Leia abaixo a seleção de quarta-feira para a seção Entre Aspas.
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Folha de S. Paulo
Quarta-feira, 30 de abril de 2008
DEBATE NA CÂMARA
Conferência debate legislação de imprensa
‘A elaboração de uma nova legislação de imprensa que substitua a sancionada pela ditadura militar (1964-1985) foi debatida ontem na 3ª Conferência Legislativa sobre Liberdade de Imprensa, realizada na Câmara dos Deputados. O presidente da Casa, Arlindo Chinaglia (PT-SP), prometeu colocar o assunto em discussão.
Em fevereiro, a atual Lei de Imprensa, sancionada em 1967, foi suspensa em parte pelo STF (Supremo Tribunal Federal) sob o argumento preliminar de que ela contém dispositivos claramente ditatoriais.
O painel ‘Conquista do direito à liberdade de imprensa’ teve como palestrantes Luís Frias, presidente do Grupo Folha, João Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo, Júlio César Mesquita, membro do Conselho de Administração de ‘O Estado de S. Paulo’ e Roberto Civita, presidente da Editora Abril. O evento ocorreu no auditório da TV Câmara, em Brasília.
‘[A votação do Supremo] torna ainda mais premente uma decisão a respeito da legislação de imprensa no país, até mesmo para evitar o vazio jurídico que se verifica hoje e que sempre representa um risco para todos’, disse Frias.
Ele apresentou propostas para equilibrar ‘dois valores de grande relevância social’: os direitos constitucionais à livre informação e a preservação da reputação das pessoas.
‘Uma legislação de imprensa democrática deveria banir a censura prévia, (…) deveria acelerar o trâmite do direito de resposta, (…) deveria limitar as indenizações a determinado teto, deveria inibir a possibilidade de múltiplas ações orquestradas com a finalidade de intimidar os órgãos de comunicação, a chamada litigância de má-fé, e deveria ainda descartar a pena de prisão [para jornalistas], assumindo a compensação pecuniária ou a prestação de serviços à coletividade como forma de reparar eventuais danos’, disse Frias, que defendeu ainda a necessidade de o ‘setor avançar em termos de auto-regulamentação’.
João Roberto Marinho criticou decisões que obrigam a mídia a divulgar sentenças extensas. ‘A publicação de sentenças com dezenas de páginas, altamente técnicas, leituras enfadonhas para as pessoas em geral, afasta os leitores e ouvintes. O objetivo de restabelecer a verdade não é alcançado. Para tanto, existe o mecanismo legal próprio, que é o direito de resposta’, disse. Ele também defendeu nova lei para regular o direito de resposta e a reparação por danos morais.
Vários projetos de substituição da Lei de Imprensa tramitam na Câmara, mas o principal deles está estacionado desde agosto de 1997.
Chinaglia, que também compunha a mesa do evento, afirmou que colocará o assunto em pauta, mas frisou que ‘não será a imprensa que vai pautar os parlamentares’, em resposta a declarações do presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), que falara antes e afirmara que ‘a mídia pauta os parlamentares’.
Autor da ação que levou ao congelamento de parte da Lei de Imprensa, o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ) se disse contrário a nova legislação. ‘Pregam a necessidade de uma lei melhorzinha. Parece síndrome de Estocolmo. Parecem ter se acostumado com as censuras, com as opressões.’
O evento foi realizado pela ANJ (Associação Nacional dos Jornais) e pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Na abertura, o presidente da ANJ, Nelson Sirotsky, lembrou a morte de Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha, que completou ontem um ano. ‘Ele foi o responsável por fazer da Folha um jornal vibrante e sempre compromissado com a causa da liberdade’. Sirotsky fez menção também à morte, na sexta, de Demócrito Rocha Dummar, presidente do grupo O Povo, do Ceará.
Mesquita fez um relato da luta do jornal contra a censura exercida pela ditadura. ‘Lembro episódio do jornalista Júlio de Mesquita Neto, que foi intimado a depor num inquérito policial militar. ‘O senhor é diretor de O Estado de S. Paulo’, perguntou o oficial do Exército. ‘Não’, respondeu o jornalista. ‘Então, quem é’, insistiu o oficial. ‘O ministro da Justiça, professor Alfredo Buzaid, que todas as noites tem um censor na tipografia do jornal’.’
Civita criticou a tentativa de restrições à publicidade. ‘A publicidade é um dos pilares da imprensa livre e independente. Há nesta Casa projetos que (…) restringem a liberdade de imprensa ao estabelecer restrições recentemente mais vigorosas à liberdade de expressão comercial’, disse. ‘A auto-regulação publicitária é um desses casos de triunfo da cultura da boa-fé e que poderia ser apresentada como brilhante exemplo de convivência pacífica e democrática de interlocutores que (…) sentam à volta de uma mesa e resolvem suas pendências em benefício de todos.’’
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Dirigente da SIP defende lei de acesso a informação
‘O vice-presidente da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa), Enrique Santos Calderón, defendeu na conferência que o Brasil adote o mais rapidamente possível uma lei ‘consistente’. ‘É direito do povo conhecer as ações de seu governo, isso é importante para a fiscalização, para o combate à corrupção’, discursou Calderón, lembrando que o Brasil assinou neste mês na ONU compromisso de aprovar a lei, que regulamentaria o artigo da Constituição segundo o qual ‘todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo e geral’.’
IMPRENSA
A verdade que vem impressa nos jornais
‘NA MINHA primeira mocidade, no Ceará dos anos 1970, fazia muito sucesso a polêmica coluna de Claudio Pereira, ‘Patrulheiros Toddy’. Em uma época de total irresponsabilidade, bem distante dos modernos tempos do politicamente correto, Pereira publicava os maiores absurdos sobre a vida de seus desafetos, mas, sobretudo, de seus afetos, que, por vezes, em decorrência do material publicado, se converteram em desafetos. Quando questionado sobre a veracidade das informações, Pereira sempre dizia: ‘Saiu no jornal? Se saiu no jornal, então é verdade’.
Brincadeira à parte, meu velho e moleque amigo se referia ao fascínio que a folha impressa exerce sobre as pessoas. Quem escreve de vez em quando para os jornais sabe avaliar que diferença faz mostrar a alguém um texto digitado em uma folha comum ou mostrá-lo já impresso na página de opinião de um grande jornal.
Diante do impresso, as críticas que o original receberia são, geralmente, feitas com muito maior cuidado.
A palavra impressa tem um peso tão considerável que o critério para avaliar a tendência autoritária de um governo são as medidas que toma para cercear a publicação e a circulação dos jornais. No Brasil colonial, a impressão de livros e periódicos era totalmente proibida. Os que se aventuravam nesse tipo de empreendimento pagavam caro: além da apreensão de seus prelos e tipos, pesada multa e imediato regresso a Lisboa para se entenderem com as autoridades.
Quando finalmente, depois da vinda da corte, em 1808, começou-se a imprimir no Brasil, a censura ainda vigorava com força total. A chegada do liberalismo, após a Revolução Constitucionalista do Porto, de 1820, produziu interessante debate entre os que, como José da Silva Lisboa, viam a liberdade de imprensa como danosa para a nação e terreno propício à calunia e os que, como Hipólito da Costa, advogavam sua total liberação. Silva Lisboa, então chefe da censura na Impressão Régia, defendia seus interesses e, bom amigo do trono e do altar, os da coroa.
Hipólito, que escrevia da Inglaterra, respirando as liberdades garantidas pelo sistema constitucional inglês, procurava demonstrar que os boatos que corriam de boca em boca eram mais daninhos que os impressos -estes podiam ser facilmente refutados, pois constituíam provas em processos por calúnia.
Essa precoce discussão sobre a liberdade de imprensa que marcou o alvorecer do nosso jornalismo foi sucedida por uma fase de intensa disputa entre jornalistas de várias tendências em torno do modelo político que cada um considerava mais adequado para a jovem nação que surgia.
Nesse debate fundador, a imprensa foi ao mesmo tempo palco, ator e público-alvo. Campo de embate de opinião, laboratório de idéias, mas também de uma nova ordem legal cujos contornos ainda não estavam bem definidos, a imprensa brasileira da Independência caracterizou-se, entre outras coisas, por uma guerra de insultos entre jornalistas. O direito ao anonimato que então vigia garantiu a impressão de textos fortes, alguns até mesmo rebarbativos, como os que se atribuem ao primeiro imperador. Porém, pelo estudo desses impressos, podemos entender hoje as motivações de seus autores, as paixões e os interesses que orientaram suas ações.
O aspecto interessante dessa guerra de impressos é a consciência que tinham seus redatores de que aqueles escritos se destinavam à posteridade.
De que eram protagonistas de um momento histórico importante e que era preciso garantir desde aquele instante a divulgação de seu papel no desenrolar dos acontecimentos.
Ao mesmo tempo, podemos constatar que, como meu amigo Claudio Pereira, eles sabiam que o fato de uma informação estar impressa no jornal contribuía muito para lhe dar credibilidade. Daí o cuidado que tinham em exaltar seus próprios feitos e diminuir os dos adversários, em atacá-los propagando sobre eles informações negativas -verdadeiras ou falsas.
Cabe ao historiador de hoje a tarefa de vasculhar e interpretar esses jornais resistindo ao fetiche da página impressa e cotejando as informações com as constantes em outras fontes.
Assim, recomenda-se ao leitor contemporâneo lembrar que não há texto neutro, que, na composição e no desenvolvimento de um texto jornalístico, na maneira de narrar e destacar um fato, estão também embutidas as paixões e os interesses do jornalista, do editor ou da empresa jornalística a que estão ligados. De modo que nem sempre o que sai no jornal é a expressão genuína da mais pura verdade.
