fundador e presidente da Apple, quer fazer com o cinema o mesmo que conseguiu fazer com o mercado da música: uma completa revolução. Com o lançamento, na semana passada, do novo modelo do AppleTV, aparelho que permite que filmes sejam baixados da internet e vistos diretamente na televisão, em alta resolução, a Apple pretende alcançar o mesmo efeito do iPod – o mais vendido tocador de MP3 do mundo -, que praticamente assinou a pena de morte dos CDs. Ou seja, por essa lógica, as vendas de DVDs também estariam condenadas.


Mas, pelo menos no Brasil, essa equação está longe da realidade. Por aqui, fazer o download de um filme esbarra na limitada capacidade da internet banda larga. Cerca de 95% dos assinantes de serviços de internet banda larga, segundo dados da consultoria IDC, dispõem de velocidade de no máximo 2 megabits por segundo (Mbps). O ideal seria dispor de 12 Mbps. ‘Estamos muito longe da realidade da Apple’, diz Marcelo Bermudez, diretor de marketing da Universal Pictures Brasil, uma das companhias parceiras na entrada da Apple nesse negócio de aluguel de filmes.


Apesar da limitação, a empresa do próprio Bermudez promete oferecer seu portfólio de filmes via web ainda este ano. Hoje, só é possível comprar filmes nas lojas virtuais pelo preço de custo de um DVD, ou seja, em torno de R$ 35,00. Fora isso, o consumidor precisa ter paciência para esperar, em alguns casos, até sete horas para baixar o filme comprado.


Além da Universal, também trabalha nessa mesma direção o portal Eonde, dedicado a entretenimento e criado com tal finalidade em meados do ano passado. Os sócios do portal querem manter uma gôndola virtual com mais de 3 mil títulos. Acreditam que, até o meio do ano, comecem a alugar filmes.


Para a indústria cinematográfica, a possibilidade de comercialização online em geral ainda engatinha. O sistema de aluguel estreou nos mercados americano e europeu em 2006. Hoje, representa cerca de 5% da receita do negócio de distribuição de filmes.


‘A distribuição eletrônica de conteúdo, seja para venda, seja para aluguel, é um caminho natural’, diz Bermudez. ‘A maior vantagem da plataforma online atualmente é oferecer controles e sistemas capazes de inibir a pirataria’, acredita Fabio Golmia, diretor do portal Eonde. Uma trajetória que ganhou importância graças ao avanço das tecnologias de controles de download.


‘Os estúdios internacionais não tinham interesse de abrir conteúdo para locação por aqui, porque ganhavam com DVDs’, avalia Golmia. ‘A recente venda das locadoras Blockbuster para a Americanas passou a restringir os canais de comercialização e fez o interesse deles despertar.’


A opção online deverá deslanchar, na opinião Patrick Saretta, diretor da Casablanca, distribuidora brasileira de filmes, por uma razão bastante simples: ‘Será uma tentativa de interromper o desastre do encolhimento que vitimou o setor no último ano, quando as vendas caíram entre 30% e 40% por causa da pirataria. Afinal, até mesmo videolocadoras fazem cópias irregulares de filmes.’


No Brasil, após estrear no cinema, um filme leva até um ano e meio para chegar à televisão aberta. No meio desse processo, havia um bom lucro com a venda do DVD para consumo em casa. A pirataria minou esse segmento. Tanto que o diretor da Warner , Carlos Sanchez, faz uma defesa ardorosa do que chama de meio eletrônico. ‘Queremos dar opções legítimas e de alta qualidade para o consumidor, não importa o meio’, diz Sanchez, que visita o Brasil nas próximas semanas. ‘Sempre que aparecem novas alternativas o mercado cresce. Foi assim quando surgiu o VHS e depois o DVD. O que temos de evitar e combater é o crescimento do mercado ilegal.’


No momento, os grandes distribuidores estudam possibilidades para acelerar o processo. Há desde parcerias com lojas virtuais até a venda nos próprios sites dos estúdios. Há ainda estudos de viabilização dessa distribuição online por meio de outras tecnologias. ‘Queremos oferecer uma alternativa barata e rápida’, diz Saretta. ‘Ninguém quer ficar sete horas para baixar um filme.’’


