Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Sobre intimidação, pluralidade e exorcismo

Não nego que às vezes me sinto como um peixe fora d’água neste Observatório. E não é para menos: afinal, tomar as dores da imprensa, sempre em franca minoria, não é coisa que se faça impunemente. Ainda mais num sitio destinado a monitorá-la, e por isto mesmo infestado pelo que se pode chamar de tropa de choque do esquerdismo cavernal.

Não que as objeções até desaforadas que costumeiramente recebo aqui façam alguma diferença, pois não estou nem aí para a marola intimidatória de uma platéia condicionada pela cartilha político-ideológica da qual livro minha jugular brandindo o Manual do perfeito idiota-latino americano, escrito por um trio insuspeitos até mesmo pela antiga militância esquerdista, logo abortada – o colombiano Plínio Apuleyo Mendoza, o cubano Carlos Alberto Montaner e o peruano Álvaro Vargas Llosa, filho do renomado escritor e subscritor da obra Mario Vargas Llosa, e cuja segunda edição – El regresso del idiota, no original – acaba de chegar às livrarias.

Meu desconforto diz respeito à dúvida que às vezes me assalta em relação a validade ou não dessa minha postura liberal num ambiente tão hostil, e em que campeia a fina flor do dogmatismo político-ideológico. O que na prática desestimula, quando não cerceia, a pluralidade de opiniões que normalmente cobram da imprensa. O bom senso manda tocar a bola sem ligar para as vaias da galera, como faz o pessoal da casa e os mais calejados, mas sou tinhoso, do tipo que dá um boi para não entrar na briga e uma boiada para não sair. Pois é assim aos trancos e barrancos que venho dando meu recado, às vezes desanimado com a falta – não diria nem de receptividade, mas de um mínimo de entendimento por parte dos detratores. E eu que pensava que nada poderia ser mais passional do que as contendas futebolísticas…

Lógica binária

Por outro lado, devo admitir que nem sei bem porque entro nessa utópica empreitada, assumindo posições politicamente incorretas e o que é pior, ciente de estar dando murro em ponta de faca, em face da predominância de um público monoliticamente refratário a argumentos que não se coadunam com os seus. Para alguns desafetos, estou fazendo média de olho num possível emprego; outros dizem que sou tucano, daí o reconhecimento ao legado de FHC e seu crédito no bom desempenho de Lula na área econômica; e há os mais radicais, que apelam logo para o achincalhe e as vulgarizações de praxe.

Em suma, virei uma espécie de celebridade às avessas por ousar fazer aquilo que o próprio OI vacila fazer: exorcizar a imprensa de malefícios que não são de sua alçada e responsabilidade.

Se estou ou não habilitado a exercer essa espécie de vigília pela parte sadia da imprensa, isto é outro problema. Como também não é o caso de invocar imunidades e prerrogativas impraticáveis, tanto para mim como para um portal cuja existência se justifica exatamente por sua natureza crítica, fiscalizadora e, por que não dizer, coercitiva sobre o desempenho midiático. Afinal, assim como os governos, a classe política e certas categorias controversas, como o funcionalismo público, o empresariado, a própria polícia e outras que costumamos olhar de esgelha, a imprensa não está habituada a elogios, ao reconhecimento de sua importância no contexto social. Além de inusual, não é de bom-tom fazê-lo, ainda mais publicamente.

De minha parte não ligo para as convenções, como já disse, ainda mais que já não exerço o ofício há um bom tempo, e portanto não tenho nada a perder. E mesmo que tivesse – nunca se sabe, com a bisbilhotice hoje em dia facilitada pelos googles da vida –, o simples fato de poder colocar em prática o que apreendi, seja na profissão, nos bancos das três faculdades que cursei ou simplesmente para exercitar minha cidadania, já me é por demais gratificante.

Sobretudo me conforta saber que a rejeição que aqui pontifica está longe de invalidar meus pontos de vista, como procuram fazer os mais exaltados e radicais. Isso porque a lógica binária felizmente parece restrita ao nível das discussões políticas, que nem sempre primam pela qualidade, bem ao contrário: o que mais se vê por aqui é apelação e o vale-tudo explícito e despudorado.

Arroubos ditatoriais

A verdade é que as pessoas comuns dificilmente se engajam e se engalfinham em pinimbas de foro político, mais preocupados com coisas práticas como emprego e ter o que comer; e entre as classes mais privilegiadas, o conceito da imprensa não me parece abalado, como pretendem os arautos do complô midiático.

Não direi, por conta disso, que a imprensa seja inatacável e por vezes deixe a desejar em seu papel de fiel depositária dos anseios da sociedade. Não diria isto nem de brincadeira, ainda mais que esse pessoal não mostra sequer um pouco de senso de humor, de fair-play, que me servisse de consolo por gastar assim o bestunto.

Mas, como ia dizendo, é claro que mesmo a imprensa séria e independente volta e meia deixa furo, extrapola, mete os pés pelas mãos, como acontece em maior ou menor proporção no mundo todo. A diferença é que os Pravda da vida não podem ser contestados, questionados, como nas democracias. Daí o medo e a cruzada implacável contra a imprensa livre, embalados pelos sonhos quixotescos por regimes que permitam o mesmo, nos quais excrescências como Hugo Chávez possam ser aceitos sem oposição. Como, aliás, ele vem tentando fazer na Venezuela, ao silenciar e principal emissora do país, a RCTV, basicamente por não ter aderido a seus projetos megalomaníacos.

O diabo é que lá como cá o Zé povinho está longe de ser otário, e vem resistindo aos arroubos ditatoriais do comandante-bufão disfarçado sob a pele da tal revolução bolivariana que seduz até os idiotas tupiniquins.

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P.S. – A propósito dos desafios que se apresentam ao governo Lula citados no artigo anterior (‘Os esbirros da esquerda maromba‘), a reposição dos recursos perdidos com o fim da CPMF e as sombrias perspectivas do setor energético, eis que surge uma ameaça ainda mais preocupante para a estabilidade de nossa economia: o recrudescimento da crise na economia norte-americana. Se já se previam dificuldades para manter as coisas nos eixos, a iminente perspectiva de recessão no maior importador do mundo certamente não pode ser considerada alarmismo, exagero da imprensa. O governo se diz tranqüilo, mantendo o otimismo em relação às metas de crescimento para 2008, no que a imprensa por enquanto está acreditando, repercutindo o assunto com equilíbrio e moderação. Menos mal, se bem que por via das dúvidas nunca é demais apertar os cintos e cruzar os dedos.

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Jornalista, Santos, SP