ISABEL LUSTOSA , doutora em ciência política pelo Iuperj, é historiadora da Casa de Rui Barbosa no Rio e autora de ‘Insultos Impressos: A Guerra dos Jornalistas na Independência’ (Cia. das Letras, 2000).’
1968
Medalhas por bravura
‘RIO DE JANEIRO – A foto é -como se diz mesmo?- emblemática, e está na capa de um dos muitos livros recém-lançados sobre 1968: mostra a menina de minissaia quadriculada, pulôver de ‘col roulé’ e botas pretas, que marcha, desafiadora, diante da tropa encapotada e pronta para a repressão.
A cena podia se passar em Paris, na Cidade do México ou no Rio, algumas das cidades que foram palco das piores batalhas entre os estudantes e a polícia naquele ano. O que importa é o contraste entre a garota com as pernas de fora e os brutos que, dali a pouco, investirão contra ela com seus cassetetes.
Em 1968, presenciei várias cenas assim e suas conseqüências, protagonizadas por minhas colegas da Faculdade Nacional de Filosofia. As minissaias quadriculadas, do tipo kilt, presas com um alfinete de fralda, ou justas nas coxas, estavam na moda também aqui. Era daquele jeito, com as pernas nuas -já então a carioca não via motivo para usar meias de nylon-, que elas iam para a passeata na avenida Rio Branco.
Os rapazes, por sua vez, adotavam um uniforme característico, comprado num fornecedor da praça Mauá: camisa cáqui ou azul da Marinha americana e calça jeans da marca Lee, de um brim tão grosso e encorpado que parecia couro. Muito útil quando se estava no epicentro de uma bomba de ‘efeito moral’ deixada pela polícia no meio de um grupo de estudantes.
Ao explodir, o clarão iluminava a avenida, o barulho era de ensurdecer e a bomba se despedaçava em cacos de plástico que voavam a meia altura e com toda força. Nossos jeans nos protegiam. Mas, no dia seguinte, e sempre de minissaia, as meninas iam para a faculdade com as pernas cheias de curativos nos lugares onde tinham sido atingidas pelos estilhaços. Para mim, aqueles curativos eram medalhas por bravura.’
TODA MÍDIA
Subsídios e outras tolices
‘Em bloco, sites e telejornais destacaram o ‘recorde’ na safra de cana. Explica-se assim o contra-ataque lançado por Lula e todos, em resposta às críticas ao etanol brasileiro. A ‘Time’ noticiou ontem o próprio ‘contra-ataque’, com o argumento de que a alta nos alimentos resulta antes do protecionismo dos ‘ricos’ e do etanol de milho -como repisava ontem o ‘JN’.
Em poucos dias, o contra-ataque já deu resultado. ‘NYT’, ‘FT’ e outros trazem desde o fim de semana defesas apaixonadas do álcool e do Brasil. Ontem na AP, o ministro alemão do ambiente ‘aprovou o etanol do Brasil’. E até o colunista Martin Wolf ecoou que o problema é o ‘etanol de milho dos EUA’, sublinhando que a solução para a crise dos alimentos é ‘eliminar a pletora de proteção, subsídios e outras tolices’ por lá.
APESAR DE BUSH…
Mas sempre tem George W. Bush, o presidente com maior desaprovação na história dos EUA. Ontem ele chamou entrevista e saiu dizendo, na manchete da BBC Brasil, que o ‘papel do etanol na alta dos alimentos é pequeno’. Só uns 15%, chutou, mas argumentando de novo que o apoio ao etanol de milho é para substituir o petróleo, nada mais.
E BLAIRO MAGGI
Sempre tem também o governador de Mato Grosso. A entrevista em que defendeu avançar sobre a Amazônia para plantar mais e conter a crise dos alimentos, repercute sem parar -ontem no site do ‘Guardian’ e na Salon, sob títulos como ‘Sobe o preço da comida e também a destruição da Amazônia’ e citando seu posto de ‘rei da soja’.
‘DESAFIO SUPERÁVEL’
Ed Crooks, editor de energia do ‘FT’, entrevistou o presidente da Petrobras e ressaltou a ‘confiança’ da estatal nas novas reservas -com a avaliação de que a produção em Tupi não é ‘desafio insuperável’. O mesmo ‘FT’, por outro lado, noticiou a queda nas ações da BG, uma das petroleiras envolvidas com os novos campos, após um relatório apontando ‘a dificuldade e o custo para a extração’.
BOAS VINDAS
Na seqüência do ‘JN’, o portal da Globo, o G1, recebe de braços abertos o porta-aviões George Washington, da série Nimitz, que carrega armamento nuclear. Ontem, ‘a repórter conta o que sentiu na freada na curta pista’, fascinada que estava com o ‘elevador de avião’, os ‘US$ 4 mil de comida por dia’. Em outros textos, ‘Rio terá ‘batalha naval’ em alto-mar’ etc.
FORA DO EQUADOR
Dias antes da visita do porta-aviões e do relançamento da Quarta Frota dos EUA, voltada para a América Latina, o ‘NYT’ deu que o presidente Rafael Correa estava ‘purgando’ as forças militares do Equador -e já ‘se move para expelir a base americana’.
‘À BALA’
Por outro lado, agências da AP à Xinhua seguem de perto a negociação na Colômbia do Conselho de Defesa sul-americano, entre o presidente Alvaro Uribe e Nelson Jobim. Mas o que ecoa na região é a frase do ministro, de que as Farc serão recebidas ‘à bala’.
MAIOR QUE A CHINA?
Num encontro de ‘líderes globais’ nos EUA, o ‘bilionário de mídia’ e imóveis Sam Zell, do ‘Chicago Tribune’, saiu espalhando que, hoje, ‘investiria no Brasil’, no destaque da Reuters. Para Zell, o Brasil ‘tem chance de, em 30 anos, ser uma potência econômica maior do que a China’.
ÀS ESCURAS
Para a defesa de Ronaldo, a Globo achou um ‘homem que prefere não ser identificado’ e que teria passado por uma situação igual à do jogador, notícia ontem pelo mundo inteiro, como deu a Record’
TELES
Relator na Anatel defende nova tele ‘forte’
‘O relator do processo de modificação da legislação que irá permitir a compra da Brasil Telecom pela Oi, conselheiro Pedro Jaime Ziller, da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), afirmou ser favorável à operação, com a criação de uma empresa nacional forte. A compra, um negócio de R$ 5,86 bilhões, foi anunciada na última sexta-feira.
‘A Telefónica é a quarta maior empresa do mundo, a Telmex [dona da Embratel] é sexta ou sétima. A Brasil Telecom e a Oi estão lá pela trigésima [posição]. Então, a condição de competir no mercado é muito inferior para essas duas’, disse Ziller. ‘Se você junta as duas, consegue subir para uma posição com mais condição [de competição]. É bom para o mercado brasileiro ter três empresas fortes’, afirmou.
Segundo ele, o processo de mudança na lei não entrará em pauta para votação nos próximos 15 dias, porque ainda não está pronto. Quando for finalizado, será votado pelo conselho diretor da agência, que colocará uma minuta de proposta em consulta pública por 30 dias.
Depois disso, a Anatel irá analisar todas as contribuições e votar uma versão final de alteração, que será enviada ao Ministério das Comunicações. Do ministério a proposta segue para o presidente da República, que, se aceitar o texto, publicará decreto com as mudanças. Só então a compra da Brasil Telecom poderá ser aprovada pela agência reguladora.
‘Se você apresentar [pedido de anuência prévia à operação] hoje, e for julgado hoje, com o PGO [Plano Geral de Outorgas] existente, não é possível ser feito. Ninguém pode assumir ninguém enquanto a Anatel não der anuência prévia’, afirmou.
O impedimento para que a Oi compre a Brasil Telecom está em documento chamado Plano Geral de Outorgas. Esse plano é definido por meio de decreto e divide o país em áreas de concessão -em cada área atua uma empresa. Pelo texto do decreto, uma empresa não pode transferir a sua concessão para outra, que atue em área diferente.
Contrapartidas
O presidente da Anatel, Ronaldo Sardenberg, afirmou ontem que o uso de tecnologia nacional na nova empresa pode entrar em uma eventual lista de contrapartidas para permitir a operação. ‘Ao longo da análise virão os benefícios à sociedade. Esperamos que se faça mais uso da tecnologia nacional’, disse. Ontem, o presidente da Oi, Luiz Eduardo Falco, esteve reunido com a direção da Anatel para explicar a operação.’
Oi vai desembolsar até R$ 15 bi na compra da Brasil Telecom
‘Os executivos da Oi iniciaram maratona de reuniões com investidores para explicar a operação financeira que vai possibilitar a compra da BrT (Brasil Telecom). Ontem, o diretor financeiro, José Luiz Salazar, teve encontro com analistas de telecomunicações em hotel da zona sul do Rio. Hoje, a reunião será em São Paulo.
Segundo Salazar, a operação pode chegar a R$ 15 bilhões -incluindo dividendos a pagar aos acionistas e excluindo os recursos do BNDES para a reestruturação societária da Oi.
Haverá três etapas: na primeira, serão captados cerca de R$ 7 bilhões para pagamento de dividendos e para a oferta pública voluntária para os minoritários da BrT com ações preferenciais (sem direito a voto). Isso acontecerá num prazo de até dois meses.
