Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Noticiário saturado da visita do papa

A mídia tem por função notificar fenômenos naturais e, fundamentalmente, cobrir fatos históricos, narrar ocorrências da história humana. Feita por humanos, e os humanos sofrem influências do meio, do contexto em que vivem, às vezes fica difícil para esta mídia ponderar a respeito do que se coloca no ar.

A mídia brasileira, entre 9 e 13 de maio, saturou o nosso povo com a visita de um chefe de Estado. O papa é um líder religioso e uma autoridade estatal, o chefe do Estado do Vaticano, uma entidade religiosa que manteve uma grande influência sobre o aparelho estatal em todo o Ocidente durante toda a Idade Média. Só que, paradoxalmente, mesmo depois da cisão entre Igreja e Estado, mesmo depois que o Estado se tornou laico, ainda se dá uma relevância incomensurável a uma figura que, ideologicamente, simboliza o ancien régime (antigo regime). O que, sob uma ótica moderna, no sentido lato da palavra, significa o que há de mais obsoleto e anacrônico na nossa civilização.

Após o período do apogeu do logos, da razão como lógica a uma vida pública, nos séculos 5 e 4 a.C, na Grécia, tivemos uma lacuna na história marcada por um apogeu da influência das leis teológicas na vida do povo ocidental. Mas, com o surgimento do Iluminismo, vislumbra-se uma derrocada do que se convencionou a chamar ‘idade das trevas’. Esta nomenclatura dada à Idade Média se justifica pelo fato de, naquele período, as discussões se furtarem da cientificidade. O contraditório é que, estando nós em pleno o século 21, com a consideração da virtude cívica como princípio da vida republicana democrática, ainda se dá tanta ênfase a uma figura simbólica do regime antigo.

Paradigma familiar

Montesquieu (1689-1755) foi um ardoroso defensor do princípio republicano. Segundo o autor de L´Espirit des Lois (O Espírito das Leis), a política deveria ser trazida para fora do campo da teologia. A ciência política precisaria estar eminentemente no terreno laico. As leis que regem a política, segundo Montesquieu, são forjadas por relações entre classes sociais pelas quais a população se divide. No interior da sociedade, com toda o criticismo necessário, se configuram as formas de organização econômica, as formas de distribuição do poder e as resoluções das problemáticas inerentes à vida púbica e laica. Por isso, o nosso governo – e especialmente a mídia – não deveria dar tanta relevância a figuras que representam uma posição tão retrógrada quanto Bento 16.

A questão do uso da camisinha, por exemplo, é uma prerrogativa que diz respeito à saúde pública e ao planejamento familiar. Atualmente, a AIDS é uma pandemia que, mesmo com o uso do preservativo, ainda faz milhares de vítimas em todo o mundo. Vivemos um paradigma familiar que, por vários motivos, não permite às famílias terem vários filhos. Tanto a sustentação material, como o aspecto cultural, não proporcionam condições às famílias de terem muitos filhos. As instituições de controle social, a família e, a própria Igreja não têm mais controle sobre os nossos adolescentes.

Mais uma TV para a Igreja?

Precisamos fazer alguns questionamentos. Ao invés de estarmos dando tanta atenção para anacronismos, por que nós, sociedade civil, classe trabalhadora, governo, imprensa etc., não nos debruçamos sobre a base real da nossa historia? Saibamos que os problemas humanos só encontram resoluções na práxis racional humana.

Os nossos problemas ainda são muitos. Ainda temos umas das piores educações do mundo, apesar de há alguns séculos as escolas católicas estarem implantadas no nosso território. Como se vê, estruturalmente nada mudou muito no nosso Brasil católico. E quando a sociedade civil se movimenta, protesta e reivindica uma educação laica no sentido lato da palavra, a mídia dá pouca ênfase.

Em 25 de abril último, os educadores de todo o país foram a Brasília cobrar dos poderes constituídos políticas educacionais mais profícuas e melhores salários para os professores, que neste país ganham salários de fome. Retornando para casa, pensei: ‘A imprensa vai fazer uma boa cobertura e vai incitar a sociedade a um debate extenso.’ Para minha decepção, no dia seguinte, os nossos telejornais não falaram quase nada sobre o assunto. Sendo assim, continuo compactuando com a crítica de Alberto Dines: por que a concessão de mais um canal de televisão à Igreja?

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Professor substituto de Filosofia da Educação na Universidade Federal de Goiás (campus de Jataí)