 


TV DIGITAL
Renato Cruz


TV digital aproxima países com tecnologia


‘A TV digital, que estreou em dezembro na cidade de São Paulo, aproxima o Brasil e o Japão por meio da tecnologia. O sistema adotado aqui tem como base o padrão japonês, chamado ISDB-T. Foram incorporadas atualizações sugeridas por grupos de pesquisas brasileiros. Nos últimos meses, técnicos japoneses de empresas como a NEC e a Toshiba trabalharam nas emissoras paulistanas para colocar o sinal no ar.


‘A história e a cultura vivenciadas nos últimos 100 anos fizeram com que os brasileiros confiassem nos imigrantes e nos descendentes japoneses’, afirmou Tomio Okamoto, gerente de Vendas Internacionais da NEC Corporation, no Japão. ‘A confiança se estende à tecnologia do Japão.’ A NEC formou uma equipe com seis engenheiros japoneses e quatro brasileiros para atender às emissoras brasileiras na transição do analógico para o digital.


‘A adaptação do padrão japonês de TV digital pelo Brasil não é uma questão puramente técnica, na minha opinião’, explicou Okamoto. ‘Acredito que isto pode levar a mais 100 anos de um relacionamento ainda mais próximo entre os dois países.’ O Brasil é o único país, até agora, a adotar o ISDB-T fora do Japão. O mercado japonês consome cerca de 10 milhões de televisores por ano, a mesma quantidade que o Brasil. A diferença é que lá são vendidos modelos mais caros e sofisticados.


O Brasil fez modificações no padrão japonês. A tecnologia de compressão de vídeo foi atualizada, trocando-se o chamado MPEG-2 pelo MPEG-4 (ou H.264). E foi criado localmente um software de interatividade, batizado de Ginga. ‘O bom é que Ginga em japonês também tem significado’, disse Luiz Fernando Soares, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, e um dos criadores do software. ‘Quer dizer galáxia.’


Soares tem se correspondido, via correio eletrônico, com programadores que estão no Japão, e trabalham na adaptação do Ginga para os equipamentos que fabricantes japonesas planejam lançar no Brasil. Os primeiros conversores e televisores digitais a chegar ao mercado não têm o Ginga. O software permitirá serviços parecidos com os da internet, como acesso a informações personalizadas, enquetes e até comércio eletrônico, via televisão.


‘Os trabalhos da TV digital não acabaram em 2 de dezembro’, afirmou Yasutoshi Miyoshi, presidente da Primotech21, que representa fabricantes japoneses de componentes eletrônicos no Brasil. ‘É só a ponta do iceberg. O Brasil tem 5,5 mil municípios que ainda precisam ser cobertos com a TV digital.’ A Primotech21 fechou uma parceria com STB, fabricante brasileira de antenas de Santa Rita do Sapucaí (MG), para produzir transmissores de baixo custo para as cidades menores brasileiras.


Miyoshi tem 38 anos. Ele nasceu no Japão e veio para o Brasil com três anos e meio. Até os 10 anos estudou em escola japonesa. Seu pai trabalhava numa construtora japonesa e iria ficar cinco anos por aqui. Ele gostou do País e, quando chegou a hora de voltar, preferiu ficar.


‘Uma aliança entre Brasil e Japão é extremamente positiva’, afirmou Miyoshi. ‘Existe uma relação de complementaridade. O Brasil tem vários produtos de que o Japão precisa – como metais, etanol, crédito de carbono – e tem a maior colônia japonesa fora do Japão. Não adianta o Brasil querer competir com a China, oferecendo mão-de-obra barata.’


A Semp Toshiba tem um técnico da Toshiba Corporation, do Japão, para acompanhar o lançamento dos produtos de TV digital. ‘Trabalhamos em estreita cooperação com a Toshiba’, disse Roberto Barbieri, diretor técnico da Semp Toshiba, joint venture entre a brasileira Semp e a japonesa Toshiba. A escolha do padrão japonês pelo Brasil fez com que a empresa preparasse sua reentrada no mercado de telefones celulares.