Depois de a operação ter sido aprovada pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), a Oi irá ao mercado doméstico captar cerca de R$ 3 bilhões para efetivar a compra da BrT, por R$ 5,8 bilhões.
Em seguida, serão captados outros R$ 3 bilhões no mercado internacional para a oferta pública obrigatória aos minoritários com ações ordinárias (com direito a voto) da BrT. Caso as captações tenham êxito, a Oi vai desembolsar do caixa cerca de R$ 2 bilhões.
Encontros com investidores e analistas são corriqueiros em operações de fusões e aquisições. Analistas afirmam que esse esforço é fundamental no caso da compra da BrT -pelo grau de complexidade da operação financeira e da reestruturação societária da Oi.
Ainda ontem, quatro dias após o anúncio, muitos analistas que atuam no mercado financeiro ainda se perguntavam se haverá prejuízo para acionistas minoritários, qual será o novo preço ‘justo’ das ações e qual a estratégia a ser perseguida pela nova operadora.
No encontro de ontem, Salazar afirmou que não haverá concentração de mercado com o negócio e que a Oi vai investir na rentabilidade oferecida pelos clientes de pré-pago. Segundo ele, o mercado de consumidores de telefonia celular pós-paga (de valor mais alto) é ‘relativamente estável’, enquanto o consumo das classes de menor poder aquisitivo apresenta forte crescimento.
Após o tombo de segunda-feira, as ações da BrT conseguiram passar incólumes pelo nervosismo na Bovespa ontem. Os papéis preferenciais subiram 0,1%. As ações da Oi foram castigadas de novo: as preferenciais recuaram 0,92%, e as ordinárias tiveram queda de 6,25%.’
Janaina Lage
Empresa dará ganho de qualidade, diz Coutinho
‘O presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Luciano Coutinho, defendeu ontem a criação da nova tele a partir da aquisição da Brasil Telecom pela Oi. Segundo Coutinho, a operação representará um ganho de qualidade para o país, se for aprovada.
A criação da nova companhia envolve ainda um processo de reestruturação acionária da Telemar Participações, controladora da Oi, com apoio de R$ 2,569 bilhões pelo BNDES.
‘Essa operação tem consistência empresarial. Tenho absoluta confiança de que é uma operação cujos méritos em larga medida justificam o apoio’, afirmou Coutinho.
O apoio do banco será realizado por meio da compra de ações preferenciais resgatáveis emitidas pela Telemar Participações no valor de R$ 1,239 bilhão. De posse desses recursos, a holding comprará a fatia de participação de acionistas como Citibank, Opportunity, Banco do Brasil, além de seguradoras.
De outro lado, o banco financiará o aumento de participação de Carlos Jereissati e Sérgio Andrade por meio da compra de títulos, provavelmente debêntures, emitidos pela LT TEL, do grupo La Fonte, e pela AG Telecom, do grupo Andrade Gutierrez.
Os recursos usados são oriundos do giro da carteira de ações da BNDESPar, o braço financeiro do banco de fomento. A carteira tem cerca de R$ 90 bilhões em valor de mercado.
Segundo Coutinho, a definição de setores estratégicos, como telecomunicações e fármacos, que exigem atenção especial do governo e medidas de fortalecimento, será um dos temas da nova política industrial. Ela deverá ser divulgada no dia 12 de maio, no Rio.’
TELEVISÃO
Bispo usa Record para promover campanha
‘Os atores da Record estão sendo usados para divulgar a campanha do bispo da Igreja Universal Marcello Crivella (PRB-RJ), pré-candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro.
Anteontem, a assessoria de Crivella convidou a imprensa para cobrir um ‘evento de apoio à pré-candidatura do senador’, em uma churrascaria do Rio, com a presença de ‘mais de 20 artistas da emissora, dentre os quais, alguns dos protagonistas da novela ‘Caminhos do Coração’.
O e-mail foi disparado às chefias de reportagem de veículos cariocas pouco depois das 18h. Além de artistas, prometia aos jornalistas a presença de ‘diretores da Rede Record’.
Os principais atores da emissora, no entanto, foram salvos pelo trabalho e pelo Prêmio Contigo de Televisão, que ocorreu no Rio, na mesma noite de segunda-feira. Bianca Rinaldi e Leonardo Vieira tinham gravações anteontem à noite.
Segundo a assessoria de Crivella, foram ao jantar o comediante Castrinho, da novela ‘Amor e Intrigas’, a modelo Viviane Araújo (que não é contratada da emissora) e mais ‘três atores da Record’.
A Record confirma que ‘apenas quatro’ de seus ‘mais de 200 atores foram por vontade própria ao evento’. Informa que não foi consultada por Crivella sobre o convite a seus atores e que ‘nunca se envolveu em campanhas eleitorais de quem quer que seja’.
VIDRO 1 Após inúmeros testes, a Globo acertou a iluminação do estúdio de vidro de onde passará a apresentar os telejornais locais de São Paulo. Mas a estréia, já adiada três vezes, ficou para depois do dia 10. Vai esperar a inauguração da ponte estaiada Octavio Frias de Oliveira, para a qual o estúdio dará visão.
VIDRO 2 O Rio de Janeiro também terá estúdio de vidro, sobre o prédio da sede da Globo, no Jardim Botânico. O projeto já foi aprovado. Deve ser inaugurado no máximo em um ano.
LÁ-LÁ-LÁ Silvio Santos vai voltar a apresentar o ‘Programa Silvio Santos’, com musicais, games e gincanas com telespectadores. Zezé Di Camargo e Luciano gravaram o primeiro.
RECICLAGEM 1 Grande novidade da nova programação da TV Cultura, a que tem a ‘cara’ do presidente Paulo Markun, o programa ‘Manos e Minas’, apresentado pelo rapper Rappin’ Hood, é um projeto da gestão anterior, de Marcos Mendonça.
RECICLAGEM 2 A atração, sobre a ‘cultura da periferia’, chamava-se originalmente ‘O Olho da Rua’. Rappin’ Hood era um dos apresentadores. ‘Nós fizemos um piloto [programa-teste], que foi ao ar no Natal de 2006’, lembra o diretor Marcos Weinstock. Outra novidade, o ‘Planeta Turismo’, já passou pelo SBT.
VAI-E-VEM A Record, aparentemente, desistiu de esticar ‘Amor e Intrigas’. Dizia ontem que a novela terminará em 22 de junho.’
Laura Mattos
Cultura estréia 18 programas
‘Marcos Palmeira, Lillian Witte Fibe, Rappin’Hood, Chris Couto e João Marcello Bôscoli estão entre os apresentadores da nova programação da TV Cultura, divulgada ontem, em São Paulo, em evento para imprensa e anunciantes.
A partir da próxima semana e até agosto entram no ar 18 programas, que receberam um investimento de R$ 19 milhões.
‘O objetivo da Cultura é manter seu conteúdo com um formato mais contemporâneo’, disse o diretor de conteúdo, Gabriel Priolli.
Palmeira apresenta um programa sobre índios, em parte produzido por eles. ‘A’uwe’ irá ao ar aos domingos, a partir de 1º de junho. Serão 26 edições, realizadas em parceria com a produtora independente TVi.
A jornalista Lillian Witte Fibe comandará o ‘Roda Viva’, no lugar de Carlos Eduardo Lins da Silva, que se tornou o novo ombudsman da Folha.
O produtor musical João Marcello Bôscoli estará à frente do ‘Radiola’, sobre música, com data de estréia não definida. Além dele, Fernando Faro é o responsável pela concepção do programa. Faro também recria o ‘Móbile’, programa cultural que fez sucesso na Tupi nos anos 60. Será mensal, exibido nas últimas quartas do mês, a partir de maio.
O músico Rappin’Hood apresenta, a partir da próxima quarta, ‘Manos e Minas’, sobre o universo dos jovens da periferia. E outros novos programas buscam conquistar adolescentes. É o caso da série de teledramaturgia ‘Tudo que É Sólido Pode Derreter’, baseada em curta-metragem de Rafael Gomes, um dos criadores do hit da internet ‘Tapa na Pantera’. A estréia é prevista para agosto.
Produzido pelo Futura, ‘Sexualidade, Prazer em Conhecer’, no ar a partir da próxima quinta, orienta os jovens. Já as manhãs e tardes dos sábados terão só programação infantil.
Além das novas atrações, a Cultura está reformulando parte do que já está em exibição. É o caso do ‘Café Filosófico’, que será apresentado por Chris Couto em formato ‘mais dinâmico’, segundo a emissora, a partir de 11 de maio.
Uma nova versão do ‘Cartão Verde’, com Vladir Lemos, Xico Sá (colunista da Folha) e Vitor Birner, estréia nesta semana e será a única mesa-redonda de futebol em TV aberta exibida após os jogos das quartas.’
Cristina Fibe
‘Século 21’ aborda direitos humanos
‘A partir de amanhã, o Canal Futura exibe uma série de 15 reportagens sobre violação dos direitos humanos em diversos países, da Romênia à Tanzânia, passando por Afeganistão, Somália, Colômbia, Mongólia etc.
Produzida pela ONU (Organização das Nações Unidas), a série ‘Século 21’ começa amanhã, às 23h30, acompanhando crianças trabalhadoras em Burkina Fasso, país africano ao sul do Saara.
Lá, além dos problemas de saneamento, abuso sexual, falta de educação e desnutrição, mais da metade das crianças precisa trabalhar -principalmente nas arriscadas minas de ouro- para ajudar a família, segundo a reportagem.
