Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nunca mais seremos os mesmos

Já alguém disse que nunca mais fomos os mesmos depois do cinema. A linguagem cinematográfica influencia nossa maneira de ver, de escrever, de falar, de existir. Não posso mais dizer ‘eu te amo’ sem interpretar alguma cena que eu já vi e esqueci. Felizmente ou infelizmente, jamais serei o mesmo depois de Truffaut, Buñuel, Hitchcock, Woody Allen, Fellini, Pedro Almodóvar…

Já não somos os mesmos depois da televisão, e mais ainda com o advento do controle remoto. Nossa visão está orientada pela visão da tela, telescópio caseiro. Quantos de nós ligamos o aparelho mal chegamos em casa, apenas para ouvir alguém falando, vislumbrar alguém se mexendo… Quantos de nós almoçamos e jantamos com essa companheira, que por vezes se duplica em outro quarto, ou até se triplica na cozinha… Quantos dormimos ao seu lado… E nas salas de espera, e nos prontos-socorros… Até mesmo em agências bancárias nossa querida amiga eu já encontrei, desviando meu olhar para longe.

Passo à frente

Já não seremos os mesmos depois do celular. Estou exposto, na calçada, a todas as ligações. Sou interceptado pelo chefe, pela esposa, pela filha, pelo amigo, pelo credor. Torpedos me alcançam. E eu também posso atingir outras pessoas, falar com elas (perigosamente) enquanto atravesso a rua, tomar decisões sobre la marcha, como dizem os espanhóis.

Não, nunca mais seremos os mesmos depois da TV, do celular… Depois da internet! Recebo dezenas de mensagens por dia, tantas delas enviadas por gente que nunca vi e nunca verei. Não consigo responder a todos. Não consigo atualizar meu blog. Não consigo dar conta de tantos recados. Passaria o dia inteiro recebendo e mandando bilhetes eletrônicos. Passaria o dia, macaco virtual, pulando de link em link.

Não, não seremos mais os mesmos, não escreveremos do mesmo modo, não pensaremos da mesma forma.

Já não somos os mesmos, depois de Kafka, Tolstói, Clarice e Guimarães Rosa. Já não somos os mesmos a fazer sexo depois de Freud. Já não somos os mesmos depois de Marx, Sartre, Heidegger. Leiamos ou não essa turma, essa turma alterou nossa maneira de caminhar no mundo, de conversar, de tomar um cafezinho…

Particularmente, nós, brasileiros, nunca mais seremos os mesmos depois de Lula-PT na presidência. O primeiro proletário no poder jamais esqueceremos.

Perdemos mais um véu da nossa santa ingenuidade.

Demos um novo passo à frente.

Para onde?

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Doutor em Educação pela USP e escritor