O padrão japonês tem um serviço, chamado One Seg, que permite às emissoras transmitir um sinal para celulares e outros dispositivos móveis dentro do canal de televisão. Ele é o principal diferencial do sistema japonês para os outros padrões internacionais. Apesar de as emissoras brasileiras estarem transmitindo o sinal para celulares, ainda não existem no País aparelhos capazes de receber TV aberta e fazer chamadas. Os modelos japoneses não funcionam nas redes celulares brasileiras.


Tsutomu Fujishima chegou ao Brasil em maio de 2007 e planeja ficar aqui até o fim do ano. Ele é especialista em eletrônicos de vídeo digital da Toshiba Digital Media Company, em Fukuya, no Japão, e veio para cá para auxiliar a Semp Toshiba no lançamento de seus produtos de TV digital.


‘Como japonês, só posso ter muito orgulho da escolha do sistema pelo Brasil, mas me parece muito lógico, pois o ISDB (padrão japonês) é uma evolução dos sistemas americano e europeu, e já inclui soluções comprovadas de mobilidade e portabilidade, consideradas muito importantes pelos radiodifusores brasileiros’, disse Fujishima.


Para ele, a tecnologia cria oportunidades de trabalho em conjunto: ‘Acredito que o fato de Brasil e Japão terem sistemas que compartilham a mesma estrutura básica cria oportunidades interessantes de manter uma colaboração técnica continuada no futuro’.’


 


Alline Dauroiz


Rede TV! exibirá tudo em alta definição


‘No que diz respeito à transmissão em HD (High Definition), a Rede TV! anuncia que saiu na frente. A partir de hoje, o canal garante ser o primeiro do País a exibir 100% dos programas em alta definição. Desde 2 de dezembro, quando as emissoras inauguraram oficialmente a transmissão em HD, a maioria dos programas ao vivo da Rede TV! já vinha sendo exibida com a tecnologia. Faltava apenas interligar estúdios, comprar algumas câmeras e fazer testes.


‘Era questão de honra estar na frente. Ficamos quietinhos, para que as outras emissoras não acelerassem o processo também’, conta o vice-presidente da Rede TV!, Marcelo Carvalho.


Para ganhar a corrida, a Rede TV! desembolsou cerca de US$ 30 milhões nos últimos dois anos. Tudo para trocar o transmissor, a torre, a antena e a base de equipamentos da emissora, além de aprimorar a iluminação e cenários. ‘Compramos os melhores aparelhos. Mas, de fato, isso só foi viável, porque desde o começo da emissora (em 1999) investimos pesado em tecnologia digital. Enquanto a cabeça das outras emissoras era analógica, a nossa já nasceu digital. Elas foram pegas no contrapé.’’


 


MIMMO CATTARINICH
Flávia Guerra


O cinema das entrelinhas


‘‘O problema de fazer fotos eróticas é não fazer só fotos de mulheres nuas, mas sedutoras acima de tudo. Mas hoje a maioria dos leitores se contenta em ter só uma mulher nua diante de si. A obviedade impera’, afirmou o fotógrafo italiano Mimmo Cattarinich, certa vez, quando questionado porque não faz mais as fotos eróticas que o tornaram um dos mais célebres fotógrafos europeus, capaz de captar com precisão a sensualidade de mulheres belíssimas para publicações que vão desde a Playboy até os mais importantes jornais e revistas da Itália e do mundo. Mas Mimmo não registrou apenas belas divas. Clicou desde presidentes até anônimos, de paisagens amazônicas aos confins africanos. ‘Não só na área das fotos de belas mulheres, mas em todas as artes, anda faltando paixão’, disse em conversa por telefone com o Estado, na sexta, em Roma, minutos antes de embarcar em direção a São Paulo, onde abre na quarta, para convidados, a exposição O Mago da Luz – Mimmo Cattarinich.