Depois da África, o programa vai ao Leste Europeu mostrar voluntários que circulam pelas noites de Bucareste, capital da Romênia, tentando ajudar prostitutas e viciados em heroína a evitar doenças.
Músicos que transformam armas em instrumentos, na Colômbia, encerram este primeiro programa. Os próximos episódios trarão reportagens sobre a Turquia (‘assassinatos pela honra’) e a República
Democrática do Congo (‘salvando os gorilas’). O Brasil comparece na reportagem sobre o tema ‘a revolução do etanol a partir da perspectiva de um cortador de cana’.
SÉCULO 21
Quando: estréia amanhã, às 23h30; reprises aos sábados, às 2h30, e às quartas, à 1h30
Onde: no Canal Futura’
WOODY ALLEN
A vida é trágica
‘Aos 72, Woody Allen lança ‘O Sonho de Cassandra’, que estréia hoje no Brasil, reclamando de Hollywood, da velhice, da crítica e até de seus filmes… Em entrevista a Bruno Lester, da International Feature Agency, nega que seja um ‘intelectual’: ‘Não me interesso por livros complicados’. Allen comenta ainda o lado trágico de ‘Cassandra’, em que Ewan McGregor e Colin Farrell vivem irmãos endividados que recebem proposta para cometer um crime.
PERGUNTA – Do que trata ‘O Sonho de Cassandra’?
WOODY ALLEN – É simplesmente a história de alguns jovens muito simpáticos que se envolvem numa situação trágica, em função de suas fraquezas e ambições. A intenção deles é boa. Eles foram educados com decência, mas os acontecimentos e seus próprios atos os conduzem a um final trágico.
PERGUNTA – Como ‘Crimes e Pecados’, é sobre morte e culpa.
ALLEN – Sempre me interessei pelo assassinato e pelo lado sombrio do drama e da tragédia. O assassinato é uma das ferramentas que dramaturgos e cineastas vêm usando há séculos para elucidar o que querem mostrar, quer fossem tragédias gregas, Shakespeare ou, mais adiante, os suicídios nas peças de Arthur Miller. Tirar a vida é um ato muito dramático e que me interessa muitíssimo.
PERGUNTA – Fazia algum tempo que você não criava um drama.
ALLEN – Acontece que meus pontos fortes mais evidentes sempre foram cômicos, mas eu sempre quis ser um escritor trágico -escritor de materiais trágicos. Finalmente, agora que estou ficando mais velho, estou tendo a chance de fazê-lo.
PERGUNTA – Você disse uma vez que a vida é ‘uma experiência bastante trágica’.
ALLEN – Sempre senti que a vida é uma confusão muito grande. Tenho uma visão sombria e pessimista da vida e da fé do homem, da condição humana. Mas acho que há alguns oásis extremamente divertidos no meio dessa miragem. Há momentos de prazer e momentos que são divertidos, mas, basicamente, a vida é trágica.
PERGUNTA – Por que você deixou de fazer filmes nos EUA?
ALLEN – É mais fácil conseguir financiamento na Europa. Me dão mais liberdade, porque se respeita o artista mais do que nos EUA. Quando estúdios de Hollywood financiam meus filmes, eles interferem muito. Na Europa, me deixam fazer o que eu quiser. Além disso, aqui eu consigo fazer filmes a um custo mais baixo, e eles não ficam parecendo filmes feitos com pequeno orçamento.
PERGUNTA – ‘O Sonho de Cassandra’ foi recebido com frieza em Veneza, em setembro do ano passado. Você lê as críticas de seus filmes?
ALLEN – Não o faço há 30 anos. Elas não me ajudam. Também nunca assisto a documentários ou leio artigos a meu respeito, porque representam imagens de mim que não reconheço. Não fiz nada de diferente em ‘O Sonho de Cassandra’ do que fiz em outros filmes anteriores.
PERGUNTA – Todo ano há um novo filme de Woody Allen. Como se explica você ser tão produtivo?
ALLEN – É o que faço e tenho bastante tempo livre. Tenho metade do ano sem nada para fazer. Quando termino um filme, fico parado em meu apartamento, caminho pelas ruas, e então tenho uma idéia e penso: ‘Meu Deus, isso vai ser um outro ‘Cidadão Kane’!’. Começo a escrever e, em pouco tempo, estou com um roteiro. É claro que, quando o resultado está ali, não é nenhum ‘Kane’.
PERGUNTA – Você já recebeu 21 indicações e três Oscars (roteiro e direção de ‘Noivo Neurótico, Noiva Nervosa’ e roteiro de ‘Hannah e Suas Irmãs’). O que está faltando? Você pensa em se aposentar algum dia?
ALLEN – Enquanto puder continuar a fazer filmes, não vejo razão para não fazê-los. O que mais deveria fazer? Gosto de trabalhar. Sinto prazer em escrever, é meu hobby.
PERGUNTA – E sua saúde é boa.
ALLEN – Nunca estive no hospital; ainda sou ativo. Tenho bons genes. Minha mãe chegou aos 98 anos; meu pai, aos 100. Mas envelhecer é uma coisa terrível. Minha vista já não é o que era, perdi um pouco da audição, a comida não tem o mesmo gosto. Não ganhei sabedoria nenhuma. Não há nada de bom em envelhecer. Você simplesmente deteriora e morre.
PERGUNTA – É mais fácil escrever comédias do que dramas?
ALLEN – Sei mais sobre a comédia, então ela parece vir à tona a todo momento. É claro que quem escreve comédia pensa que a verdadeira essência do mundo está nas mãos dos escritores de dramas sérios. E não há nada que os autores de dramas sérios gostariam mais do que escrever comédias.
PERGUNTA – Por que você não anda atuando tanto quanto antes?
ALLEN – Eu atuo apenas quando acho que sou a pessoa perfeita para o papel. Não sou realmente um ator. Sou muito, muito limitado. Sou capaz de dizer falas espirituosas curtas, e isso é divertido. Consigo representar o tipo de personagem nova-iorquino neurótico que se assemelha ao que sou na vida real.
PERGUNTA – Quando passa algum tempo sem atuar, sente falta disso?
ALLEN – Não. Não me chatearia se eu nunca mais voltasse a atuar. Não ligo. Acho difícil avaliar minha própria performance quando estou na sala de edição. Quase sempre me odeio. É tão constrangedor ver sua imagem na tela grande, agindo como uma pessoa tola. Então, minha tendência é jogar fora muitas coisas que faço, enquanto outras pessoas dizem: ‘Oh, não tire isso do filme, isso é engraçado’. Então, o que você vê na tela -acredite se quiser- é a destilação do que eu consegui fazer de melhor. Portanto, você pode imaginar o que vai parar na máquina de picar papel!
PERGUNTA – Por que você não deixa seus atores lerem o roteiro inteiro?
ALLEN – Constatei que, se eles não sabem o que está acontecendo, não representam o resultado de suas ações. Eles não atuam sabendo para onde vai o roteiro -atuam de maneira muito espontânea, porque não têm certeza do que está acontecendo. E, de fato, os personagens não devem saber o que está acontecendo.
PERGUNTA – Você é conhecido por não dar muita direção.
ALLEN – Não gosto de sobrecarregar atores com muita conversa, análise e direção. Contrato as melhores pessoas, e então saio do caminho delas. Dou liberdade enorme aos atores.
PERGUNTA – ‘Vicky Cristina…’ é estrelado por Scarlett Johansson. É o terceiro filme que fazem juntos. O que há de especial nela?
ALLEN – Ela tem tudo: é linda, sexy, inteligente, divertida, espirituosa e boa para se trabalhar. Gosto de tudo nela. Se ela mantiver a cabeça no lugar nesse campo de trabalho maluco, o futuro será dela.
PERGUNTA – Como você se sente com a história de ela ser descrita como sua musa?
ALLEN – Fico grato quando a chamam de minha musa, mas não é verdade. Com Diane Keaton, foi diferente. Fizemos oito ou nove filmes e tínhamos uma ligação especial. Mas gosto de trabalhar com Scarlett.
PERGUNTA – Você fica nervoso durante as filmagens?
ALLEN – Nunca fico nervoso quando estou escrevendo ou dirigindo, mas o pânico se instala no momento da montagem, quando você vê tudo o que fez. É um banho de água fria.
PERGUNTA – Você não costuma ficar satisfeito com os resultados?
ALLEN – Não. Quando está filmando, você sempre pensa que está fazendo história, e, quando termina, você diz: ‘Meu Deus, o que eu fiz?’. Sempre pensei que tenho um pouco de talento e muita sorte.
PERGUNTA – De quais filmes seus você se orgulha mais?
ALLEN – Tenho três dos 39 filmes que fiz: ‘Match Point’, ‘A Rosa Púrpura do Cairo’ e ‘Maridos e Esposas’. Todos os outros, eu gostaria de refazer.
PERGUNTA – Alguma vez você já ficou tão decepcionado com um filme que não queria que estreasse?
ALLEN – Fiquei muito decepcionado com ‘Manhattan’. Prometi ao estúdio que, se não o lançasse, eu faria o filme seguinte de graça. Mas o estúdio se recusou, e o filme teve bom desempenho. Com ‘Setembro’, foi o mesmo. Disse ao estúdio que queria refilmar tudo.
PERGUNTA – Você é admirado por outros cineastas. Você enxerga a sua influência no trabalho deles?
ALLEN – Nunca senti que influenciei ninguém. Não quero que isso soe como falsa modéstia, mas sempre pude sentir a influência de meus contemporâneos -Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Robert Altman, Steven Spielberg- e nunca vi minha influência sobre ninguém.
