‘11/05/07
Os leitores da edição Nacional de quinta-feira, concluída às 20h52 da véspera, não foram informados sobre o aumento de salários aprovado pela Câmara na noite da quarta.
Os leitores da edição Nacional de hoje, fechada às 21h11 de ontem, também não.
Muitos leitores que se informam pela Folha ainda não souberam do fato. Como se vê, deu certo o plano dos deputados de votar a medida impopular durante a visita do papa, diminuindo a repercussão.
Papa – Diplomacia jornalística
Tanto a chamada da manchete da primeira página como a abertura da pág. A4 informam que o papa Bento 16 ‘pressionou’ o presidente Lula para assinatura de acordo.
Na primeira, porém, a Folha emprega o verbo ‘pedir’ (‘Papa pede a Lula vantagens para Igreja Católica no país’). Na página interna o verbo é ‘solicitar’ (‘Bento 16 solicita a Lula que conceda vantagens à Igreja’).
Por que a preferência por verbos diplomáticos (e, no segundo caso, a ser evitado no jornalismo), e não pelo que expressa a apuração, ‘pressionar’?
A Folha parece reverente com o papa, o que contradiz o princípio de jornalístico crítico pregado pelo jornal.
Papa – Folha versus Folha
No dia da canonização do primeiro santo nascido no Brasil, data histórica para os católicos do país, a Folha sai com duas versões diferentes sobre um episódio-chave na vida de Antonio de Sant´Anna Galvão.
O texto ‘Papa torna hoje frei Galvão 1º santo do país’ (pág. A10) conta que quem expeliu ‘pedras’ dos rins depois de ‘tomar’ um pequeno pedaço de papel foi o filho de um homem que procurou Frei Galvão.
Já o texto ‘Mosteiro da Luz distribui mais de 30 mil pílulas de Frei Galvão ao dia’ (pág. A11) sustenta que quem expeliu ‘a pedra’ foi um homem, e não algum filho seu.
Em que relato o leitor deve confiar?
Papa – Espelho meu 1
Pelo segundo dia consecutivo, Folha e ‘Globo’ publicam fotografia idêntica no alto de suas primeiras páginas.
Papa – Espelho meu 2
Título de texto-legenda na primeira página da Folha: ‘Nem Cristo escapa’.
Título de página interna do Globo ‘Nem o Cristo escapou’.
Papa – Faltou explicar
Há problemas no principal texto da edição da Folha, ‘Bento 16 solicita a Lula que conceda vantagens à Igreja’ (pág. A4). O jornal diz que o Vaticano ‘reivindica’ a ‘obrigatoriedade do ensino religioso na rede pública de educação’. Não informa, porém, qual é o sistema em vigor.
Outro pedido ‘permissão para atuação em áreas indígenas’. Hoje esse tipo de ação é proibido?
Sem as informações o leitor não tem como avaliar o impacto das propostas apresentadas pelo Vaticano.
Papa – Pauta quicando
Diz nota do Painel: ‘Constatação de quem ficou muito perto do papa: aos 80, Joseph Ratzinger não tem rugas’. Informação no alto da pág. A5: ‘Preocupado com a rapidez com que o papa circulava no local, seu secretário particular, monsenhor Geor Gänswein, gritava: ´Não deixe ele escapar. Segure o homem´‘. Ontem o ‘Jornal Nacional’ mostrou Bento 16 se abaixando sem dificuldade para pegar um objeto no chão.
Como o papa cuida da saúde, o que come, como se exercita?
Papa – João de Deus
Mais uma comparação com a primeira visita de João Paulo 2º: a celebração de ‘João de Deus’ foi no Morumbi, estádio bem maior que o Pacaembu.
Papa – Errou longe
A reportagem ‘Fora do estádio, 15 mil assistem a evento por telões’ (pág. A6) reproduz cálculo da Polícia Militar sobre multidão. O texto afirma que ‘os organizadores da visita do papa prepararam-se para receber 150 mil pessoas na praça Charles Miller’.
Há uma omissão: na edição de ontem a Folha subscreveu a previsão (‘150 mil pessoas devem se concentrar na praça Charles Miller’).
Ou seja, o jornal chutou e errou, ao bancar como sua uma previsão alheia.
Papa – Mais um chute
A reportagem ‘Papa torna hoje frei Galvão 1º santo do país’ (pág. A10) diz que ‘1 milhão de pessoas são esperadas’ na missa de hoje no Campo de Marte.
Esperadas por quem? Pela Igreja não deve ser, porque um infográfico na pág. A11 afirma que ‘a Igreja espera receber ao menos 1,5 milhão de pessoas no Campo de Marte’.
Papa – Enfim
Depois de duas edições em que escondeu o assunto e os concorrentes o exploraram positivamente, a Folha enfim hoje suíta declarações de religioso sobre as adolescentes que ‘ficam’ (‘Jovens do Pacaembu também ficam’, pág. A8). A reportagem ficou interessante.
Papa – Produtividade
Em relação à reportagem referida acima, o problema é que os leitores da Folha não receberam o melhor trabalho. A matéria assinada por oito repórteres reúne um conjunto de declarações que formam um bom painel. Só que o ‘Estado’, em texto assinado por um só repórter, descobriu dentro do Pacaembu um casal de jovens que estava ‘ficando’, ali mesmo. Tem até foto. Em vez de palavras, gestos. Ficou bem melhor.
Papa – Papel sobrando
As notas ‘Má idéia’ (pág. A8) e ‘Não é boa idéia’ (pág. A14) têm a mesma informação, sobre a posição do presidenciável republicano Rudolph Giuliani sobre o direito ao aborto.
Papa – Direito ao aborto
Sugestão: que o jornal deixe de afirmar que certas pessoas e instituições ‘defendem o aborto’ (ou são ‘favoráveis ao aborto’) quando, na verdade, defendem o ‘direito ao aborto’. Há até quem defenda o aborto, mas não é o caso de muita gente. Nesse debate, as palavras fazem enorme diferença.
Papa – Diário de viagem
Foi boa a iniciativa de embarcar um repórter na excursão de peregrinos que saiu de Recife. É uma novelinha que dá gosto acompanhar.
Papa – Sem gafe
Na seqüência de notas ‘pílulas papais’ (pág. E2), afirma-se que o presidente Lula cometeu gafe por não beijar o anel do papa na chegada ao país. ‘Foi, enfim, uma gafe pouco grave. Mas que foi uma gafe, ah!, isso foi’.