Mas o que elevou o fotógrafo ao status de ?mago da luz? foram suas imagens dos bastidores do cinema. Filho de um dono de restaurante que havia dentro dos estúdios de Dino De Laurentiis, em Roma, Mimmo teve acesso privilegiado a sets de filmagem de diretores como Federico Fellini, Pier Paolo Pasolini, Bernardo Bertolucci, Vittorio de Sica.


E soube aproveitar a sorte. Muito por paixão e um pouco para ganhar alguns trocados, começou a fazer serviços como assistente no laboratório de Aurelio De Laurentiis (pai de Dino). Finalmente fez sua estréia como fotógrafo de cena em 1961, em Os Invasores, de Mario Bava. Não parou mais e se tornou um dos nomes mais requisitados quando o assunto era não só documentar, mas contar por meio de imagens a história por trás de um filme. Já com a carreira consolidada, clicou o histórico set de Ata-me, de Pedro Almodóvar. Imperdíveis, as cenas dos bastidores do filme do diretor espanhol estão entre as melhores já clicadas do gênero still (fotos de sets de filmagens).


Em anos e anos como fotógrafo de cena, ou de still, Mimmo fez de tudo. Menos ser óbvio. ‘Como é difícil encontrar vida em algumas imagens. Sobre uma mesa luminosa desfilam indolentes focos de filmes e atores. (…)Closes de fotos sem profundidade, os longos campos sem objetivo e significado. (…) Nenhum filme vivo, nenhum diretor trabalhando, nenhuma vida no set de filmagem, nada…’, escreveu Piera Detassis, editora da revista Ciak, a mais importante publicação especializada em cinema da Itália, no catálogo sobre Cattarinich. E completa: ‘Mas nas fotos de Cattarinich, as histórias de set e de cinema são múltiplas e impressionantes, implorando para se destacar e sair da moldura. (…) Como poucos, ele sabe recolher o momento em que o ator se abandona ao diretor numa devoção que faz deste relacionamento um ato de doação sagrada.’


São esses momentos divinos, que captam as entrelinhas do trabalho desde astros como Sofia Loren até anônimos técnicos de som, que chegam nesta semana ao País. Em uma mostra inédita, o Sesc Pinheiros exibe O Mago da Luz. Em suas fotos de set que poderiam ser meros registros das cenas dos filmes, Mimmo prova que tudo depende do modo como se faz isso. ‘Não fui eu quem inventou o ofício. Nem quem subverteu o modo de fazê-lo. Antes de mim, outros já haviam sido muito bons. No início da era do cinema, os filmes de Hollywood não eram vistos antes de serem vendidos aos exibidores pelo mundo. Eram as fotos de cena que ?vendiam? esses longas aos compradores. E por isso eram muito mais narrativas do que artísticas.’


Mimmo deve ficar na cidade até o fim do mês. Na quarta, abre a exposição e ministra palestra para uma platéia privilegiada que o escutará falar do trabalho e da sua amizade com os grandes de uma das eras mais prolíficas do cinema. ‘No set do Federico (Fellini), por exemplo, éramos de fato uma família. Enquanto o trabalho não acabava, ninguém ia embora. Mas quando a tarefa estava completa, íamos todos jantar juntos. Hoje, um assistente meu, se passa um pouco do seu horário, é capaz de deixar um set e ir jantar sozinho. E eu pergunto: Que prazer há nisso? Não é melhor terminar em equipe um trabalho do que jantar sozinho?’, brada ele.


É este olhar arguto e raro que ele traz em sua terceira viagem ao Brasil. ‘Já estive no Rio e duas vezes na Amazônia. Viajei aos confins da floresta. Foi incrível. Totalmente diferente de tudo o que já tinha visto. São Paulo eu sei que é imensa e diferente. Estou curioso. Os brasileiros sempre foram muito gentis comigo’, adianta. Mimmo faz questão de esclarecer que a escolha que fez das imagens que chegam aqui dizem respeito só a seu trabalho nos sets. ‘Não são minhas reportagens geográficas nem mesmo as mais sensuais. São as que contam as histórias dos filmes’, explica. ‘Tentei escolher fotos que comovam também o brasileiro. Que tenham a ver com a história do cinema e dos filmes que o público do Brasil também assistiu’, conta ele, cuja exposição tem curadoria de Patrícia Oliveira, musicoterapeuta e amiga do fotógrafo.