PERGUNTA – Quem o inspirou mais?
ALLEN – Provavelmente os comediantes Groucho Marx e Bob Hope.
Tradução de CLARA ALLAIN’
***
Diretor contesta imagem de intelectual recluso e diz que ‘cinema não é prioridade’
‘Leia, a seguir, a continuação da entrevista de Woody Allen.
PERGUNTA – Você acha que as pessoas têm a impressão correta de quem você realmente é?
ALLEN – Não. Acham que sou um recluso, uma pessoa temível que tem hábitos excêntricos e criativos. Nada poderia estar mais distante da verdade. Levo uma vida de classe média com minha família. Fazer cinema não é minha prioridade.
PERGUNTA – Você é conhecido como intelectual.
ALLEN – E não sou. Não leio muito e não me interesso por livros complicados. Não li livro nenhum até os 18 anos, e então, quando o fiz, foi com o único intuito de impressionar garotas.
PERGUNTA – Mas você é neurótico?
ALLEN – Sou um pouco claustrofóbico e agorafóbico. Sou um pouco depressivo e pessimista. Tenho medo de elevadores e aviões. Até os 40, mais ou menos, dormia de luz acesa. E fiz terapia durante 24 anos.
PERGUNTA – Por que parou?
ALLEN – A terapia me ajudou a passar por fases de minha vida em que estava muito infeliz e inseguro. Mas agora estou muito feliz. Adoro estar casado. Adoro ser pai. Não preciso mais de terapia.
PERGUNTA – Antigamente, você nunca saía de Nova York. Agora, anda viajando muito, apresentando-se no exterior com seu grupo de jazz, visitando festivais de cinema e filmando em países estrangeiros.
ALLEN – Nunca fui sociável. Sempre preferi estar em casa, trabalhando, escrevendo e tocando meu clarinete. Desde que passei a viver com Soon-Yi, passei a curtir mais sair de casa. Saio para fazer compras e viajar porque minha mulher gosta disso. Adoro fazer coisas que a deixam feliz.
PERGUNTA – Como é estar casado com alguém 35 anos mais jovem?
ALLEN – Nunca imaginei que terminaria com uma pessoa tão mais jovem, coreana e que não se interessasse pelo show business. Mas funciona como uma mágica. É uma daquelas coisas de sorte que me aconteceram.
PERGUNTA – Finalmente, qual a importância do cinema em sua vida?
ALLEN – Assistir a filmes tem sido um dos meus maiores prazeres. Mas não encaro o cinema com paixão. Se não tiver a chance de fazer outro filme, ficarei perfeitamente feliz trabalhando com teatro ou escrevendo livros. Mas gosto mais do cinema; é uma maneira muito divertida de passar o tempo.’
Inácio Araújo
Nova trama tem o mérito da coloquialidade
‘Depois de passar boa parte da vida fazendo filmes à maneira de Bergman, Woody Allen nos últimos anos parece dedicado a fazê-los à maneira de Fritz Lang. Era assim em ‘Match Point’ e assim é em ‘O Sonho de Cassandra’: a questão central é a do momento decisivo, em que se joga o destino do personagem.
O entrecho trata de dois irmãos muito diferentes entre si, mas próximos o bastante para manter uma relação de profunda cumplicidade.
Ian (Ewan McGregor) é o insatisfeito sócio do pai em um restaurante, que um dia topa com um mulherão -o que o deixa ainda mais insatisfeito em sua modéstia.
Tanto mais que, como o Zé da Bomba de ‘Depois Eu Conto’ (José Carlos Burle, 1956), costuma passear com os carrões que clientes deixam na oficina do irmão.
Terry (Colin Farrell) é o mecânico estável, casado. Ou aparentemente estável, porque um jogador compulsivo.
Os dois são sócios no barco Sonho de Cassandra, que dá nome ao filme. Nada profundo: esse é o nome de um cavalo em que Terry jogou e se deu bem, o que permitiu que comprassem o barco.
Depois é que, para Terry, vêm as dívidas, enormes, e toda a torrente de ameaças que acompanham esse tipo de situação (Woody volta a evocar Dostoiévski, que serviu de base a ‘Match Point’).
Toda a esperança dos irmãos está depositada em Howard (Tom Wilkinson), o tio rico.
Quando surge em Londres, mostra-se extremamente generoso com os sobrinhos, mas lhes pede algo em troca: terão de matar alguém.
Aí começa de fato o problema, pois tirar a vida de alguém é uma experiência infernal. Decidir-se por isso, assumir o momento único, espantoso, em que o crime se dará, é outro. Existe, por fim, o que vem após o assassinato.
Ou seja: depois de todos os circunlóquios, voltamos a ‘Crime e Castigo’. Woody Allen é fiel a suas obsessões.
O crítico americano Roger Ebert compara este filme a ‘Match Point’ de forma desfavorável. Considera que, naquela ocasião, Woody conseguiu tornar sublime um final inverossímil. Com todo o respeito, me parece que ‘O Sonho de Cassandra’ tem o mérito, ausente em ‘Match Point’, da coloquialidade.
‘Match Point’ carrega a tentação do grande cinema, o de arte: tem um aspecto tão pernóstico quanto a família londrina que hospeda o tenista. ‘O Sonho de Cassandra’ tem mise-en-scène mais próxima dos policiais de série e uma pessoalidade que parece ausente em ‘Match Point’. Sobretudo quando o tio Howard aparece, nunca se sabe se estamos diante de uma comédia ou de um drama -e, no entanto, estamos conscientes de que os dois gêneros estão lá, quase se cutucando. Mas não consegue evitar em inúmeros momentos esse lado um tanto pretensioso de Allen, essa necessidade de parecer profundo, que filmes como os de Lang não tinham, até porque eram os mais profundos.
O SONHO DE CASSANDRA
Produção: EUA/Inglaterra/França, 2007
Direção: Woody Allen
Com: Ewan McGregor, Colin Farrell
Onde: estréia hoje nos cines Bristol, Eldorado e circuito
Avaliação: bom’
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O Estado de S. Paulo
Quarta-feira, 30 de abril de 2008
DEBATE NA CÂMARA
Entidades e Parlamento repudiam censura prévia à imprensa
‘Empresários da grande mídia, deputados, senadores e representantes de associações ligadas ao jornalismo, durante a 3ª Conferência Legislativa sobre Liberdade de Imprensa, na Câmara dos Deputados, manifestaram repúdio unânime às decisões judiciais que impõem censura prévia à mídia. ‘A censura prévia representa uma afronta direta à liberdade de expressão’, afirmou o vice-presidente das Organizações Globo, João Roberto Marinho.
Marinho e o jornalista Júlio César Mesquita, membro do Conselho de Administração do Grupo Estado, defenderam ainda a limitação pelo Congresso do valor das indenizações impostas às empresas pela Justiça. ‘Para os pequenos veículos isso pode significar a ruína completa’, disse Marinho. Mesquita considera que esse limite para as indenizações pode ser inserido na legislação atual.
Houve também críticas às regulações que restringem o direito à informação e tentam controlar a publicidade, mas faltou consenso sobre a necessidade de uma nova Lei de Imprensa.
‘Eu sou contra que haja uma legislação específica para regulamentar a profissão de jornalista’, defendeu Mesquita. ‘Jornalista erra como qualquer outro ser humano erra. O jornalista, quando erra, tem de ser enquadrado pelos Códigos Penal e Civil.’
O presidente da Editora Abril, Roberto Civita, também se mostrou contra uma nova legislação específica e estendeu a crítica às limitações impostas por leis à publicidade – a propaganda de cigarro já foi proibida e há propostas para que sejam limitados os anúncios de bebidas alcoólicas. ‘Na imprensa, quanto menos legislação, melhor. A imprensa não deve ser regulamentada, mas garantida e exercida com responsabilidade’, disse.
Além dos dois empresários e acionistas de grupos de comunicação, ficaram contra a ressurreição da Lei de Imprensa o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, e o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ). Miro é autor da ação contra a atual Lei de Imprensa que levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a suspender liminarmente 20 de seus 77 artigos. Nos próximos meses, o assunto voltará à pauta do tribunal e a lei pode ser integralmente derrubada.
Britto e Miro defenderam ainda a extinção de penas de prisão para os crimes de injúria, calúnia e difamação previstas no Código Penal. Quem se sentisse ofendido por matéria jornalística poderia pedir direito de resposta ou ajuizar um pedido de reparação financeira na Justiça.
Entre os defensores de uma nova legislação, o presidente do Grupo Folha da Manhã, Luís Frias, argumentou que a falta de lei específica deixaria o setor num ‘vazio jurídico’. ‘No fundo, trata-se de resolver da melhor maneira possível os conflitos entre dois valores de grande relevância social: de um lado, o direito de o cidadão receber informações; de outro, os chamados direitos da personalidade, que visam a preservar a imagem e a reputação das pessoas’, disse.
Outro defensor de uma lei para regular a imprensa foi o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). Chinaglia se disse favorável a uma lei que defenda os princípios constitucionais que proíbem os monopólios de comunicação e garantam a programação regionalizada e a pluralidade. E defendeu a TV Pública como uma forma de contribuir para a ‘pluralidade de opiniões’.
O primeiro-vice-presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Enrique Santos, afirmou que o debate sobre uma nova Lei de Imprensa deveria ser acompanhado pela votação de uma legislação que garantisse o acesso a informações públicas. Essa lei demandaria o compromisso do governo com a liberdade de acesso à informação e obrigaria os órgãos públicos a repassar aos interessados, como jornalistas, documentos oficiais completos e sem alterações. Se o assunto for de segurança nacional, o governo poderia se negar a revelar esses papéis, mas deveria comprovar que não poderia repassá-los à imprensa.’