Não entendi: o encontro era entre dois chefes de Estado, não de fiel católico com o chefe da sua Igreja. Será que todos os chefes de Estado que se encontram com Bento 16 beijam o seu anel?
Papa – Overdose
A cobertura de hoje dá a nítida impressão de já conceder espaço exagerado à visita do papa. Os assuntos repetem os das edições anteriores, quase tudo é previsível.
França
Reportagem na pág. A20 ‘(Sarkozy propõe gabinete com ministros que não sustentaram sua candidatura’) informa que pesquisa divulgada na França diz que ‘58% dos franceses se declararam ´não chocados` pelo fato de Sarkozy ter aceito o convite para um cruzeiro marítimo no iate do empresário Vincent Bolloré’.
O intertítulo da Folha: ‘Franceses apóiam luxo’. Posso estar enganado, mas não estar ‘chocado’ não implica ‘apoiar luxo’. Até porque eleitores que não simpatizam com o presidente eleito talvez não esperassem outra atitude dele. Não a apóiam, mas não estão ‘chocados’.
Circulação de jornais
A reportagem ‘Circulação mundial de jornais aumenta 1,9% em 2006’ (pág. B12) tem um problema: nada informa sobre o Brasil. Pelo que entendi, o país não é objeto específico da pesquisa. Mas o jornal deveria ter reunido números de outras fontes que permitissem a comparação dos resultados nacionais com os internacionais.
Resposta ao ombudsman
Recebi a mensagem abaixo da editora de Mundo, Claudia Antunes.
A respeito das respostas à mensagem enviada por mim na terça-feira, reafirmo que o ombusdman está errado em sua avaliação. A manchete que ele cita de ‘El País’ de terça é especulação ainda não-confirmada; a do ‘New York Times’ traz um lide sobre as relações entre Sarkozy e os EUA que nada tem de novo e ecoa o que ele disse durante a campanha e as expectativas do governo e do Congresso americanos, sem acrescentar novidades; as do ‘Monde’ versam, a primeira, ainda sobre as expectativas criadas pelo discurso de vitória de Sarkozy, no domingo, e a segunda é uma análise do mesmo tipo das que publicamos na edição do último domingo ‘Sarkozy pretende guinada liberal com Estado menor’_ e na de segunda ‘Sarkozy é Blair da direita’.
Em resumo, depois de nossas edições de domingo e de segunda, que antecipavam exaustivamente o que poderá ser um governo Sarkozy, e uma vez que Sarkozy nem seus porta-vozes falaram na segunda-feira, não havia mais o que afirmar de concreto sobre o governo dele na edição de terça.
Diferentemente do que avalia o ombusdman, a divisão dos socialistas é importante. Ela diz respeito à campanha para as eleições legislativas de junho e à possibilidade, alimentada por algumas lideranças do PS, de uma aliança com o centro que surgiu como força importante entre o eleitorado no primeiro turno da campanha presidencial, centro este cujos representantes até agora integram o bloco de centro-direita. Não foi só a Folha que publicou reportagem sobre as perspectivas do PS depois da derrota. Além dos jornais franceses, o ‘Independent’ de Londres o fez já na edição de segunda, quando nós da Folha dedicamos os três títulos mais importantes a Sarkozy; o ‘Financial Times’ trouxe o assunto como sua principal reportagem sobre a França na edição de quarta. Na edição de terça, a principal matéria do diário econômico britânico era a maneira como se dividiu o eleitorado francês, tema que abordamos na principal subretranca da edição de terça.
10/05/07
A foto do alto das primeiras páginas da Folha e do ‘Globo’ é a mesma, de fotógrafa da AP, mostrando o papa pisando o solo brasileiro com o pé esquerdo. As manchetes se diferenciam apenas por um artigo. Folha: ‘Papa apóia excomunhão dos políticos pró-aborto’. Globo ‘Papa apóia excomunhão de políticos pró-aborto’.
Papa – Primeira página
O cardápio da primeira página da Folha convida à leitura: notícia forte, curiosidades, serviço e análise da visita de Bento 16. Ficou bom.
Papa – Pluralismo
Senti da falta da manifestação de representantes de outras religiões na discussão sobre aborto. O pluralismo é um pilar do projeto editorial que deve ser exercido com vigor. Se o chefe da Igreja Católica se pronuncia, é importante ouvir religiosos de convicções distintas, mesmo que o debate se concentre na Igreja Católica e no governo brasileiro.
Papa – Outro lado 1
Na viagem para o Brasil, o papa criticou a Teologia da Libertação (‘Igreja precisa reagir às ´seitas´, diz papa’, pág. A6). O jornal deveria contemplar a resposta de algum representante dessa orientação.
Papa – Outro lado 2
Na mesma entrevista coletiva, Bento 16 afirmou (ou deu a entender) que algumas religiões que crescem no Brasil são seitas. Caberia ter ouvido denominações pentecostais.
Papa – Editorial cifrado
O editorial ‘Acordo sigiloso’ traz uma citação em latim. É evidente que esse gênero jornalístico de opinião tem peculiaridades, mas não me parece que a tradução, elegante, não necessariamente entre parênteses, o rebaixe. Ela permitiria a todos os leitores compreenderem o que está escrito. O jornal é feito para os leitores.
Papa – Passado ou futuro
O lidão da pág. A3 (‘Papa defende excomunhão de políticos a favor do aborto’) afirma que ‘bispos mexicanos excomungaram os deputados da Cidade do México que votaram a favor do aborto’. Na mesma página, o texto ‘Para ministro, fala de religioso foi ´descabida´‘ diz : um bispo no México declarou que ‘os legisladores que votassem a favor da lei seriam ´automaticamente excomungados` assim que ocorresse a primeira interrupção de gravidez’.
Ou seja: ainda não houve excomunhão. Ou houve, e a segunda retranca não informou?
Papa – Idade
O jornal não informa, pelo menos nos textos principais, a idade do papa. Nesse caso, não é um formalismo. Sua disposição física impressionou na chegada ao Brasil. Daria uma reportagem interessante: como ele se cuida, o que come, como se exercita.
Papa – Mocassim
O texto ‘Pontífice destaca a ´alma cristã` da América Latina’ (pág. A5) informa que o papa desembarcou calçando um ‘mocassim vermelho (não vestia o modelo Prada)’. Pelo que ensinam as artes na primeira página e na pág. A9, o sapato é um ‘múleo’.
Papa – A bordo
Ficou boa a edição da entrevista coletiva do papa no avião. Foi oportuna a iniciativa de embarcar um repórter. Considero, porém, que a Folha deveria ter sido mais transparente: qual foi o critério de seleção dos jornalistas e, principalmente, quem pagou a viagem. Se foi o jornal, deveria ser dito quanto custou. Se foi a convite, a menção era obrigatória.