E quando diz que selecionou fotos que ajudam a contar a história do cinema, não exagera. Foi ele que, com Fellini, ajudou a cunhar um dos termos mais famosos da mídia atual, o paparazzo. Personagem de La Dolce Vita, Paparazzo ganhou vida real quando Mimmo deixou que o amigo Tazio Secchiarolli também clicasse as cenas dos sets de Fellini. Sem contar que Mimmo por vezes abria inesperadamente a janela de seu estúdio para que os paparazzi fizessem fotos inesperadas dos atores. Na quinta, a vasta exposição será aberta ao público. E permanece em cartaz até 30 de março. No dia 13 de fevereiro, será exibido A Estrada, de Fellini, e dia 20, é a vez de O Leopardo, de Luchino Visconti.


No fim do mês, o fotógrafo ministra workshop para outros mais privilegiados ainda, que aprenderão com ele ‘que fazer fotos de cena é estar, antes de tudo, disposto a travar uma cumplicidade com os atores e diretor, o que precisa de tempo, paciência e respeito’. ‘Muitos comentam as belas imagens que fiz de Sofia Loren, de Marcello Mastroianni e de tantos outros. Mas elas não surgiram por acaso. Quando se trabalha em um set, aprende-se que tão importante quanto observar é respeitar o tempo de cada um. Todos têm seus melhores ângulos e momentos. E quando percebiam que eu sabia respeitar isso e fazia belas fotos de cena, acabavam confiando em mim e se entregando à câmera. Ou até mesmo esquecendo que eu estava ali durante a filmagem’, conta ele, que até hoje mantém seu badalado estúdio fotográfico no largo Federico Fellini, na Via Veneto, uma das mais célebres do mundo.


Serviço


O Mago da Luz – Mimmo Cattarinich.


Sesc Pinheiros. Rua Paes Leme, 195, 3095-9400. 3.ª a 6.ª, 13 h às 22 h; sáb. e dom., 10 h às 19 h. Até 30/3. Abertura quarta, 19 h, para convidados’


 


CINEMA
O Estado de S. Paulo


Lost Zweig será exibido hoje, na Espanha


‘O filme brasileiro Lost Zweig, de Sylvio Back, será exibido hoje no Museu Reina Sofia, na Espanha, na abertura da mostra Braaaasiiiil, que terá também conferências, performances e concerto. Back participa de palestra sobre o cinema brasileiro atual e aproveita para promover o roteiro bilíngüe do seu filme, editado pela Imago. O evento, que vai até dia 29, inclui 17 títulos, alguns inéditos na Espanha, como Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes, e Cartola, Música para os Olhos, de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda. Haverá ainda homenagem a Joaquim Pedro de Andrade, com a exibição de alguns de seus filmes, como Macunaíma.’


 


Fabrício Addêo Ramos


A pequena fábrica de fazer filmes


‘Uma pequena fábrica de filmes nasceu em 2007 na cidade do Rio com propostas grandes para o cinema brasileiro. Entre elas, servir de modelo para a produção de longas de uma maneira que permita o surgimento de uma indústria cinematográfica nacional auto-suficiente e por conseqüência independente. Como amostra do seu potencial de realização, até 2009 serão produzidos dez filmes, quatro até dezembro deste ano.


O nome da produtora que busca essa façanha é Pax Filmes e é formada por um grupo de novos profissionais que apostam no cinema como um negócio que deve ser capaz de lucrar com seus produtos como qualquer outra indústria. Por este motivo, nenhum desses filmes possui incentivos fiscais – eles acreditam que fazer filmes e, ao mesmo tempo, conseguir um lugar de destaque no ‘balcão de financiamentos públicos para o cinema’, não parece ser ‘a maneira mais prática e lógica’ de realizar os projetos, como afirma o diretor, produtor e roteirista Paulo Pons. Não que ele seja contra as leis de incentivo. ‘Prefiro um jogo organizado sob as regras da livre e justa competição, no qual ganham os talentosos, os criativos, os que trabalham mais e melhor.’