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Garibaldi e Chinaglia divergem
‘O debate sobre a liberdade de imprensa colocou em lados opostos os presidentes da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), e do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN). Na 3ª Conferência Legislativa sobre Liberdade de Imprensa, Garibaldi criticou o Parlamento e disse que a imprensa está mais atenta aos interesses da sociedade do que a Câmara e o Senado, opinião que desagradou Chinaglia.
‘Hoje o que se diz é que a mídia pauta os parlamentares. Isso acentuou-se agora, quando o parlamento não se impõe perante a sociedade brasileira’, criticou Garibaldi.
Chinaglia rebateu lembrando discurso de Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, que defendeu a atividade política. ‘Não será a imprensa que irá pautar os parlamentares’, disse Chinaglia.’
TURQUIA
Parlamento ameniza restrição à liberdade
‘O Parlamento turco aprovou ontem um projeto do governo que ameniza uma lei de restrição à liberdade de expressão usada para processar muitos intelectuais. O projeto de emenda ao Artigo 301 do Código Penal foi aprovado por 250 votos a 65, graças à bancada majoritária do partido governista.’
TELES
A nova tele brasileira
‘Depois de meses de negociações foi finalmente anunciada, no dia 25, a aquisição do controle da Brasil Telecom (BrT) pela Oi. Essa ratificação de um acordo há muito cogitado no mercado suscitou inúmeras manifestações de especialistas, autoridades, políticos e de outros agentes com maior e menor envolvimento no assunto.
Um dos aspectos mais insistentemente comentados foi o aumento da participação da nova empresa no mercado, citada em inúmeras matérias como ‘supertele’, tomando-se como referência o mercado brasileiro de telefonia fixa, hoje com cerca de 38,5 milhões de telefones em serviço. É inegável que, sob o ângulo da telefonia fixa, essa participação será relevante, pois a nova empresa deterá cerca de 58% do número de telefones fixos em serviço e o grupo Telefônica, 31%.
Ocorre que, já há algum tempo, esse índice perdeu relevância para quantificar o segmento de telefonia, em decorrência do verdadeiro tsunami que atingiu o mercado – a telefonia móvel. Hoje, quaisquer estudos que pretendam mensurar os mercados de telefonia utilizam a quantidade total de telefones fixos e móveis como parâmetro. Nessa base, a empresa resultante da integração da Brasil Telecom com a Oi terá cerca de 27% do mercado brasileiro; o grupo Telefônica, incluindo a Vivo, 29%; o grupo Telmex, representado pela Embratel e a Claro, 20%; além da Tim, com 19%; e as demais, com 5%. Isso, por si só, já coloca a nova empresa em segundo lugar no mercado brasileiro de telefonia. Essas informações foram extraídas do Atlas Brasileiro de Telecomunicações, edição 2008, uma das mais conceituadas publicações do setor, editado pela Converge Comunicações.
No segmento dos serviços de longa distância nacional, conforme dados recentes da Anatel, a participação da nova empresa ficará próxima de 42% do total de minutos tarifados, com a Embratel (Telmex) com 24%, a Telefônica com 23% e as demais com 11%. Ainda com base em dados da Anatel, a participação da nova tele nas chamadas internacionais, com 14,9% dos minutos tarifados, será inferior à das maiores concorrentes. A Embratel (Telmex) mantém sua participação destacada em primeiro lugar, com 58,4%, e a Telefônica, a segunda colocada, com 15,4%. Apenas para completar o quadro, os dados do Atlas revelam que, no segmento de banda larga, a participação da Oi e BrT somadas alcançará 44%; a da Telefônica, 28%; e a da Telmex, incluindo a Net, cerca de 20%.
Se os números da nova tele podem ser considerados importantes, quando avaliados no âmbito do mercado brasileiro, eles empalidecem, quando considerados num contexto um pouco mais significativo, sob o ponto de vista econômico, num setor que se caracteriza, cada vez mais, pela atuação global das empresas, tendência incontestável nas telecomunicações mundiais. Não é por outra razão que a Telefônica, da Espanha, e a Telmex, do México, têm uma forte presença no mercado brasileiro e em inúmeros países das Américas Central e do Sul, além do México.
Desse grande mercado, se considerada apenas a América Latina, constata-se que a nova tele brasileira deterá apenas 10% dos acessos móveis e fixos, com a Telefônica detendo cerca de 26% e o grupo Telmex, 35%. Portanto, num mercado que possa, efetivamente, ser tido como relevante, sob o ponto de vista de uma efetiva competição, a nova tele não passa de uma ainda pequena, ainda que promissora, nova entrante, que poderá vir a se constituir uma importante competidora diante das grandes já estabelecidas na região.
A forma arrojada como os grupos Telefônica e Telmex têm atuado na América Latina não deixa dúvidas de que, se a Oi e a BrT não se unissem agora para formar uma empresa mais forte, em alguns poucos anos estaríamos discutindo a aquisição das duas empresas pelos grupos Telmex e Telefônica, favorecendo um duopólio no nosso mercado. Portanto, a fusão da Oi com a BrT deve ser vista como uma ação proativa, que permite assegurar três fortes prestadoras no mercado brasileiro, com a possibilidade de se vir a ter, em poucos anos, uma empresa brasileira atuando no cenário internacional das telecomunicações. Essa empresa utilizará a força do nosso mercado para alavancar o empreendimento, sem nenhum prejuízo para os usuários brasileiros, já que o setor – mantido sob regulação – estará submetido a um regime competitivo forte, diferentemente do que ocorre na maioria dos países, inclusive Espanha e México, onde a Telefônica e a Telmex são, virtualmente, monopolistas.
*Renato Navarro Guerreiro, consultor em Comunicações, foi presidente da Anatel. E-mail: renato.guerreiro@guerreiroconsult.com’
Irany Tereza
BNDES defende operação de compra da BrT pela Oi
‘A participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na reestruturação do grupo Oi, com apoio financeiro de R$ 2,569 bilhões, está de acordo com a nova cartilha de política industrial do governo, que terá suas diretrizes divulgadas em 12 de maio, na sede do banco. Ontem, ao elogiar a ‘qualidade de estratégia e o mérito empresarial’ da operação de compra da Brasil Telecom pela Oi – ainda condicionada a mudanças regulatórias -, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho afirmou que o governo tem ‘um novo paradigma’ de nacionalismo.
‘Modelo ruim era o que se tinha no passado, em que se queria, por meio de mecanismos protecionistas exagerados ou subsídios fiscais, fabricar situações artificiais não sustentáveis de desenvolvimento empresarial’, disse, em entrevista na sede da instituição, rebatendo críticas de favorecimento a setores ou grupos empresariais. ‘O BNDES não faz nem fará operações que não tenham consistência empresarial e retorno (financeiro)’, afirmou.
O executivo defendeu o fortalecimento do capital nacional e alegou que essa escolha não significa discriminar o capital estrangeiro. Mas deixou claro que o apoio às empresas estrangeiras irá depender do compromisso em desenvolver no País atividades tecnológicas mais sofisticadas.
‘Considerando a economia aberta à competição global, é desejável que o Brasil tenha um sistema empresarial de capital nacional forte e é desejável que não só o BNDES, mas a política (industrial) apóie essas empresas e que elas possam mostrar sua competência’, afirmou.
Coutinho preferiu não entrar em detalhes sobre os setores nos quais o governo pretende apoiar a formação de grandes conglomerados nacionais, a exemplo do que está ocorrendo em telecomunicações e do que já está se desenhando para a indústria farmacêutica. ‘Esse é um tema que aparecerá com clareza na política de desenvolvimento do País que será anunciada no dia 12. É importante que o Brasil desenvolva uma estrutura empresarial competente e competitiva num mercado aberto, enfrentando a competição global’, disse.
O anúncio da política industrial levará à sede do BNDES o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os ministros Miguel Jorge (Desenvolvimento) e Guido Mantega (Fazenda). E, a julgar pelas declarações de Coutinho, terá uma forte tendência nacionalistas. ‘Ter uma política nessa direção não significa discriminar o capital estrangeiro ou ficar contra o investimento estrangeiro. Ao contrário, significa ter uma política que valoriza o desenvolvimento no Brasil de atividades mais sofisticadas, industrialmente mais densas e inovativas’, declarou.
O presidente do BNDES reafirmou que os recursos liberados pelo banco – que reduziu sua participação acionária no bloco de controle da Oi de 25% para 16,86% – fazem parte do giro da carteira de ações do BNDESPar, empresa de participações do banco, e não vai comprometer a capacidade das demais operações.
Ele negou também que o governo tenha escolhido o grupo que ficará à frente na nova operadora de telecomunicações. A ‘supertele’, criada a partir da incorporação da BrT pela Oi, será controlada pela dupla de empresários Sérgio Andrade (Andrade Gutierrez) e Carlos Jereissati (La Fonte). ‘ Não houve escolha. Se houve, foi há muito tempo, porque esses acionistas já estavam lá.Dentre o conjunto de acionistas que estavam lá, alguns queriam sair e outros ficar. Então, ninguém escolheu. Não estou preocupado com isso, mas apoiar projetos empresariais competitivos, consistentes e eficientes. E quem julga isso é o mercado.’’