Papa – Emenda
O ‘Jornal Nacional’, que também tinha repórter a bordo do avião, informou que depois da entrevista coletiva um representante de Bento 16 se dirigiu aos jornalistas para esclarecer afirmações sobre a excomunhão no México que não teriam ficado muito claras. Não vi as observações na Folha. Eram obrigatórias, mesmo que eventualmente ‘esfriassem’ a matéria.
Papa – Coletiva
Se o jornal tiver oportunidade, valeria a pena perguntar a Lula sobre a decisão do papa de conceder entrevista coletiva até nas alturas. O presidente brasileiro, como se sabe, ao ser reeleito anunciou muitas coletivas que, por enquanto, são promessas.
Papa – Profissão repórter
A reportagem ‘Papa aparece por 4 minutos para 15 mil’ (pág. A7) dá gosto de ser lida. Deveria desafiar o jornal, cotidianamente, a repetir seu padrão.
Papa – As roupas
Não tenho formação suficiente para avaliar a correção das informações, mas ficou interessante a arte ‘As roupas do papa’ (pág. A9), com extrato na primeira página.
Papa – Chute
Ignoro a metodologia adotada para projetar o número de presentes em áreas abertas. Ontem fiz referência sobre a previsão para evento em Aparecida. Hoje, infográfico na pág. A11 afirma, sobre encontro no Pacaembu: ‘150 mil pessoas devem se concentrar na Praça Charles Miller; dentro do estádio cabem 35 mil pessoas’. Sobre o estádio, ok. E fora? É impossível adivinhar. Os organizadores podem apresentar suas previsões, mas o jornal não deve se transformar em porta-voz.
Fica chato publicar títulos como ‘Réveillon deve reunir 1 milhão em Copacabana’ e, depois, ‘Réveillon reuniu 1 milhão em Copacabana’.
Papa – Jornalismo e literatura
O texto que li com mais prazer na edição de hoje, ‘Garoto de milagre vira celebridade instantânea’ (pág. A13), é tão bem escrito que convida à retomada da velha discussão sobre identidades entre jornalismo e literatura.
Abre assim a reportagem de Fábio Victor: ‘Se anjos existem e são como os pintaram os renascentistas, o menino Enzo de Almeida Gallafassi, 7 anos, bem poderia passar por um. Tem bochechas rosadas, cabelos claros (mas sem cachos) e olhos verdes’.
Papa – ´Guerra santa`
Há certas licenças que, creio, o jornal deveria evitar. Uma delas é escrever a expressão ‘guerra santa’ sem aspas, como fez hoje no título ‘Na guerra santa da TV, papa complica o trânsito na Record e vira festa na Globo’.
Papa – Bom trabalho
A despeito dos problemas apontados nesta crítica nos últimos dias, é positivo o balanço da cobertura da Folha até agora, com destaque para o caderno de domingo. Com notícias quentes, reportagens de qualidade, serviços bem feitos e análises mais densas, o jornal parece superior aos concorrentes.
Resposta ao ombudsman
A jornalista Claudia Antunes, editora de Mundo, enviou o texto abaixo sobre a crítica do ombudsman da terça-feira:
O que o ombudsman pede em sua crítica desta terça é o impossível. Não dava para responder à pergunta ‘Como Sarkozy começará o seu governo?’. Só será possível saber como o presidente eleito pretende pôr em prática seu programa de governo em relação às questões mencionadas pelo ombusdman quando ele falar sobre isso. O presidente eleito viajou ontem, não deu novas declarações depois do discurso da vitória no domingo e nenhuma indicação de que medidas proporá primeiro etc. Até lá, só é possível especular, como já tem sido feito desde a cobertura da campanha.
Sarkozy toma posse em 16 de maio e, como se pode ler em todos os jornais, do ‘Financial Times’ ao ‘Monde’, sua base parlamentar só ficará definida depois das eleições para a Assembléia Nacional, cujo primeiro turno é em 10 de junho e o segundo, em 17 de junho. Num espelho do que aconteceu no primeiro turno, o partido de Sarkozy deve vencer, mas não conseguirá maioria parlamentar. Como se comportará então a UDF de François Bayrou, terceiro colocado no primeiro turno, hoje parte da coalizão de centro-direita? Aceitará algumas das medidas propostas por Sarkozy que foram rejeitadas por 46,9% do eleitorado, numa eleição apertada? Esta é uma das questões sem resposta precisa.
As expectativas sobre eventuais mudanças na política externa estão contempladas no box ‘EUA saúdam escolha de conservador’. Mais uma vez, como o texto deixa claro, há indicações de como atuará Sarkozy nesse campo, mas poucas definições.
Quanto às manifestações, concordo que seria recomendável ter uma reportagem sobre quem são esses jovens que protestam. Mas o enviado da Folha deixou Paris ontem [segunda] à noite de volta ao Brasil, como estava previsto, e não foi possível fazê-la.
Comentário do ombudsman
Agradeço a manifestação e a comento.
a) Não sou obrigado a saber quando um enviado chega e parte. O ombudsman analisa o jornal como ele é entregue aos leitores. Assim deve ser.
b) Ao contrário do que diz a cobertura da Folha na terça (até agora o jornal não se corrigiu), as manifestações não eclodiram na ‘madrugada de anteontem’ (domingo), mas na ‘madrugada de ontem’ (segunda). Depois da eleição, e não antes. Portanto, quase 24 horas antes da partida do enviado especial.
c) Reafirmo: o eixo da edição de terça deveria ser Sarkozy e seu governo iminente, não a disputa intestina do PS, assunto das primeiras 54 linhas (!) do texto do alto de página. A quem interessa saber mais do arranca-rabo entre os socialistas batidos do que do futuro governo? Se é para citar jornal estrangeiro, fico com o ‘El País’, cuja chamada de primeira página na terça era: ‘Sarkozy prepara um governo com só 15 membros e paridade entre sexos’. Ou o ‘New York Times’, na primeira (‘Um amigo americano em Paris’) e internamente (‘Um admirador da América [EUA] estabelece um novo curso para a França’). Ou o ‘Le Monde’ e seus dois títulos principais na capa: ‘Eleito presidente, Sarkozy promete a abertura’ e ‘A obrigação de reformar do novo chefe de Estado’. (Todas as citações acima em má tradução.) A Folha, na edição Nacional de terça, preferiu na primeira página (a matéria interna é a mesma da ed. SP, que não teve chamada na capa): ‘Após a derrota, Ségolène perde espaço no partido’. Às vezes, fazer o melhor significa ser original. Não nesse caso.
d) A edição de página inteira sobre França foi feita com informações passíveis de apuração na Redação, privando os leitores do diferencial que um enviado permite.