Falta gravar apenas uma cena do primeiro filme, que vai se chamar Vingança. Trata-se de uma idéia que traz as características do jeito Pax de fazer cinema: é orçado em R$ 80 mil, assim como os outros três projetos previstos para este ano. Um valor muito baixo se comparado às produções brasileiras cada vez mais milionárias. Sua captação é feita em câmera digital de alta definição. Assim, toda a concepção estética assume as características da realização digital como estilo dos seus filmes. Por isso, é colocada na ordem hierárquica de valores a beleza do roteiro à frente da beleza da fotografia.’ Queremos as melhores histórias’, avisa Pons.


A Pax Filmes conta com produtores obcecados por parcerias que garantam a qualidade do que será visto nas telas pelo menor preço. Algo como figurinos, objetos de cena, locações e o que mais puder agregar valor às gravações e que não pesem nas contas do filme. Possui ainda uma estrutura básica que conta com equipamentos da própria equipe e outros, ‘emprestados’.


‘Em nosso planejamento, decidimos que o melhor caminho para se fazer um cinema independente começa na liberdade dos processos fílmicos’, comenta Paulo Pons. ‘Em outras palavras, é importante que você tenha, em termos tecnológicos e de mão-de-obra, todos os recursos indispensáveis para se criar, produzir e finalizar um longa.’


O grande trunfo, no entanto, é a parceria com a Riofilme, estatal da prefeitura do Rio, que investiu os recursos financeiros para os quatro primeiros filmes nesse modelo de produção em troca de direitos de distribuição dos produtos finais.


Diretor financeiro da Riofilme, Antonio Urano mostra-se animado com os planos da produtora e afirma que todos na empresa se surpreenderam com as novidades que o grupo liderado por Pons trouxe. ‘Nunca havíamos visto esse grupo antes, mas eles chegaram e apresentaram o projeto de forma tão contundente que empolgou a todos’, relembra. Os recursos financeiros provêm da Agência Nacional do Cinema (Ancine) que os repassa para as distribuidoras, como a Riofilme, de acordo com um cálculo que leva em conta o número de público pagante dos filmes nacionais distribuídos por empresas brasileiras.


Os integrantes da Pax mantêm um site que acompanha o dia-a-dia da produtora (www.paxfilmes.tv), um blog com diversos vídeos e fotografias da equipe e atores. Isso faz parte de conjunto de ações estratégicas de comunicação que pretende criar um ambiente receptível para o lançamento de seus filmes. Em um de seus vídeos postados no site YouTube, Alceu Passos, produtor-executivo e idealizador da Pax Filmes junto com Paulo Pons, mostra como considera importante divulgar as atividades da empresa para criar um primeiro envolvimento entre público e filme.


Esta semana, Pons finaliza as gravações em Pedro Osório, no Rio Grande do Sul, com uma equipe reduzida. Será a cena-chave do filme, um estupro que desencadeia toda a história – por conta disso, um gaúcho vai para o Rio acertar contas do crime cometido. Vingança conta com rostos conhecidos do grande público, como Bárbara Borges, Guta Stresser, Erom Cordeiro e Márcio Kieling. ‘São atores conhecidos, de renome, que não vão trabalhar com a gente por dinheiro, porque temos pouco’, salienta Pons. Na volta, ele vai enfrentar a missão dupla da pré-produção do próximo filme, Espiral, com a pesquisa de elenco ao mesmo tempo em que vai cuidar da edição do material já captado de Vingança.


A Pax Filmes tem outros planos para este ano. Planeja, por exemplo, um livro sobre toda a experiência que o grupo adquire com as produções, a fim de divulgar o modelo de produção de filmes de baixo orçamento que desenvolve. Também pretende encontrar parceiros para criar filiais da Pax Filmes fora do eixo Rio-São Paulo e vai auxiliar cineastas a co-produzirem seus trabalhos.