LITERATURA
As várias camadas de Nélida Piñon
‘Com sorriso misterioso, Nélida Piñon diz que a criação se sobrepõe a pelo menos sete camadas da civilização. É um conceito que estabeleceu desde criança, quando ouviu a história do arqueólogo Heinrich Schliemann e que acabou por moldar a literatura que ela viria a defender anos depois. Arqueóloga que busca o inefável e caçadora das borboletas que são as palavras, ela revira, apresenta e analisa referências literárias em Aprendiz de Homero (Record, 368 págs., R$ 38), livro de ensaios que acaba de chegar às livrarias e que precede o livro de memórias que ela lança em setembro.
Aprendiz de Homero diz claramente que você é uma escritora que se preocupa com o processo de criar. Desde quando passou a se interessar pela figura do escritor tanto quanto pela obra dele?
Acho que à medida que eu escrevia e encontrava dificuldades para exprimir o que pretendia, fui me dando conta de que havia uma artimanha, um processo. Havia um acordo entre o meu gosto e a palavra. Porque a palavra tudo faz para não ser captada, ela quer ir embora, é fugaz. E, ao mesmo tempo, a palavra é desafiante. Ela olha para você e diz: ‘Como é, você será capaz de me domar?’ Ou seja, acho que a luta do escritor é arrancar da palavra toda a sua multiplicidade, tudo o que existe nela. Há um grande embrião, uma seiva dentro de você, mas você tem de domar essa seiva para contar tudo o que é possível ser contado.
E, então, a palavra domada chegaria com mais eficácia ao leitor?
Vamos dizer que você chega talvez mais próximo ao centro do verbo. O verbo te supera, mas você se acerca da vizinhança do sagrado. A palavra é isso, o equilíbrio entre o profano e o sagrado. Daí você poder atribuir às frases vários significados, e quanto mais significados você atribui às frases, mais clássicas e mais ricas elas são, porque você permite que o leitor seja livre. O que ocorre é que tenho de me empenhar como autora para suspender o descaso, uma certa indiferença, do leitor. É um processo de sedução.
Sim, para fazer alguém atravessar 300 páginas.
É, sem desistir. Ele tem de ser fisgado. E ele passa a acreditar naquele universo que está sendo narrado. Que, na verdade, é o universo dele, que ele precisava saber que existe. Não é?
Sendo o universo do escritor interessante para atrair, não?
Sim. Sabe o que é? Uma arqueologia, com várias camadas. Lembro de que, quando menina, li a história do arqueólogo (Heinrich) Schliemann. Ele acreditou em Homero e começou a procurar Tróia. Encurtando a conversa, começou a escavar. Encontra escombros do que seria Tróia, mas não era ela. Aparece uma segunda cidade. E Tróia seria a sétima cidade a aparecer. Então, o processo de criação leva dentro dele pelo menos sete cidades soterradas, toda a geologia humana. Nós somos o quê? Somos pedras que tremem, e a chuva nos modifica.
Homero está na última camada?
Certamente Homero nos diria: ‘Aqui é a Tróia que eu descrevo, mas a Tróia que eu inventei deve estar mais no fundo.’ E para o criador, meu bem, não há a última cidade. A criação é regime instável. Nenhum escritor é capaz de descrever os pormenores, garantir exatamente como foi construído o processo.
Quando saiu em busca da memória, você acabou por se tornar uma escritora que é brasileira, mas não enraizada.
É uma visão equivocada acreditar que ser universal é ser menos enraizado. Ao contrário, eu sou cada dia mais enraizada, porque tenho outras visões de mundo. E há uma harmonia entre esses mundos e o nosso mundo. Nós somos atlânticos, não podemos nos fechar. Sempre digo: se Machado de Assis existiu, o Brasil é possível. Posso dizer que sou brasileirinha no sentido cósmico, mas não quero meu país brasileirinho. Acha que o meu avô Daniel veio para cá no fim do século 19 por que era um país vagabundo? Não. Ele me deu um grande país e a majestade da Língua Portuguesa.
Frases
‘Há um grande embrião, uma seiva dentro de você, mas você tem de domar essa seiva para contar tudo o que é possível ser contado.’
‘A criação é regime instável. Nenhum escritor é capaz de descrever os pormenores, garantir exatamente como foi construído o processo.’
‘Eu tenho de me empenhar como autora para suspender o descaso, uma certa indiferença, do leitor. É um grande processo de sedução.’
‘A palavra tudo faz para não ser captada, ela quer ir embora, é fugaz. E, ao mesmo tempo, a palavra é desafiante. Ela olha para você e diz: ‘Como é, você será capaz de me domar?’
‘Nós somos atlânticos, não podemos nos fechar. Eu sempre digo: se Machado de Assis existiu, o Brasil é possível.’
‘Posso dizer que sou brasileirinha no sentido cósmico, amoroso, mas não quero meu país brasileirinho.’’
TELEVISÃO
‘Queremos os jovens de volta’
‘Uma TV que faz bem é o slogan que a TV Cultura lança na segunda-feira, com sua nova programação. Há um ano à frente da emissora, o presidente da Fundação Padre Anchieta, Paulo Markun, adianta ao Estado que o plano é recuperar a popularidade entre os jovens, que já foram mais fãs da casa – em tempos de Quem Sabe Sabe, Matéria-Prima do Serginho Groisman e Fábrica do Som. E, por que não?, reforçar ainda a atenção especial ao público infantil, sua fatia mais preciosa da audiência. ‘Para o público de baixa renda, a TV Cultura é a melhor babá que existe, porque prende a atenção, educa’, observa ele.
A TV Cultura dedica hoje metade da sua grade de programação, ou seja, 12 horas a atrações educativas. Os jovens ficaram com o horário nobre da emissora, uma faixa que vai das 19h30 às 21h30, e terão programação sortida, da periferia apresentada por Rappin Hood à volta das divertidas aulas de português do professor Pasquale, no Nossa Língua.
Sobre as novas atrações, as mudanças implementadas na sua gestão e o desafio de levar ao ar uma emissora que não tem contra-indicações, Paulo Markun falou ao Estado.
Qual é o grande diferencial que podemos destacar na programação que a emissora estréia agora, a primeira da sua gestão?
Desde que assumi, foram feitos pequenos ajustes. Agora, é a primeira mudança importante. Ela consolida a criação de faixas bem definidas de programação, de modo que o público saiba o que vai encontrar na Cultura. Consolidamos também a condição de ser uma emissora predominantemente infantil. O grande diferencial se dá na fixa que vai das 19h30 às 21h30, voltada para o público jovem, num horário em que as outras emissoras estão voltadas para a família. Vamos estrear programas como o Radiola, do João Marcelo Bôscoli, que dá oportunidade a novas bandas, e o Manos e Minas, do Rappin Hood, que fala sobre a periferia.
O público jovem parece o mais difícil de cativar, por causa do interesse que tem pela internet. Por que apostar justamente nele?
Temos muita força entre o público de até os 12 anos de idade e, depois, entre as pessoas com mais de 50. Nem sempre foi assim, a Cultura já teve momentos importantes como Fábrica do Som, Quem Sabe Sabe, que, de alguma forma, a gente perdeu. Queremos recuperar a proximidade com esse público, levando em conta, claro, essas coisas que surgiram de lá para cá, como a internet. Mas se você pensa na periferia, é diferente (o acesso à internet). Por isso, a gente criou o programa do Rappin Hood.
Os novos programas são produções da TV Cultura ou vocês estão trabalhando em parceria com produtoras independentes?
Do investimento que estamos fazendo em grade de programação, 60% a 70% são de produção independente. É uma mudança importante. O modelo que existe na TV brasileira, vertical, não é seguido no restante do mundo. É um modelo consagrado, funciona para emissoras grandes como a Globo e a Record. Mas não para emissoras como a TV Cultura. Então, estamos fazendo um esforço para firmar parcerias e trabalhar com produção independente total.
A parceria com as produtoras independentes é feita como? Vocês buscam ou encomendam projetos?
O Radiola é totalmente independente, mas temos também um modelo misto. Estamos tentando, de todas as maneiras, atrair talentos novos para participar da nossa produção. Não é ainda o que a gente gostaria. Até 2009, pretendemos pôr desafios de novos programas para o mercado. Lançar um tema, um programa sobre orquídeas, por exemplo. Daí, a melhor proposta será contratada. Esse é o passo adiante que ainda não conseguimos dar.
É uma maneira de driblar a queda nos repasses que o governo faz para a fundação?
O valor que o governo repassou (R$ 81,4 milhões) é o que estava escrito no Orçamento. Houve uma redução na parte de investimentos. O que fizemos foi buscar outras fontes, recursos que permitam aumentar a nossa produção. E isso é basicamente prestação de serviços, como a campanha Vota Brasil para o TSE. Estamos muito focados em aumentar o número de parceiros desse tipo. Parto do princípio de que a sociedade tem de pagar pela TV Cultura, e esse conceito não está arraigado na cabeça das pessoas. O brasileiro acha que televisão é de graça, e não é. O público está acostumado a ter produtos de qualidade, de graça, entre aspas. No caso da TV pública, você tem de oferecer um produto de qualidade e convencer a população de que ela tem de pagar por isso. É uma tarefa difícil, no mundo inteiro. A França está discutindo o fim da publicidade na TV pública e a pergunta lá é ‘ok, quem vai pagar?’ Essa discussão está madura para acontecer no Brasil. E a TV Cultura quer oferecer um serviço de qualidade de modo que as pessoas entendam que têm de colaborar.
Por meio de doações individuais?