09/05/07
A entrevista com d. Cláudio Hummes é marcada por levantadas de bola da Folha, para o religioso cortar (‘Bento 16 não trará ´agenda moralista´, diz dom Cláudio’, pág. A8). Faltou, creio, jornalismo crítico.
A primeira pergunta dá o tom: ‘Por que os brasileiros, e não só os católicos, devem ouvir as palavras do papa?’. À frente: ‘A Igreja defende a adoção de alguns valores para contribuir com essa integração?’. Outra, quase incompreensível: ‘Muitas pessoas associam a atuação política da Igreja com a Teologia da Libertação, corrente malvista por Bento 16. Como fazer essa distinção em um momento em que a Igreja tem tentado aumentar sua influência na sociedade?’.
O fato de parcela expressiva dos católicos brasileiros não seguir as orientações da Igreja sobre sexo, casamento e métodos contraceptivos foi ignorado pelo jornal.
Os princípios editoriais da Folha também devem se manifestar em entrevistas, inclusive com religiosos.
Outro problema: O cardeal é apresentado como ‘ministro’ do papa. Mas, afinal, qual é a sua função? O leitor não é informado.
Papa – Viagem mais longa
Não tem maior relevância a informação que o jornal escolheu para o alto da pág. A6, ‘Bento 16 faz a viagem mais longa e distante’. Se o Brasil ficasse mais perto de Roma não seria tão distante. Ao Sul, seria mais. E daí? Bento 16 fez tão poucas viagens que o título parece ufanista.
Papa – João de Deus
É absolutamente questionável a afirmação da linha-fina da reportagem citada acima, dizendo que ‘vinda de Ratzinger papa se iguala em impacto político a 1980’. Há quase três décadas, o Brasil vivia uma ditadura militar, e a vinda de João Paulo 2º teve impacto histórico, com milhares de operários lotando um estádio a gritar ‘Liberdade’, e o papa retribuindo algo como (escrevo de memória): ‘O povo quer liberdade’. Hoje o Brasil vive uma democracia.
O texto precisa que o ‘impacto político’ se refere à Igreja. Talvez seja verdade, mas o peso que a Teologia da Libertação tinha em 1980 era muito maior do que agora. Pelo que tenho lido, inclusive na Folha, aquela corrente foi enfraquecida e derrotada. A Igreja da América Latina parece mais identificada com o Vaticano hoje do que então. Ou seja, o impacto na Igreja talvez tenha sido maior naquela época. É um balanço a ser feito ao fim da viagem.
Papa – Cifrado
A edição de hoje cita mais de uma vez os protestantes pentecostais. Quem são eles?
O leitor não é obrigado a saber.
Papa – ´Ficar`
A Folha escondeu no meio de uma pequena matéria de pé de página e não deu título com o verbo-chave (‘ficar’) a uma declaração do novo secretário-geral da CNBB sobre comportamento (‘D. Dimas cita Chico Buarque e faz crítica a relacionamentos’, pág. A6). O ‘Globo’ deu chamada na primeira página. O bispo auxiliar do Rio, d. Dimas Lara Barbosa, associou, mesmo de forma difusa, jovens que ‘ficam’ a garotas de programa. A declaração merecia mais destaque. Talvez fosse, se editado de modo diferente, o texto de maior interesse para leitores jovens.
Papa – Criatividade
Nome da seção de notas sobre a visita do papa: ‘Notas’ (pág. A8). É um convite à não-leitura.
Papa – Guia
É uma pena que a Folha tenha privado boa parte de seus leitores do guia de 24 páginas com o serviço sobre a visita do papa. Milhares de brasileiros de outros Estados se preparam para ir a São Paulo. Eles ficaram sem a publicação.
Papa – Chute
A pág. 20 do guia afirma, sobre a missa em Aparecida: ‘Celebração deve reunir 500 mil pessoas’.
A Folha já foi mais rigorosa no cálculo de multidões. Hoje, subscreveu chute de organizadores de evento.
As contas de Alckmin
O Painel publicou ontem notícia importante: ‘Parecer de técnicos do TSE recomenda a rejeição das contas de Geraldo Alckmin na campanha presidencial de 2006’. Já ontem a novidade merecia menção que não houve na primeira página.
Pensei que hoje haveria reportagem, mas não encontrei na Folha. O ‘Estado’ deu alto de página.
Aumento dos deputados
A Folha informa que ‘os deputados esperam que a repercussão negativa da medida [aumento salarial] seja diluída pela chegada ao Brasil, hoje, do papa Bento 16, que deve atrair para si o foco’ (‘Câmara vota hoje aumento para presidente e congressistas’, pág. A10).
Pelo visto, deu certo: o jornal condenou a notícia a uma única coluna, embora no alto de página. Deu mais espaço e visibilidade para a reportagem ‘Esquerda prepara alternativa ao PT para a eleição de 2010’, pág. A12).
CPIs e CPIs
O jornal dá espaço na pág. A11 à CPI do Apagão Aéreo da Câmara (‘CPI empurra Infraero para o final’) e a possível CPI do Apagão no Senado (‘Base governista questiona legalidade para criar CPI do Apagão no Senado’).
Não há reportagem, porém, sobre em que pé está a disputa para a instalação da CPI da Nossa Caixa na Assembléia paulista. Na origem da proposta de comissão está reportagem da Folha publicada no ano passado.
Erramos – Fórum de TVs
Há erro na legenda da foto que ilustra reportagem sobre o fórum de TVs públicas (pág. A13). O secretário do Audiovisual é o cineasta Orlando Senna, e não ‘Orlando de Salles’.
Expressão cifrada
A boa cobertura sobre a palestra do filósofo francês Bernard-Henri Lévy (pág. A15) cita uma vez no título (‘Para filósofo, Sarkozy usou discurso stalinista’) e três no texto a expressão ‘stalinista’.
O que é isso? Os leitores não são obrigados a saber.
Desconfio que há 20 anos mais leitores saberiam do que se trata. Há novas gerações que pouco ou nada ouviram falar do tirano soviético e seu regime. Não custa explicar.
PAC e síndrome do PAN
A reportagem ‘Em ritmo ´adequado` do PAC, Tucuruí foi prometida por Lula para final de 2006’ (pág. B4) deveria inspirar a Folha na fiscalização do poder público.
