Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As aparências enganam

Um erro primário quase comprometeu a cobertura que Bob Woodward e Carl Bernstein faziam do ‘escândalo Watergate’ para o Washington Post, no início da década de 1970, que acabaria por imortalizá-los como os mais famosos jornalistas de todos os tempos. Depois de uma conversa em off com Hugh Sloan, um dos poucos funcionários honestos na Casa Branca de Richard Nixon, os dois repórteres publicaram em uma de suas matérias que Sloan dissera para os investigadores do FBI o que, de fato, ele jamais disse. Não que não fosse verdadeira a informação. Não dissera simplesmente porque tal coisa não lhe fora perguntada pelos agentes da polícia federal americana. Se os G-Men tivessem perguntado, Sloan teria dito o que Woodward e Bernstein lhe atribuíram, interpretando mal um trecho da conversa.

As aparências são terrivelmente perigosas para jornalistas. Têm quase tudo para serem verdadeiras, mas, como ensina o povo, nem tudo que reluz é ouro, nem tudo que balança cai. Para não ser induzido a erro por algo que se parece a uma verdade, é preciso checá-la ao máximo para que resista ao teste de consistência e se confirme como uma verdade.

O instável jornalista Cláudio Humberto foi vítima dessa armadilha: ou porque a pirita parecia ser ouro de fato (a pedra é conhecida como ‘ouro dos tolos’), ou por negligência na apuração do fato. Sob o título ‘Nepotismo radical’, Cláudio Humberto publicou a seguinte nota em sua coluna do dia 2/5, dentre nós reproduzida por O Liberal:

‘A governadora do Pará, Ana Júlia Carepa (PT), radicalizou: além de fazer o contribuinte pagar salários a seus parentes e aderentes, incluindo ex-marido e o atual namorado, sua cabeleireira e sua esteticista (que só dispensou após o caso ser revelado nesta coluna), ela mantém no cargo d. Elizabeth Santos como diretora do Instituto Evandro Chagas. Ela é mãe do seu ex-namorado Paulo Santos’.

Trabalho duro

De fato, Elizabeth Santos é mãe de Paulo, que foi marido de Ana Júlia. Não sei, mas pode ser que a governadora apóie a permanência de sua ex-sogra no instituto. Mas a doutora Elizabeth é pesquisadora de carreira do ‘Evandro Chagas’, onde atua há muitos anos. Faz pesquisa para valer – e em campo, em condições muito sacrificantes, como nos garimpos do Tapajós, estudando a contaminação humana e do meio ambiente por mercúrio – até hoje (ou até a última vez que conversei com ela, no ano passado).

Assumiu a direção do ‘Evandro Chagas’, a princípio com relutância de entrar na disputa e, depois, com muito esforço. Ao que saiba, na sua brilhante carreira nada deve diretamente ao filho, à ex-nora ou ao marido, o professor Roberto Santos, de destacada atuação em seu próprio segmento. Deve aos seus pares. Uma dívida que paga dedicando-se completamente ao instituto.

Não merecia essa alfinetada de agulha enferrujada.

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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)