Sim. Para o público de baixa renda, a TV Cultura é a melhor babá que existe, porque prende a atenção, educa. As pessoas sabem disso, tanto é que a emissora aparece atrás apenas da TV Globo como a mais admirada em todas as pesquisas e a mais respeitada em termos de ética. Esse conceito existe, só que precisamos de recursos. A redução de investimento está sendo compensada com atividades de prestação de serviços e projetos especiais. Vamos compensar até o fim do ano. Os investimentos são importantes porque estamos na fase da digitalização, tanto de preâmbulo da TV digital, como também todo o processo de produção. A melhoria da produção será significativa.
Na busca por recursos não se pensa em abrir mais espaço para a publicidade de mercado na emissora?
Não, as diretrizes são cada dia mais rigorosas para a aceitação de publicidade. A nossa preferência é por apoio cultural e patrocínio, e nosso objetivo é oferecer novos formatos de veiculação das marcas com alguma atividade educativa, de formação. Temos projetos especiais como Para Quê Serve a Química?, em parceria com Associação Brasileira da Indústria Química, em animação. Não temos uma posição sectária, de que não pode ter publicidade na TV pública. Depende do quê, como, para quê. O que não se deve ter é o modelo calcado na publicidade apenas, porque aí você precisa vender audiência a todo custo e a qualidade da programação cai.’
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Emissora passa a transmitir 24 horas
‘Jovens, crianças e insones. Entre as mudanças que a nova grade de programação da TV Cultura traz, uma das principais é a transmissão 24 horas, que começa na segunda-feira. ‘Até agora, a emissora parava suas atividades de madrugada, à 1h30. Mas pesquisas indicam que na madrugada há ainda um público interessado na programação’, explica o presidente da Fundação Padre Anchieta, Paulo Markun.
Com a mudança, a emissora leva ao ar, a partir da 1 hora, a reapresentação de programas, organizados por faixa de interesse – reflexão, música, cinema, esportes. ‘E todos os dias, às 3 horas, haverá a reapresentação do Jornal da Cultura, para quem perdeu às 22 horas’, detalha Markun. Na madrugada de sábado para domingo, é a vez da Virada Musical, com programas dedicados à música.
A TV Cultura está investindo R$ 19 milhões na nova programação, entre produção própria e parcerias com produtoras independentes. A emissora testa um novo modelo na montagem da grade, explica Markun. ‘ Criamos núcleos temáticos – infanto-juvenil, música, jornalismo, etc. – e os coordenadores de cada área trouxeram as propostas que tinham sido apresentadas pelo mercado ou que foram desenvolvidas por eles mesmos’, detalha. ‘Chegou-se então a uma grade ideal. Comparamos isso com as possibilidades reais de fazer – a velocidade da produção, os recursos a serem empregados -, e a partir daí fechamos o trabalho. As produções começam a estrear na segunda-feira e seguem até o segundo semestre.’
Nessa montagem, o público jovem teve atenção especial, além das crianças, que tradicionalmente são fãs do canal. Tanto é que os jovens ficam com o chamado horário nobre, que vai das 19h30 às 21h30. Às segundas-feiras, o produtor João Marcelo Bôscolli, apresenta o Radiola. É uma espécie de versão televisiva do Trama Virtual, projeto da gravadora de Bôscoli para descobrir novos talentos – as bandas aspirantes ao estrelato se inscrevem pela internet.
Segundo Markun, a grande aposta é o Manos e Minas, em que o rapper Rappin Hood levará o melhor da periferia para o grande público. Todas as quartas-feiras.’
Keila Jimenez
Desvio de holofote
‘Está cansado da exploração do caso Isabella na TV? Agradeça ao travesti André Luis Ribeiro Albertino, mais conhecida como Andréa, envolvida anteontem no Rio em uma confusão com o jogador Ronaldo, o Ronaldinho, fenômeno.
Alguns programas de TV, em tese dedicados a ‘variedades’, finalmente desviaram seu foco do assassinato que chocou o País e agora correm atrás de Andréa, que foi parar na delegacia com mais dois travestis e o craque.
Cada um tem sua versão. Ronaldo alega que contratou um programa, pulou fora quando descobriu que se tratava de travestis e alega ter sido vítima de extorsão. A versão do travesti é outra, e é claro que os shows da TV, sem acesso ao craque, querem ouvir a história de Andréa, a começar pelo Superpop, de Luciana Gimenez. Aliás, a RedeTV! já entrou no assunto com A Tarde É Sua, de Sônia Abrão – até as 14 horas estava confirmada ali a participação de Andréa.
Independentemente de quem tem razão, o caso vai virar banquete para os humorísticos e não passará batido pela turma do Casseta & Planeta (Globo), CQC (Band) e Pânico (RedeTV!).’
CINEMA
Woody Allen ensina que crime não compensa
‘Woody Allen foi sempre influenciado pela cultura européia – pela grande literatura russa e pelo cinema de Michelangelo Antonioni e Ingmar Bergman. No começo de sua carreira, ele fez A Última Noite de Boris Grushenko, que não deixa de ser seu Guerra e Paz, mas naquela época Allen ainda não havia fixado um estilo – o que ocorreu somente depois, com Annie Hall (Noivo Neurótico, Noiva Nervosa) – e o filme se ressente disso. Por volta de 1990, ele acertou a mão com Crimes e Pecados, o mais denso e sombrio de seus filmes da fase Mia Farrow, que não deixa de ser uma espécie de revisão norte-americana de Crime e Castigo. O divórcio (tumultuado) de Mia paradoxalmente liberou o autor para uma fase de comédias mais ligeiras. Com Match Point, ele voltou à gravidade anterior, mas de alguma forma mantendo a leveza adquirida na vida com a mulher, Soon Yi.
Match Point era um ‘crime sem castigo’, baseado mais em Um Lugar ao Sol, o filme de George Stevens adaptado de Uma Tragédia Americana, de Theodore Dreiser, do que propriamente em Dostoievski. A própria ausência de castigo já trazia a crítica de Woody Allen à amoralidade dos tempos modernos. O Sonho de Cassandra, seu novo filme, que estréia hoje, retoma Match Point para que o castigo agora se concretize. O filme estrelado por Colin Farrell e Ewan McGregor é divertido, inteligente, mas é outra confirmação – até prova em contrário – de que a fase das obras-primas já passou para Woody Allen.
Paulo Francis observou certa vez que o casamento com Fanny Ardant havia pacificado François Truffaut. Bom para o homem, ruim para o diretor, dizia Francis, que preferia – como qualquer cinéfilo digno desse nome – os filmes anteriores de Truffaut. Talvez fosse só uma fase, mas a morte prematura impediu que o cineasta francês se reinventasse. Não é a mesma história da evolução de Woody Allen, mas vale assinalar que ele se tornou, cada vez mais, um cineasta do mundo globalizado. Sem apoio em Hollywood, Allen foi prosseguir sua obra na Inglaterra e, agora, na Espanha – o próximo filme, Vicky Cristina Barcelona, que estréia no Festival de Cannes, foi rodado em Barcelona, com capitais locais e Javier Bardem e Penélope Cruz no elenco.
O Sonho de Cassandra conta a história de dois irmãos que se envolvem com a mesma mulher. Ela tira partido do seu poder de sedução – vira uma ameaça ao mundo masculino – e os induz ao assassinato. Os irmãos reagem diferentemente ao crime. Ewan McGregor tenta esquecê-lo e seguir em frente, beneficiando-se das vantagens que ele lhe proporcionou. Colin Farrell vive devorado pela culpa e se torna uma ameaça para o irmão. A família desintegra-se e tudo isso se constrói às sombra do mito de Cassandra, cujo nome batiza o barco que os irmãos compram (e restauram) e que termina sendo o motor para a tragédia que a ambos atinge.
Allen, decididamente, quer ser mais sombrio, mostrando que o crime não compensa. É a idéia no centro de O Sonho de Cassandra (que mais parece um pesadelo). Em Match Point, você se lembra, a bola de tênis repica na rede e tanto pode cair para um lado como outro, simples questão de sorte. O repique volta a ocorrer em Cassandra, mas agora de um outro ângulo. As circunstâncias não são mais atenuantes. Allen está mais indignado. Nos melhores filmes que dirigiu (Annie Hall, Manhattan, Zelig, A Rosa Púrpura do Cairo, Crimes e Pecados e Maridos e Esposas, obra de ruptura, na arte e na vida), Allen foi sempre um investigador da linguagem.
Em Crimes e Pecados, o irmão oftalmologista revela-se um monstro que não quer ver o sofrimento à sua volta – e o cego é o único que realmente consegue discernir as coisas ao redor. Não há um cego real – como em Dirigindo no Escuro -, a cegueira é puramente metafórica, mas o conflito é novamente entre querer enxergar, ou não. É uma idéia que vai além da relação entre os irmãos – e a trama ‘policial’ de O Sonho de Cassandra tem a ver com a falta de ética no mundo atual. O crime é encomendado por um empresário de ‘bem’ que quer (ou precisa) se livrar do sócio que se tornou incômodo, para não ser preso. O cinema vira espelho do mundo. Quem fica cego para o sofrimento do outro pode se dar bem (eventualmente). A consciência engendra a culpa e pode ser desastrosa.
O Sonho de Cassandra é um bom, não grande, filme de Woody Allen. Muita coisa ali você vai ver que… já viu. A expectativa é que Allen deixe de navegar por águas tão tranqüilas e volte a surpreender, para maravilhar.
Serviço
O Sonho de Cassandra (Cassandra´s Dream, 2007, EUA-Ing-Fr, 108 min.) – Drama. Dir. Woody Allen. 14 anos. Cotação: Bom’
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