Não diga
Na edição Nacional (pág. C4), a reportagem ‘Energia solar pode virar lei em imóveis de São Paulo’ foi acompanhada da seguinte ‘lupa’ (aos leitores: o pequeno texto que está sobre a assinatura dos repórteres): ‘Se a lei for aprovada, empreendimentos a serem construídos, residenciais, comerciais ou industriais, terão de obedecê-la’.
Notícia seria se não tivessem.
Elasticidade
‘Flamengo: só placar elástico serve para equipe’ (pág. D1) é o título de nota.
‘Placar elástico’ é lugar-comum. O jornal faria bem se os evitasse.
Rindo de quê?
É lição antiga do jornalismo que texto e imagem devem se harmonizar. Reportagem na pág. D2 (‘Afetado pela burocracia, Carpegiani improvisa’) conta que ‘Magrão torceu o tornozelo e o pé esquerdo e praticamente virou desfalque para a estréia’ (no Campeonato Brasileiro).
A fotografia, contudo, mostra o jogador Magrão sorridente.
Caderno Pan – Conjunto
Parece bom o caderno sobre os Jogos Pan-Americanos publicado ontem, centrado no condicionamento dos atletas. É informativo e sóbrio _sem o oba-oba que contamina muitas coberturas mais promocionais que jornalísticas e, também importante, sem ranço anti-Pan.
Caderno Pan – Cotação
Em diversas reportagens o jornal usou valores do dólar na época dos Jogos. Deveria ter corrigido pela inflação dos EUA (se corrigiu, deveria ter avisado).
Exemplo: em 1959 (pág. 2) US$ 5 milhões valiam muito mais que US$ 5 milhões hoje.
Caderno Pan – Papel sobrando
Em um caderno interessante, com surpresas, que dá gosto de ler, a contracapa destoa: o primeiro personagem é um operário que trabalha na obra do Maracanazinho e só diz obviedades. Os passeios do Rio indicados pelo ginasta Diego Hypólito são igualmente previsíveis: Pão de Açúcar, Cristo Redentor, praia de Ipanema, praia de Copacabana e arcos da Lapa.
Erramos – Seqüestro
Está errada a informação de que o atual ministro Franklin Martins foi um dos 15 presos políticos banidos em 1969 no episódio do seqüestro do embaixador americano. Martins foi um dos seqüestradores (‘Diretor revê a luta armada ´em tempos antiutópicos´‘, pág. E3).
O texto introduz a expressão ‘luta civil armada’ contra a ditadura militar. Pelo ineditismo (pelo menos para muitos leitores) e caráter autoral, seria recomendável assinatura. A historiografia costuma empregar ‘luta armada’.
08/05/07
Há reportagens que, embora formalmente corretas, são um equívoco jornalístico. É o que parece ocorrer com a cobertura da Folha hoje sobre a França.
Dois dias depois da vitória do candidato de direita Sarkozy, as indagações politicamente mais relevantes dizem respeito aos movimentos do presidente eleito, e não às brigas intestinas do Partido Socialista. Não é o que o jornal considerou.
O título do alto de página ‘Partidos franceses miram eleição de junho’ (pág. A12) não traduz o centro da matéria, o confronto interno do PS. Chamada na primeira página da edição Nacional (retirada, com razão, na edição São Paulo/DF) era mais fiel ao texto: ‘Após a derrota, Ségolène perde espaço no partido’.
Não se trata de perguntar ‘e daí?’, mas quase. Mais importante é falar das relações da França com os EUA (e a Guerra do Iraque) e a União Européia, da política em relação aos imigrantes (inclusive brasileiros), do endurecimento da lei sobre greves, da flexibilização dos contratos de trabalho, da discussão com o Brasil sobre subsídios à agricultura. Muda mesmo alguma coisa? Não importa que muito tenha sido adiantado. O ponto é: como Sarkozy começará o seu governo?
A questão central das eleições legislativas de junho não é o desempenho dos socialistas, mas a provável maioria que os aliados do novo eleito farão, inclusive com o apoio de deputados hoje no centro, porém oriundos em boa parte da direita.
Há outro aspecto: a crise do PS não é novidade. Cinco anos atrás seu candidato não chegou nem ao segundo turno na disputa da Presidência.
A Folha fez uma cobertura hoje como se fosse um jornal francês de centro-esquerda ou esquerda que acompanha com mais atenção o que se passa nesse espectro de pensamento.
Jornalisticamente, o pior foi publicar uma edição inteira, sem exceção, com textos que poderiam ter sido produzidos na Redação.
É natural que o leitor se pergunte quem são os manifestantes que queimam carros às centenas e são detidos em igual proporção. O que dizem, como vivem, o que querem. Isso pode ser feito sem a frieza distante e avessa ao gênero da reportagem que está presente em muitos despachos das agências internacionais.
Elas devem ser um apoio ao que o repórter vê com os próprios olhos e conta com a sua pena. Na Folha de hoje, é a Redação que escreve, a partir dos relatos das agências, a retranca ‘Protestos anti-Sarkozy têm 600 detidos e 700 carros queimados’ (pág. A12).
Na Folha, há conhecimento e talento para fazer uma cobertura muito melhor sobre os dias seguintes à vitória de Sarkozy.
Resistência
Parece impróprio o título do texto-legenda da primeira página, ‘Resistência francesa’. Como remete ao movimento de oposição à ocupação nazista e sua república fantoche durante a Segunda Guerra, tem conteúdo historicamente simpático. Ao associar implicitamente a velha Resistência aos manifestantes anti-Sarkozy, a Folha editorializa o que não deveria, a notícia.
Que fim levou…
a CPI da Nossa Caixa, que a Justiça mandou instalar na Assembléia paulista? O assunto sumiu das páginas da Folha.
Bolsa Família
A discrepância entre os 330 mil benefícios bloqueados no programa Bolsa Família, segundo a primeira página, e os 331 mil citados internamente (aqui, com acerto no arredondamento, pág. A4) é detalhe.
O que pareceu faltar na reportagem foi a hipótese de que a notícia seja positiva: haveria centenas de milhares de pessoas cuja renda cresceu. Ou seja, o bloqueio refletiria um avanço social, mesmo que diminuto e restrito (3% das famílias que recebem o auxílio).
Sem tradução
O texto ‘Estado não pode ignorar o aborto, diz Lula’ (pág. A6) não explica o que é a tal ‘Adin’ citada pelo presidente.
O leitor não é obrigado a saber. Cabe ao jornal informar.
