Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A voz da impunidade

Está na Folha de S.Paulo desta segunda-feira (28/1) a frase que sintetiza a mistura perversa entre política e negócios no Brasil. A tal frase foi dita, segundo o jornal, pelo suplente de senador Édison Lobão Filho, do Partido Democratas, a respeito de uma dívida com o Banco do Nordeste, no valor de 5 milhões e meio de reais: ‘Estou pouco me lixando’.


Lobão Filho estava simplesmente vocalizando a idéia de impunidade que pode ser lida, todos os dias, em todos os jornais. Apenas nas edições de segunda-feira pode-se ler uma dezena de exemplos de criminosos, cúmplices e suspeitos que simplesmente ‘estão se lixando’ para as acusações que pesam contra eles.


Estava ‘se lixando’, por exemplo, o ex-ditador da Indonésia Suharto, que morreu sem ser julgado por centenas de milhares de assassinatos e por corrupção. Da mesma forma ‘se lixam’ autoridades da Suíça, país onde Suharto e seus filhos supostamente esconderam 45 bilhões de dólares roubados de seu país. Também vem ‘se lixando’ para a Justiça o médico nazista Aribert Heim, conhecido como ‘Doutor Morte’, procurado desde 1962 por atrocidades cometidas em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.


Da mesma forma estão ‘se lixando’ os pecuaristas e plantadores de soja, apontados como responsáveis pelo crescimento do desmatamento da Amazônia, assim como o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, que manda recados através da imprensa à cúpula do partido, ameaçando espalhar a culpa pelos empréstimos bancários suspeitos que resultaram no escândalo chamado ‘mensalão’.


Finalmente, também devem estar ‘se lixando’ os suspeitos de haver assassinado o ex-presidente João Goulart.


Episódios isolados


Os jornais vêm publicando em conta-gotas informações creditadas a um ex-funcionário do serviço de inteligência do governo uruguaio, que diz ter participado de uma operação para envenenar o ex-presidente do Brasil. Mas não há sinais de avanço nas investigações. Nos jornais, o que se lê é apenas isso: declarações.


De certa forma, ao tratar cada um desses casos como episódios isolados, os jornais talvez estejam contribuindo para que culpados e suspeitos continuem pouco preocupados com a possibilidade de uma punição. Eles também devem estar ‘se lixando’ para o que diz a imprensa.