O programa que a produtora desenvolveu é também um chamamento para os profissionais de cinema, tanto para que o adotem como modelo de produção, quanto para que se interessem e se envolvam com as atividades da própria Pax. Paulo Pons entende que iniciativas como essa são necessárias para que o cinema se transforme na indústria que possibilitará que os cineastas em potencial entrem em um jogo ainda restrito a poucos. Afinal, argumenta, sem isso, nem mesmo para ele estará garantido viver de cinema.


OS PRÓXIMOS PROJETOS


ESPIRAL: Tragicomédia que vai unir experimentação tecnológica e baixo orçamento. Um grupo de amigos se surpreende com o suicídio de um deles. Como todos têm algum motivo para tê-lo matá-lo, resolvem forjar um assassinato, em vez de chamar a polícia. Ao longo da trama, as relações incomuns entre os amigos vão se revelando. Cada personagem será acompanhado por uma câmera que gravará seu plano-seqüência, representando seu foco narrativo. Na tela, esses pontos de vista se sucederão de acordo com a história. E, em momentos de transição, dois focos dividirão o espaço.


MAIORES E MENORES: Em uma cidade do interior, imagens gravadas em celular de um grupo de adolescentes que fazem sexo em um carro no estacionamento de um shopping são veiculadas na internet, escandalizando a todos. O filme trata do poder de influência, positiva ou nociva, que imagens pessoais em um veículo novo e extremamente poderoso como a internet, podem ter sobre a vida dos envolvidos.


OS REALIZADORES: Uma comédia rasgada e autocrítica sobre o processo de filmagem de uma série de longas, realizada por cineastas sem dinheiro algum – as coincidências com o Projeto Pax terminam aqui. Ou talvez não, porque imagens do processo de filmagem dos três primeiros longas do projeto serão usadas e misturadas com cenas de ficção, em que atores vão interpretar loucos dispostos a tudo para rodar seus filmes, menos encontrar alguém que consiga escrever suas histórias.’


 


MINISTRO GIL
Jotabê Medeiros


Gil mostra lado ‘fashionista’ na SPFW


‘Em visita à São Paulo Fashion Week, na noite de sábado, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, mostrou um lado de ‘guerrilheiro fashionista’ que quase nunca mostra. Ele comentou, por exemplo, sobre o pequeno número de modelos negras na passarela.


‘É pequeno, como é pequeno o número de negros nos quadros das universidades, no mundo político. Isso acontece por força da escravidão, como o assinalaram Joaquim Nabuco e Caetano Veloso. Vivemos numa segunda abolição, que ainda não se deu plenamente. Ainda que seja majoritária demograficamente, a presença no negro ainda é incipiente nesses setores. Especialmente naqueles que têm a ver com a riqueza, com a concentração de riqueza.’


Ele também se disse favorável ao manifesto da estilista inglesa Vivienne Westwood, de 67 anos, participante da SPFW, contra o consumismo desenfreado. ‘A ameaça ecológica vem de um produtivismo exagerado’, concordou, dizendo que só com a ‘regulação desses processos, tanto de produção quanto de consumo’, é que se pode ter algum efeito prático. ‘Vivienne não fala de forma impositiva, de obrigar as pessoas a consumir menos, mas de uma indução natural’, considerou.


O ministro defendeu a liberação das leis de incentivo à cultura para a indústria da moda, assim como falou na necessidade da criação de um fundo especial para fomentar e incentivar os designers do setor. Paradoxalmente, também convocou o setor da moda para trabalhar no sentido da democratização de seus produtos para as classes menos favorecidas economicamente.


Gil falou para um auditório lotado no terceiro andar da Bienal de São Paulo. Ele falou sobre o avanço da moda no País, e de como esse avanço já tem um reconhecimento do Estado brasileiro. ‘Há 10 anos, não viria aqui um ministro para falar, e não haveria um repórter como você para questionar’, disse, dirigindo-se a uma repórter.


