Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A opção pela violência

Não chamou a atenção dos jornalistas brasileiros a nota que o cineasta Walter Salles distribuiu à imprensa em Cannes, depois de anunciados os vencedores do festival de cinema e a concessão da Palma de Ouro ao panfleto de Michael Moore:

‘Não foi uma surpresa, no sentido de que não há nenhuma interseção entre o cinema que fazemos hoje na América Latina e aquele que Tarantino representa. De qualquer forma…’ etc., etc.

No lugar do cineasta sensível falou o filho de um habilidoso diplomata (o embaixador Walter Moreira Salles). E com apenas 25 palavras, tranqüilas, certeiras e arrasadoras, desvendou o grande equívoco no qual está enrascada certa esquerda americana e grande parte da européia (com ela a brasileira): dominada pelo horror a Bush, acaba identificada com ele. E comportando-se como ele.

Assim como os libertadores do Iraque acabaram comportando-se como os soldados de Saddam Hussein, a ira embutida na premiação a torna tão cínica e tão ‘artística’ como um discurso de Donald Rumsfeld ou Dick Cheney.

Remédio ineficaz

A violência de Quentin Tarantino e o oportunismo político de Michael Moore nada têm a ver com os valores, percepções e sensibilidades contidas nos Diários de motocicleta, o último filme de Walter Salles. Há uma brutal diferença entre este road movie melancólico, ao mesmo tempo otimista, e os malabarismos formais, encharcados em ketchup que aqueles bravateiros confundem com arte.

A identificação com o adversário é um dos aspectos mais abomináveis das guerras porque equaliza os combatentes. A incapacidade para perceber que a brutalidade não é o remédio para combater a brutalidade talvez seja o aspecto mais doloroso do momento atual.

Walter Salles não levou esta Palma de Ouro. Tem tempo e tem dignidade – levará outras.