Palavra da Igreja
A Igreja Católica tem todo o direito de dizer que quer poucos e bons fiéis em certas regiões. Não é recomendável a Folha assumir como sua a versão (‘Na Ásia, onde igreja cresce, aposta é em poucos e bons fiéis’, pág. A9). Será que a Igreja não prefere que sejam muitos e bons os fiéis? Ceticismo faz bem no jornalismo. Não é papel do jornal servir de porta-voz, mesmo involuntariamente, para instituições.
Jantar
O título de alto de página ‘Governador janta com detido pela PF’ (pág. A11) induz ou permite a interpretação a pensar que Luiz Henrique compartilhou a refeição com alguém que ainda estava preso. Ao conceder tamanho destaque, o jornal dá a entender que o encontro foi um erro. Ocorre que o empresário não está preso e não tem condenação. Poderia até haver breve registro, mas não o que hoje pareceu um exagero.
PAC, palavra oficial e jornalismo
O jornal noticiou o balanço oficial sobre o andamento do Programa de Aceleração do Crescimento. Cabe, agora, fazer reportagem, cotejando a palavra oficial com a realidade _inclusive, se for o caso, para confirmá-la.
Batalha da Sé
A Folha optou pela maneira mais cômoda e menos jornalística para esclarecer o que houve na madrugada de domingo na praça da Sé, quando a Polícia Militar e parte do público se confrontaram durante show dos Racionais.
Diz o jornal (‘Prefeitura fará um show de desagravo à Virada Cultural’, pág. C7) que os Racionais não quiseram se pronunciar, e que a PM os acusa de incitar a platéia ao confronto.
Ao contrário do que parece, a questão não está resolvida para o leitor. Pode estar para os artistas e os policiais. Por que a Folha não conta o que o líder do grupo disse no palco? Ajudaria os leitores a chegar a uma conclusão.
Mais: a nota ‘Colado à banca’ (pág. A10) afirma que um colunista da Folha estava na Sé, em local privilegiado para narrar o episódio. Aparentemente, mais bem situado que outros repórteres. Por que o jornal não publica o seu relato de testemunha ocular?
Caderno do Pan
Não foi possível ler hoje o caderno. Eventuais observações serão feitas na crítica de amanhã.
07/05/07
Não faz muitos anos que a Folha resolveu ‘desestatizar’ seu noticiário. A decisão tinha um mérito: não subordinar o jornalismo à agenda estatal . Em minha opinião, havia um problema: subestimar o papel de fiscal do poder que o jornalismo deve exercer. Felizmente, essa função não foi secundarizada. A ‘desestatização’ deixou de ser discutida (pelo menos com o entusiasmo do início).
No que tem de interessante, ela deveria ser retomada. Roberto Mangabeira Unger é o sexto ministro a ser personagem das sete últimas entrevistas de 2ª. A entrevista semanal em seção fixa, seja em diários ou hebdomadários, precisa surpreender. Seja pelos personagens, os temas ou as abordagens.
É tudo o que não acontece na ultraprevisível entrevista de 2ª nas semanas recentes.
(Como de hábito, esta crítica aborda as três últimas edições da Folha.)
Edição de segunda, 7 de maio
Mangabeira
A despeito de ser editada em seção que me parece imprópria, já saturada de ministros, a entrevista com Mangabeira Unger é boa.
Senti falta de uma ficha com informações básicas a respeito do entrevistado, nos moldes que um dia foi o padrão da seção. Os leitores não são obrigados a saber, por exemplo, por que o futuro ministro fala com sotaque americano.
Só dá ministro
Além do pingue-pongue com Mangabeira, a Folha publicou hoje outra entrevista no mesmo formato com mais um ministro (Temporão). No sábado, idem com a ministra Marina.
A Folha não lê a Folha?
A nota ‘Bilhões e a liberdade’ (pág. A6) dá a impressão de ignorar que a entrevista de Rupert Murdoch, publicada no ‘New York Times’, foi reproduzida na Folha de sábado.
A nota provoca a sensação estranha de ler, no mesmo jornal, traduções diferentes para passagens da reportagem original. No sábado (págs. B12 e B13), uma declaração ficou assim: ‘Não estamos chegando com uma equipe de corte de custos’. Hoje: ‘Não estamos chegando com um bando de cortadores de custo’.
No sábado saiu ‘atrair a atenção dos proprietários’. Hoje: ‘chamar a atenção dos proprietários’.
Jornal é feito para o leitor
Em duas retrancas diferentes (os textos principais das págs. A8 e A9) o jornal obriga os leitores a fazer contas. Primeiro, diz que a passagem de Bento 16 pelo Brasil ‘começa no próximo dia 9’. Deveria dizer: ‘depois de amanhã’ ou, opção, ‘na quarta-feira’.
Depois, conta que o papa fará visita ao país ‘entre os dias 9 e 13 deste mês’. É mais simples dizer: de quarta a domingo.
Sei que se trata de obviedade, mas é obviedade que segue atual.
Frade, não frei
A retranca ‘Mulher do milagre de frei Galvão se casa na igreja diante do filho de 7 anos’ (pág. A9) contém o que parece ser uma incorreção (pelo menos foi o que aprendi com religiosos): trata ‘frade’ como ‘frei’. A denominação ‘frei’ exige que venha acompanhada do nome religioso. Caso contrário, se usa ‘frade’. Há frades franciscanos, não freis franciscanos.
Profissão repórter
Diz o título do alto da pág. A15: ‘Zonas ambientais têm 587 garimpos’. Concordo que a notícia merece destaque, mas o jornal poderia ter visitado pelo menos um dos 587 (!) garimpos, para contar como é a vida lá.
Não cabe ao jornalismo simplesmente reproduzir estudos alheios. Ele pode acrescentar o seu olhar, expor como a vida é. Há muitas histórias atrás dos números, mas não é ficando na Redação que o jornal as descobrirá.
E a ordem do presídio?
A reportagem ‘Chegam a quatro os mortos em operação na Vila Cruzeiro’ (pág. C4) diz que a operação da Polícia Militar contra traficantes do morro do Rio começou na quarta. Parece que não houve interrupção. No sábado, porém, a Folha informou (como todos os jornais) que uma ordem oriunda de presídio fez com que os criminosos parassem de atirar. No texto de hoje, não há uma só referência ao fato. Quem leu o texto de sábado não entende o de hoje. Do presídio mandaram os traficantes atacar? E, quando os bandidos interrompem o tiroteio, a polícia obrigatoriamente os imita?