O ministro afirmou que já não é possível mais falar em ‘padrões de consumo’, porque os consumidores atuais fazem escolhas perpassadas por decisões ‘éticas, biológicas, étnicas, identitárias, sociopolíticas e outras tantas mais’. Por causa disso, considera, é preciso estar atento aos movimentos da ‘periferia’, hoje mais capazes de inovar e emitir tendências.


Gil, falando de sua própria relação pessoal com a moda, confessou-se um homem ‘vaidoso’, profundamente ligado ao mundo fashion. ‘Eu adoro. Eu sou vaidoso. A elegância é uma diversão que sempre permeou minha vida desde a infância. Ser elegante não é exclusividade de um grupo, de uma classe social. Um índio pode ser extremamente elegante. Como elegantes são os negros da Bahia, do Ilê Aiyê, dos Filhos de Gandhy’, afirmou Gil.


Em seguida, armou uma pequena arapuca para os repórteres que o entrevistavam. ‘Essa semana, em Salvador, eu usei durante o show uma calça do dia a dia dos meninos do candomblé, a calça que uso no terreiro de Opô Afonjá, em Salvador’, ele contou, acrescentando que o traje se compunha ainda de uma camiseta regata ‘de uma dessas marcas populares’, mais a sandália. ‘E eu tava elegantíssimo. Minha moda vai disso até um terno Prada como esse aqui’, afirmou, mostrando o paletó na cadeira. A platéia fez um ‘uuuhhhhhhh’ sonoro, de regozijo. Mas ele zombou da reação. ‘Vocês fazem uuuhhh porque essa ainda é uma marca colonizada de nossa reação à moda. Um terno Prada não é mais elegante que um turbante do Ilê Ayê ou dos Filhos de Gandhy.’


Ao Estado, Gil revelou que já entra em estúdio em fevereiro para gravar seu primeiro disco só de inéditas, já intitulado Banda Larga, que deverá ser lançado em junho. Antes do lançamento do CD, Gil afirmou que músicas e vídeos já estarão disponíveis no Youtube. ‘As músicas do CD terão várias versões, assim como os vídeos que vamos gravar no decorrer do trabalho e o mais interessante é que as pessoas poderão acompanhar tudo pelo Youtube.’’


 


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‘Fico no ministério; este ano, com certeza’


‘Com a queda da CPMF, o MinC vai ter contingenciamento de verbas este ano?


Não sei se vai ter contingenciamento. Todo ano a gente se defronta com esse problema. Primeiro, pelo próprio tamanho do orçamento, depois pelo contingenciamento. Vamos ter uma reunião ministerial quarta-feira. Todos os ministérios, e provavelmente o tema orçamento, que ainda não foi aprovado, vai ser um dos temas.


O orçamento do Ministério da Cultura aumentou?


Aumentou pouco.


E a renúncia fiscal, aumentou?


Essa daí, nós temos tido nos últimos anos a liberdade conferida pelo Ministério da Fazenda, para deixarmos o montante oscilar conforme a demanda. Conforme o número de projetos que chegue e sejam aprovado. Há uma flexibilidade na instrução feita pelo Ministério da Fazenda que estabelece o teto. Tem havido nos últimos anos, e já antes do nosso governo, uma tolerância – se houver projetos suficientes para ultrapassar o teto.


O sr. declarou que fica no Ministério da Cultura.


Fico.


No ano que vem também?


Não sei. Este ano com certeza. Uma das coisas que me animaram a topar a parada de ficar mais um tempo foi o fato de que há um progresso evidente na minha qualidade vocal, constatado na semana passada pela minha fonoaudióloga, e a recuperação está indo muito bem.


O Festival de Verão de Salvador foi um dos seus maiores shows dos últimos tempos?


Nem foi, não. Foi um dos menores, foi de uma hora e pouco. Foi curto, e o que realmente impacta a qualidade vocal é o tempo de uso da voz. Evidentemente, o modo de uso também. Ali nós tínhamos um show ao ar livre, que em geral já propicia condições mais favoráveis ao uso da voz do que os espaços fechados, a questão acústica é mais bem definida ao ar livre.


Seu disco sai este ano?


Sai, sai. Vou começar a gravar agora, em fevereiro.’


 


 


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