Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nova ordem influencia a mídia tradicional

The New York Times mais uma vez pede desculpas por haver praticado mau jornalismo, agora admitindo que aceitou em suas páginas reportagens tendenciosas que serviram como justificativa para a invasão do Iraque. No entanto, como no caso de Jayson Blair, o tradicional periódico nova-iorquino age como se tivesse sido atingido por um vírus externo – ou seja, penitencia-se por certa vulnerabilidade mas debita o erro a alguns de seus jornalistas, lembrando que seus editoriais mantiveram-se sempre críticos quanto às decisões militares do governo Bush.

A revista britânica The Economist (27/5) encerra a mesma última semana de maio observando o fenômeno da criação, por parte de alguns grandes diários, de edições mais leves, em formato tablóide, como alternativa para seus títulos tradicionais e como tentativa de renovar seu público pela atração de mulheres e jovens.

Um e outro caso têm relação com a rápida evolução do jornalismo participativo sobre o qual tratamos neste Observatório semana passada [veja remissão abaixo]. Em primeiro lugar, The New York Times não se moveu por livre e espontânea vontade. Seu estilo é mais para a arrogância, como ocorreu no caso da reportagem de Larry Rohter sobre supostos hábitos alcoólicos do presidente do Brasil, caso em que se nega a considerar qualquer reparo. The New York Times é movido, no caso do noticiário sobre supostas armas de destruição massiva no Iraque, por webloggers entre os quais, com certeza, o mais influente é Robert Cox, que acabou provocando uma mudança na maneira como o jornal corrige seus erros.

Credibilidade é o ponto

Cox e outros observadores ativos da imprensa internacional são capazes de repetir por meses a fio em seus blogswebsites com formato jornalístico –, alertas sobre erros em artigos e reportagens dos grandes jornais e redes de televisão, exigindo publicamente correções e retratações. A novidade é a recente iniciativa da editora de opinião do NYTimes, Gail Collins, de criar regras mais severas para seus colunistas depois de o editor público do jornal, Daniel Okrent, haver tomado um café da manhã com Robert Cox. Ou seja: os personagens da nova ordem já influenciam a mídia tradicional.

No caso da Economist, que em reportagem publicada quinta-feira (27/5) comenta a criação de versões em formato tablóide de alguns dos mais tradicionais diários do mundo, o que se nota é uma reação em papel contra um fenômeno que cresce pela via eletrônica (veja ‘The newspaper business: Tabloiditis’ em http://www.economist.com/printedition/displayStory.cfm?Story_ID=2709603).

Desde que se convencionou considerar mais sérios os jornais em formato standard e menos sérios, ou mais espetaculosos, os jornais em formato tablóide – principalmente pelo estilo adotado na Inglaterra e na Alemanha por periódicos em tamanho reduzido –, é a primeira vez que se registra a adoção do formato pequeno por jornais tradicionais em grande escala, como estratégia para atração de novos leitores.

No Brasil, jornais importantes lançaram edições ‘populares’ para aproveitar o surgimento de uma nova classe média nos bairros pobres, verificado após o Plano Real, mas manteve-se o formato original e o noticiário tem quase sempre a mesma procedência, mudando-se apenas as prioridades de edição, com mais destaque para temas que se supõe mais apreciados pelas classes menos educadas da população.

No cenário internacional, o que move as grandes empresas de mídia é uma combinação de fatos que tem entre seus ingredientes o envelhecimento e morte dos assinantes dos jornais tradicionais e a recusa dos leitores mais jovens e das mulheres em comprar jornais de tamanho standard, preferindo o formato tablóide, mais fácil de manipular no metrô ou nos ônibus urbanos.

O Times e o Independent, de Londres, lançaram edições em tamanho menor, e o alemão Die Welt também ganhou um irmão caçula, chamado Welt Kompakt. Nos Estados Unidos, o Chicago Tribune e o Chicago Sun-Times também lançaram edições em formato pequeno dirigido aos leitores mais jovens. A Associação Mundial de Jornais, citada pela Economist, calcula que pelo menos 30 outras empresas de mídia estão planejando lançar um novo título ou reduzir o tamanho de suas páginas. Um dos problemas é a provável diminuição, proporcionalmente, do valor dos anúncios em páginas menores e a redução da idade média dos leitores, o que se reflete no tipo de interesse e capacidade de compra que oferecem.