Há outros problemas: o texto não diz o que aconteceu com o menino João Hélio depois que ele ‘começou a ser arrastado’ em fevereiro. O leitor não é obrigado a saber.
Outra dúvida: a PM está ocupando o morro? Se não está, por quê? Não considera importante a ocupação? Ou não tem força para ocupar?
Jornalista morto
O assassinato do jornalista Luiz Carlos Barbon Filho deve receber a atenção da Folha. A polícia suspeita de morte por encomenda por causa de reportagens escritas por ele. Como o crime ocorreu em cidade pequena, cresce a hipótese de logo cair no esquecimento. O jornal fez bem em conceder um alto de página (‘Jornalista que apontou exploração sexual é morto’, pág. C5).
Pan – Espírito esportivo?
A Folha mantém hoje a boa qualidade da cobertura das mal-explicadas seletivas do judô para os Jogos Pan-Americanos. Vale investigar ainda mais os bastidores que fizeram com que o judoca Flávio Canto obtivesse vaga no Pan sem precisar enfrentar um adversário do seu peso. Seu rival será obrigado a lutar em uma categoria acima. Havia temor de que Tiago Camilo o batesse em seletiva? Não devem faltar histórias sobre o arranjo.
Brasil do tamanho de SP
O jornal gasta míseras 11 linhas para noticiar, em minúsculas notas, as decisões dos Campeonatos Estaduais de futebol de MG, RS, PR, e BA. Os concorrentes deram muito mais espaço para os campeões de outros Estados. Em mais uma segunda, o ‘Placar’ da Folha ocupa a quinta parte do publicado pelo ‘Estado’. Os leitores não são somente os de São Paulo, e mesmo na capital vivem milhares de leitores de fora, que querem saber do esporte em suas terras de origem.
Atitudes como a de hoje, de praticamente ignorar os Estaduais, provocam irritação em um espectro amplo de leitores que não deve ser menosprezado.
Confronto na Sé
A cobertura da baderna na Sé por ocasião de um show tem uma série de problemas (‘PM e fãs dos Racionais se enfrentam na praça da Sé’, pág. E4): que eu tenha reparado, não diz quando ocorreu (se na madrugada de sábado ou domingo); quantos policias militares participaram da refrega?; só na arte se sabe quantas pessoas havia no local (o leitor não é obrigado a procurar na arte informações essenciais); não é informada a gravidade dos ferimentos; o texto diz que a banda havia tocado 30 minutos quando iniciou a confusão, enquanto a arte crava 25 minutos; o texto afirma que a confusão começou às 5h, e a arte sustenta que foi às 4h40; a PM acusa o grupo musical de ter incitado o público contra os policiais, mas o jornal não ouve o ‘outro lado’ _este é o problema jornalisticamente mais sério.
Para iniciados
Faz bem, claro, a Folha em cobrir o Skol Beats. O problema é quando só iniciados conseguem acompanhar o texto (‘Garnier redime Skol Beats depois de estréia fraca’, pág. E6). Fala-se em tecno, minimal, minimalismo e electro-rock. O jornal não precisa ferir os leitores que sabem o que isso significa, abrindo parênteses para explicar. Basta publicar um glossário que permita a não-especialistas entender uma reportagem como a de hoje.
Caetano, o leitor
Seria importante que o Folhateen, além de publicar a opinião do leitor Caetano Veloso sobre o caderno (‘Caetano desce o cacê…’, pág. 8), considerasse suas observações. Mesmo que para discordar. Às vezes, de fato, o *Folha*teen dá a impressão que ‘quer se parecer com um tablóide de rock inglês’.
Edição de domingo, 6 de maio
O caderno e o desafio
A Folha pareceu nos últimos anos se sair bem na maioria das ‘grandes coberturas’ e deixar a desejar no noticiário do dia-a-dia.
O caderno ‘Religião’ reforça a impressão, já desenhada com o bom trabalho que antecedeu a visita de Bento 16 ao Brasil.
O caderno parece um trabalho jornalístico muito bom. Ao contrário do que o jornal se habituou a fazer, dessa vez enriqueceu o levantamento do Data*Folha* com reportagens, histórias de gente.
As fotografias foram valorizadas pela impressão em preto & branco em muitas páginas.
O projeto gráfico é de bom gosto, com o aproveitamento feliz de medalhas, terço, escapulários, cruz e pulseira adornada com figuras de santos. Os brancos permitem que se ‘respire’ na travessia pelas dez páginas.
Outro mérito são os relatos claros, feitos para o conjunto dos leitores, não apenas aos iniciados.
Há pequenos problemas que não ofuscam a qualidade do trabalho: faltou explicação didática do que são evangélicos pentecostais e não pentecostais, a informação sobre que templo freqüenta a personagem que abre a principal reportagem da pág. 5, o fato de três dos quatro depoentes na rubrica ‘Eu acredito’ estarem na contramão dos 97% dos consultados que acreditam em Deus.
Leitores apontam outros problemas e erros.
São detalhes que não tiram o brilho da conspiração de bom jornalismo que resultou no caderno (eu o li na íntegra). Ele traz um desafio à Folha: manter esse padrão na cobertura da visita do papa.
*Em compensação…*
A Revista da Folha presta um desserviço aos leitores ao noticiar como sugestão ‘independente’ os vinhos para combinar com os pratos que serão oferecidos ao papa (‘Papa celestial’, págs. 24 a 26).
O jornal informou que a consultoria foi da ‘sommelière’ Anna Rita Zanier, da Expand. Faltou dizer que uma empresa do mesmo grupo doou os vinhos para Bento 16 e seus acompanhantes.
Ou seja: a consultora não escolheu por acaso os três vinhos citados. Garrafas dos três serão doadas. Acontece que os doadores estão obtendo um fabuloso retorno de marketing com a publicidade que lhes é oferecida de graça, pela Folha inclusive.
Quem será que vende no Brasil os vinhos indicados pela consultora?
Não é errado esclarecer que rótulos acompanharão cada prato e refeição. O errado é não informar os leitores sobre as relações existentes. O vinho branco chileno indicado pela consultora é comercializado pela empresa para a qual ela trabalha?
O que deveria ser um serviço aos leitores não é. Trata-se de publicidade dos ‘doadores’.
Boa edição
O jornal de domingo tem bom material: ‘Perda do controle de satélites prejudica segurança militar’ (pág. A4); ‘Na Paraíba, jogo do bicho tem o amparo do governo estadual’ (pág. A6); ‘Iraquianos criam nova Bagdá na Síria’ (pág. A27); ‘Brasil começa a viver ´apagão` logístico’ (pág. B2); ‘´Brasil se igualou à junta militar da Tailândia´‘ .
