O casal-governador do Estado do Rio inventou nova fórmula para gerenciar emergências: o silêncio. Enquanto isso, o governo federal descobriu que olhar para o lado é a melhor forma de disfarçar cegueiras. Juntos, produziram nos últimos dias uma das mais chocantes exibições de insensibilidade e irresponsabilidade das esferas oficiais diante da brutalidade instalada numa das unidades da Federação brasileira.
O chocante na carnificina da Casa de Custódia de Benfica, no Rio, não foi apenas o elevado número de mortos (entre 30 e 38) nem a forma das execuções no melhor estilo do terrorismo islâmico. A própria imprecisão do número de vítimas quase uma semana depois de iniciado o motim, somada às informações ontem publicadas de que a ordem ainda não foi restabelecida, funciona como um atestado cabal de incompetência e descaso dos envolvidos direta ou indiretamente.
As solertes manobras do casal Garotinho para sepultar no silêncio o tenebroso episódio de Benfica só foram bem-sucedidas porque encontraram no governo federal o parceiro com o mesmo gosto e igual pendor para malabarismos e conversa fiada.
É preciso que se diga com todas as letras que a instituição republicana e o Estado brasileiro estão sendo flagrantemente violentados não apenas pelos sediciosos e assassinos mas, sobretudo, por esses governantes que descumprem o seu dever de garantir o Estado de Direito e sequer têm estatura para encarar a dimensão da catástrofe institucional provocada por sua incúria.
Se o governo federal não tem coragem para assumir os seus deveres constitucionais e restabelecer a legalidade numa unidade federativa convertida em terra de ninguém, que pelo menos manifeste sua apreensão e a sua solidariedade aos brasileiros do Rio, entregues à pusilanimidade do casal Garotinho.
O mutismo e a inação de Brasília foram decisivos para estimular o mutismo, a inação e, principalmente, o cinismo dessa dupla rastaqüera contratada expressamente para humilhar e arruinar a antiga Capital Federal.
O mais dramático é que enquanto em Benfica ruía a integridade moral e física do Estado brasileiro, na Praça dos Três Poderes festejava-se o envio da tropa para estabelecer a integridade do Estado haitiano.
Lembrança necessária
Recém-chegados do convescote chinês, travestidos por determinação presidencial em diplomatas, os operadores da nossa governabilidade agora só pensam naquilo – a imagem externa. A moda do momento são os punhos de renda. O caos na infeliz ilha caribenha é prioritário; em Brasília ninguém sabe onde fica Benfica nem avalia os efeitos políticos da desmoralização de uma Casa de Custódia por uma facção criminosa.
Dane-se a imagem interna, às favas com a sensação de orfandade e desproteção que toma conta da população do segundo Estado mais importante do país. Importa apenas imaginar que depois das triunfantes viagens ao exterior seremos imediatamente escolhidos como membros permanentes do Conselho de Segurança – embora sem recursos para construir carceragens capazes de resistir às marretadas dos presos.
Desse acintoso conluio de passividades não pode ser excluída parte da imprensa carioca. Tiritando com o frio outonal, subitamente europeizada ou simplesmente engabelada pelo casal Garotinho, a verdade é que esse quadro desolador só pode acontecer numa sociedade onde parte da imprensa está distraída. Ou foi desfibrada.
O anúncio de uma mobilização pelo impeachment da governadora fatalmente mudaria a pauta da reunião ministerial de ontem em Brasília. Mesmo que o PMDB ao qual está filiada faça parte da base política do governo Lula e tenha total controle da Assembléia fluminense.
O rega-bofe que se seguiu ao anúncio das formidáveis medidas ministeriais para promover o desenvolvimento seria perfeitamente entendido em Benfica e na Rocinha se, ao invés das bolas de futebol para distribuir no Haiti, as autoridades despertassem da sua letargia. Ao menos para lembrar-se de que são autoridades.
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JB
esquece deontologia e prefere blablabláO Jornal do Brasil infringiu uma regra elementar da deontologia jornalística ao publicar na terça-feira (8/6), uma carta do secretário de Comunicação Social da governadora do estado do Rio de Janeiro em resposta ao artigo deste Observador publicado no sábado, sem oferecer ao colaborador o comezinho direito de resposta [veja abaixo o texto da carta].
Óbvio: se o reclamante fosse qualquer outra autoridade o JB se apressaria em guardar as aparências. Mas como se trata de um blablablá assinado por um representante do governo blábláblá, ofereceu ao ilustre reclamante o privilégio de dizer suas asneiras livre de qualquer réplica.
Quanto ao teor do que afirma o ex-jornalista, os fatos o desmentem cabalmente: já no domingo, por causa do artigo em questão, o casal blablablá decidiu oferecer, afinal, algum tipo de satisfação à população; e, no dia seguinte, decretou a situação de emergência no sistema penitenciário fluminense.
Se este Observador estivesse errado, a medida extrema seria desnecessária. (Alberto Dines)
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"Resposta", seção de Cartas, copyright Jornal do Brasil, 8/6/04
Em que pese o respeito à trajetória profissional de Alberto Dines, sua coluna de sábado ("Benfica e Haiti", pág. A9, 5/6) merece resposta, tal a inconseqüência de suas proposições. Dines embosca o bom-senso e frauda a realidade para dar curso à catilinária de que o governo do Estado do Rio optou pelo silêncio ante a crise na Casa de Custódia de Benfica. O secretário de Administração Penitenciária, Astério Pereira dos Santos, concedeu inúmeras entrevistas esmiuçando medidas e propostas relacionadas ao tema. A governadora Rosinha Garotinho também abordou o assunto em entrevista a uma emissora de rádio, reproduzida por todos os jornais. Mais do que incorrer em erro, Dines construiu um cenário postiço de inação administrativa e, sem pudores, hasteou a bandeira do golpismo ao defender o impeachment, como se houvesse razões concretas e objetivas para esse debate. A rigor, o texto constitui peça de desdém às instituições. Peremptório, afirma que a governadora foi contratada para humilhar a antiga capital federal. Ora, negar a eleição em primeiro turno de um governante seria suficiente para desqualificar a crítica; simplificar esse processo, legítimo e democrático, reduzindo-o a um reles contrato, é exercício explícito de má-fé. De resto, rastaqüera foi a linguagem do colunista ao se referir à governadora Rosinha Garotinho.
Ricardo Bruno
, Secretário de Comunicação Social do Estado do Rio de Janeiro