Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nos bastidores da informação

Nas últimas semanas, um dos assuntos mais veiculados na mídia brasileira foi a febre amarela. Esta doença causada por um vírus tem duas formas, a silvestre e a urbana. Ela provoca complicações ao fígado e os rins, podendo levar à morte.


Nossa reflexão é sobre como essa doença tornou-se ‘coqueluche’ nas rodas de conversa, nas pautas do dia e conseqüências no cotidiano das pessoas. A teoria da agenda setting, nesse caso, torna-se um referencial teórico e nos aponta uma direção reflexiva. Como podemos entender o aumento da busca pela vacina numa comunidade que não está na zona de risco da doença?


Num semanário de Itapetinga, no interior da Bahia, pautamos o assunto, dado que a cidade não está em zona de risco, mas fica próximo de Minas Gerais e houve uma demanda espontânea da vacina nesse município. Desde o início, procuramos as fontes (autoridades responsáveis e técnicos) que nos passaram informações básicas sobre o assunto: o que é a doença e quem está em perigo; o que é a vacina, como, quando e por que tomá-la; quais os riscos da doença na região.


As informações que divulgamos no periódico, entretanto, foram limitadas e restritas aos grupos de leitores do impresso e da internet por onde se veicularam as informações. No entanto, grande parte da população recebeu informações de outras fontes, como TV e rádio. Tivemos que concorrer com veículos poderosos e nossas informações se diluíram, enfraquecidas em meio à torrente informacional que mobilizou a comunidade.


Situação de medo


Percebemos na cidade uma agonia em busca de vacinação, o que levou ao aumento da demanda de doses da vacina contra a febre amarela. O estoque preventivo para dois meses esgotou-se em poucos dias. Houve, então, uma ação emergencial dos órgãos de saúde para repor os estoques e para não faltar doses para os casos prioritários. Além disso, as autoridades restringiram o acesso às vacinas que serão aplicadas apenas nas crianças a partir de nove meses (calendário básico de vacinação) e nas pessoas que possam provar que vão viajar para áreas de risco.


A densa divulgação da doença na mídia levou a população a buscar proteger-se e provocou atitudes não esperadas pelas autoridades. A situação que parece endêmica (casos isolados da doença, restrita a um local) apresentou-se midiaticamente como uma epidemia ameaçadora à saúde de toda população.


O assunto, como de praxe, foi apresentado à comunidade por grande parte da mídia. Todavia, faltou tocar em pontos-chave como a questão ambiental, o sistema de saúde brasileiro e falta de informações oficiais ou exercício da cidadania.


Percebemos que, em geral, as autoridades não se mobilizaram pela ‘gravidade’ e iminência de uma epidemia, pois elas possuem informações técnicas que minimizam ou mesmo descartam essa possibilidade. Percebeu-se que as autoridades foram levadas mais pela reação da população diante das informações, em meio à repercussão negativa (agenda setting), que pelo risco real de uma epidemia.


Assim, aqui no município, no contexto, as informações da TV e rádio levaram a população a ter atitudes fora do normal. Os sujeitos receptores parecem ter assimilado pela mídia que há um grave perigo ameaçando o Brasil. Criou-se uma situação de medo desnecessário e até perigoso.


Senso crítico


Interessante que a população, ao ser informada, buscou imediatamente os postos de saúde. A tendência em geral dessas pessoas foi de querer se vacinar sem nenhum critério estabelecido. Não houve uma reflexão, mas se tendeu para um impulso gerado pelo medo da iminência da doença.


É sabido através das fontes oficiais que 90% da população do município passara por campanhas de vacinação. No entanto, muita gente não se lembra da vacina, não guardou seu cartão que registra essa ação. Interessante saber, ainda, que a dose do fármaco que dura por 10 anos, numa superdosagem, pode causar males semelhantes aos da própria doença da febre amarela.


No que tange à saúde no Brasil, a mídia, principalmente TV e rádio, torna-se a principal fonte informativa da população. Entretanto, ao assimilar essas informações sem outros referenciais e sem crítica, leva-se ao oposto do esperado: um desespero, um caos e até mesmo um processo danoso ao atual sistema de saúde, já precário, em especial nesse município – Itapetinga, BA.


A potencialidade jornalística é grande, entretanto deve estar relacionada a outros referenciais como educação, transparência governamental, sistema de saúde eficiente. Não adianta uma rede sofisticada de informações em tempo real sem um contexto que a sustente. Ela é insuficiente diante de uma população desprovida de mecanismos capazes de engendrar uma análise crítica dos processos sociais, econômicos e culturais que a envolve. A eficiência da informação é estruturada sobre uma base educativa, bem-estar social e maturidade política, formando o senso crítico capaz de dotar o receptor da capacidade de ver, julgar e agir. Enfim, assimilar ou rejeitar as informações. Daí, sem o senso crítico dos receptores, a agenda setting, por mais interessante que seja com os infográficos, informações científicas e abordagens midiáticas, torna-se pura desinformação.

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Jornalista, escritor e pós-graduando em Meio Ambiente e Desenvolvimento na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), em Itapetinga, BA