Avalia, sete vezes
‘Avaliando’, ‘avaliação’, ‘avalia’, ‘avalia’, ‘avaliações’, ‘avaliado’, ‘avalia’.
Essas palavras são citadas na reportagem ‘Por 2010, Lula quer aproximar Ciro do PT’. O leitor agradece quando não há repetição excessiva da mesma expressão ou de variantes.
Subestimada ou superestimada?
A boa reportagem sobre o jogo do bicho na Paraíba e em outros cinco Estados parece conter um problema na retranca ‘Procuradoria da República questiona autonomia do Estado para explorar jogo’ (pág. A6).
João Pessoa tem 15 bancas autorizadas para operar o jogo; um operador do bicho diz que as bancas faturam, juntas, cerca de R$ 200 mil mensais; a Folha ouviu de apontadores que cada banca tem média diária de R$ 200 a R$ 300 em apostas; e o jornal diz que a projeção de R$ 200 mil parece subestimada.
Pelas minhas contas, se a média for de R$ 200 diários, em 30 dias a arrecadação será de R$ 6.000 por banca. Como são 15, dá R$ 90 mil por mês.
Se o faturamento for de R$ 300 diários, no mês a soma é de R$ 135 mil.
Ou seja, pela apuração da Folha os R$ 200 mil são valor superestimado, e não subestimado.
O fim antes do início
Pela terceira vez em poucas semanas, a editoria ‘Brasil’ publica a reportagem introdutória depois de uma que é acessória. Essa metodologia exige paciência para não abandonar a leitura.
Pelo menos cinco vezes a localidade de Tambaú é citada no texto ‘Por razões variadas, peregrinos fazem caminho até o papa’ (pág. A14; ‘Por ra…’ é cacófato). Só que não há referência geográfica: onde fica? Só na página seguinte é que se descobre.
O jornal deveria rever essa maneira de editar. Ela se parece com os velhos filmes exibidos com rolos fora de ordem, por engano de projeção.
Em duas páginas sobre o ‘caminho da fé’, não há mapa. As artes e foto são secundárias, em comparação com o mapa ausente.
Sem tradução
O que é ‘line-up’, expressão presente no texto ‘Atrações canceladas atrapalham Skol Beats’ (pág. A18)?
O leitor não é obrigado a saber.
Testemunha ocular
Na boa apresentação da eleição francesa, destaca-se a retranca ‘Em Paris, debate sobre eleição está em cafés e metrô’ (pág. A24). É uma pena que tenha saído escondida, em uma coluna. É o único texto que não poderia ter sido feito da Redação. Tem cor e calor locais.
Maioria que perde
Tudo bem que a história do comunismo é repleta de episódios sem lógica aparente e a democracia passa longe, mas parece estranha uma frase na tradução da reportagem do ‘Le Monde’ ‘Ex-PC italiano chega à última estação’ (pág. A26). Diz que ‘em 1991, a maioria do PCI optou pela secessão para criar o Partido da Refundação Comunista (PRC)’.
Não seria a minoria? Em 1991 surgiram novos nome e símbolo do velho PCI. Essa mudança parece ter sido decisão da maioria, e não da minoria.
Sem memória
O texto ‘Avião com 114 pessoas some na África’ (pág. A29) tem até memória sobre outro acidente de aeronave que partiu de Abdijã, na Costa do Marfim, em 2000.
Mas nada fala sobre um célebre desastre da aviação brasileira, há cerca de duas décadas, quando um avião da Varig decolou em Abdijã e caiu logo depois.
A memória que as agências forneceram saiu, mas o acidente que interessa em particular aos brasileiros, não.
Papel sobrando
Impressiona a publicação de texto-legenda de trem de um lado e carros de outros na pág. A31 (‘Trânsito livre’). Diz: ‘Na cidade de Bancoc, Tailândia, enquanto alguns escolhem o transporte de massa, outros optam pelo uso do automóvel’.
Lá, aqui e em todo lugar.
Boas notícias
Economia tem três boas notícias: ‘Apesar de câmbio, indústria gera emprego’, ‘Brasil começa a viver ´apagão` logístico’ (a falta de caminhões indica a economia aquecida) e ‘Governo acelera o PAC na véspera do balanço’.
Para os leitores da Folha, eventual tropeço no setor econômico será uma enorme surpresa.
Quantos?
A reportagem ‘Favela atrapalha expansão de Cumbica’ (pág. C4) diz que 5.000 famílias vivem na ‘comunidade’ Jardim Regina. Adiante, afirma que as 5.000 famílias moram, na verdade, em 25 favelas.
Que número é o correto?
(É ótima a fotografia feita na vizinhança de Cumbica.)
Massacre 1
A pág. D2 tem duas notas do Painel FC, a rubrica ‘Dividida’ e uma reportagem inteira (‘Título é chave para diretoria santista abafar insurreição’) em que as informações e declarações são ruins para Vanderlei Luxemburgo.
Penso que a Folha deveria ser mais equilibrada na cobertura do Santos e de seu técnico.
Massacre 2
O texto ‘Corinthians afasta Roger como exemplo’ (pág. D8) faz uma série de afirmações negativas sobre o jogador.
Ele não foi ao menos procurado pelo jornal para oferecer sua versão.
Outro regulamento
Está errada a informação de que, se vencer o Defensor por três gols de diferença, o Flamengo decidirá nos pênaltis a vaga nas quartas da Libertadores (‘Sob pressão, Flamengo decide com o Botafogo’, pág. D8). Isso só ocorrerá se o placar for 3 a 0 para o time do Rio. Se vencer por 4 a 1, 5 a 2 etc., estará eliminado. É preciso corrigir.
Edição de sábado, 5 de maio
Faltou dizer
Muitos leitores não entendem a hierarquia da CNBB. A reportagem ‘Bispo auxiliar do Rio, d. Dimas é eleito secretário da CNBB’ (pág. A8) não informa se ele é o primeiro da hierarquia, o segundo, o terceiro. O leitor ficou sem saber a importância da sua eleição como novo secretário-geral da entidade.
Capricho
‘Murdoch’, ‘Muerdoch’ e ‘Musrdoch’. Assim, com três grafias diferentes, foi escrito o nome do empresário que quer comprar o ‘Wall Street Journal’ (págs. B12 e B13).
Massacre 3
O texto ‘Tribunal esportivo do ES bane do futebol agente de Nilmar’ (pág. D4) contém acusações graves, mas nem sinal de ‘outro lado’.’