Junto com a questão sobre a eficácia da democracia representativa, debatida por diferentes segmentos apesar de fora da agenda dos assuntos considerados pertinentes ao momento político, o desentendimento entre os deputados federais Clodovil Hernandes (PTC-SP) e Cida Diogo (PT-RJ) traz à discussão a influência dos meios de comunicação de massa nas decisões tomadas pela população.
Clodovil Hernandes foi eleito com 493.951 votos. Efetivamente, o povo não é bobo, mas há muito já deu para constatar que carece de repertório para se defender das armadilhas e agressões simbólicas e, assim, exercer a sua liberdade de escolha de forma mais conseqüente.
Assediado por um lugar-comum que não o representa, o povo que votou em Clodovil enxerga no discurso do estilista a transgressão àquela fala que, embora sedutora, não lhe diz respeito. Interessante paradoxo, na medida em que não há nada de original no conteúdo propagado pelo atual deputado, exceto o fato de dizer o que pensa com status de verdade, o que não é pouca coisa em tempos de incertezas. No programa em rede nacional que o popularizou, Clodovil tinha a ‘lente da verdade’, quando praticava a autenticidade em estado bruto sobre as histórias de sempre.
A rigor, Clodovil fala a mesma coisa que a mídia conservadora. O que difere é a utilização de uma sintaxe desorganizada e íntima que não passa pelo filtro do texto construído para ser servido socialmente. Seria um poeta; mas, mesmo se fosse o caso, nas repúblicas edificadas a partir de Platão não cabem poesias.
Por excelência
Clodovil disse à Cida que ela é feia quando soube que a deputada recolhia assinaturas pedindo sua retratação pelo que havia declarado sobre o comportamento das mulheres de hoje em dia. O deputado acusou as representantes do sexo feminino de estarem ‘trabalhando deitadas e descansando em pé’, criando mais uma frase feita, moralista, que agora passa a fazer parte da sua coleção que já contempla outras tantas de gosto igualmente duvidoso.
Ao adjetivá-la de ‘feia’, o nobre colega de Câmara teve por objetivo sincero deixar claro à deputada petista que o problema não a atingia porque só mulher bonita tem acesso aos jogos sexuais. Em resumo, não havia razão para se sentir ofendida.
Cida não resistiu a tamanha autenticidade. Sua resposta foi a impotência do choro. A deputada, que saiu das bases de Volta Redonda, a cidade fluminense que cresceu em torno dos operários da Companhia Siderúrgica Nacional, foi em prantos se queixar ao presidente da Mesa, Inocêncio de Oliveira. No revide, Clodovil citou Vinícius de Morais – ‘que me perdoem as feias, mas beleza é fundamental’ – e reafirmou sua lógica: ‘Se ela fosse uma mulher linda, bonita, esplendorosa, podia vestir a carapuça. Mas não é, é evidente que é feia! Não sou obrigado a dizer que ela é bonita, meu Deus!’
Cida é roliça, de estatura mediana, pele clara, cabelos lisos e pode ser vista circulando nos ambientes políticos trajando o clássico conjuntinho calça-camiseta-camisa longa de manga curta, tudo em tecido. Está longe de ser um galgo como Gisele Bündchen, ou uma jabuticaba, como Camila Pitanga. A primeira, mulher brasileiro-européia, é representação da nossa condição de colonizado. A segunda, síntese dessa mistura genial que somos nós, trabalhadores de eito e de leito sempre de pé e cada vez descansando menos.
Por que Cida é feia? De que lugar se está afirmando isso? Qual é o modelo de beleza? Com quem se parecem os eleitores de Clodovil?
As indagações conduzem ao recém-lançado programa do deputado em um novo programa de televisão. Chama-se Por excelência, veiculado aos domingos, às 20h, na TVJB. É um espaço no qual o neófito representante político Clodovil pretende recolher assuntos de interesse público para colocar na pauta do Congresso. Iniciativa inteligente que, se bem pensada, poderia se tornar um meio de desfazer a trama do gosto que há muito vem tirando a estima da população.
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Jornalista, Mestre e Doutora em Semiologia pela UFRJ