Outro problema, não tratado pela Economist, refere-se ao crescimento da credibilidade dos meios eletrônicos independentes e ao desenvolvimento da tecnologia digital, que aumenta as chances de consolidação da mídia mais interativa.

Empresas atrasadas

Um estudo que está sendo desenvolvido por Cameron Marlow, do Laboratório de Mídia do Massachusets Institute of Technology, apresentado preliminarmente sexta-feira passada no congresso da Associação Internacional de Comunicação, em New Orleans (EUA), indica que o jornalismo praticado embrionariamente nos weblogs pode evoluir para formas muito eficientes de comunicação – e oferecer aos anunciantes a possibilidade de conhecer com mais acuidade o público do que tem sido possível pela análise dos hábitos de leitura dos jornais.

Segundo Marlow, a observação dos usuários de meios eletrônicos via internet é mais direta, e, mesmo com a utilização de metodologias tradicionais, pode-se entender com mais rapidez e precisão seus interesses e o tempo que devotam a cada tema. O fato de os participantes desses novos meios se comportarem de maneira mais interativa e de ser, cada leitor, um redistribuidor potencial do conteúdo, pode se revelar extremamente valioso para os anunciantes, num futuro muito mais próximo do que imaginamos. Além disso, quanto mais demoram as mídias tradicionais em adotar inovações – mesmo mudanças pontuais, como a redução do tamanho de suas páginas – mais distantes elas ficam das novas gerações de leitores, crescentemente cooptadas pelos meios eletrônicos de informação e entretenimento.

Marlow cita estudos quase clássicos, da década de 1970, para referendar suas observações sobre a consolidação de redes de relacionamento a partir de sistemas interativos de mídia. Ele utiliza, por exemplo, a análise da rede social (ARS), uma disciplina das Ciências Sociais que tenta explicar o fenômeno social através da interpretação estrutural da interação humana, para explicar como se formam lideranças e pontos de credibilidade nas redes. Apresenta gráficos, nos quais os indivíduos são caracterizados por nós ou confluências, enquanto seus relacionamentos são representados pelos limites entre esse nós.

O grau de influência entre os nós de cada rede pode ser medido pelo número e freqüência de interações que envolvem cada nó, bem como pela extensão de relacionamentos que cada um deles origina. Nas redes de relacionamento pela internet, pode-se calcular a relevância de cada indivíduo ou cada ponto emissor de notícia e opinião, imaginando-se um complexo de teias estendidas em múltiplas direções e a capacidade de cada nó de expandir os relacionamentos em diferentes sentidos. A liderança de cada ponto emissor é mensurada não apenas pelo fluxo de informações que partem dele e chegam a ele, mas também pela chamada repercussão, ou pela intensidade como um impulso ou notícia partido de seu nó é replicado e comentado em outros pontos da teia.

A alegada dificuldade de monitorar um sistema aparentemente caótico está se diluindo rapidamente. Por trás do que se supõe ser o caos existe uma ordem em constante renovação que, segundo Marlow, já pode ser mensurada com precisão. Mesmo que se trate de públicos extremamente mutantes, se comparados aos grupos de leitores de jornais, a barreira do conhecimento de seus interesses e comportamentos já caiu. Mesmo nesses sistemas sociais informais ocorre um determinado padrão que pode ser mensurado em termos de relevância e repetição, o que permite detectar, por exemplo, a escalada de comportamentos anti-sociais ou a predominância de gostos ou tendências em certos grupos.

Um pouco mais de inteligência de negócio e o mundo será apresentado a uma mídia completamente nova e surpreendente. As empresas tradicionais estão atrasadas.

E os jornalistas? Ainda acham que isso é tema para Júlio Verne?

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Jornalista