Leio na imprensa e na blogosfera, nos últimos e agitados dias, entre 15 e 20 artigos que tratam da situação na USP. Constato que a maioria deles conclama à desocupação pacífica, à humana convivência institucional e a diversos outros e veneráveis princípios democráticos. A sinceridade e a pertinência desses textos, é claro, variam muito, e são muitas vezes questionáveis suas premissas, mas aos signatários geralmente não ocorre requisitar ao bispo, com babas e esgares maus, um bom quinhão de borrachadas militarizadas sobre o lombo do corpo discente que ora ocupa o centro do poder universitário.
Eis, contudo, que se chega ao sítio da April Inc. Dele provém a mais constrangedora exceção às predominantes posturas de cabeça-no-lugar e/ou de defesa-da-universidade-pública-e-gratuita, especificamente do blog de um dos mais notórios da supradita empresa de papel impresso (ora, aliás, alimentada por mui oportunos capitais afrikaaners): Reinaldo Azevedo.
Barbudinhos ultrapassados
Nenhuma surpresa. Este compadre espiritual do Diogo Mainardi (perdoado previamente de tudo desde que li sua linda tradução de As Cidades Invisíveis), este paladino da vociferância tucano-lacerdista, é figurinha velha, desde a Bravo! (revista bourgeoise que em seus primórdios não só empregava o folclórico Olavo de Carvalho como destacava na agenda cultural do mês diversos concertos e exposições em Paris, Nova York e Berlim sem, estranhamente, franquear a seus leitores qualquer cupom de desconto para as necessárias passagens aéreas), um autoproclamado e sempiterno e invencível defensor da Suprema Verdade Fukuyâmica. Reivindicando a posse e a defesa da mesma, nosso herói vem usando em seu blog, à guisa de epígrafe, um trecho de Robert Musil (1880-1942) em tradução inepta e, como se não bastasse, deu também para vestir um chapéu panamá que lhe empresta fumos de coronel DEMocrata.
Em quase todas as ocasiões em que pontifica sobre o imbróglio em questão, Azevedo assume com garbo a triste função de vivandeiro da invasão policial do campus, invocando a preservação ‘democrática’ do patrimônio público, supostamente depredado e ameaçado pela malta grevista. Conquanto falsa, como alguns observadores independentes já constataram e está documentado, esta é a principal razão objetiva das sempre necessárias borrachadas. No plano dos conteúdos, portanto, nada de muito inédito: ‘O patrimônio! A propriedade (cada vez menos) do Estado está ameaçada! Sangue! Gás de pimenta! Bombas! etc.’
Esforçado, Azevedo ainda descobre, certamente lendo Aristóteles e mobilizando suprema agudeza, que o movimento estudantil é político. Pilhados fazendo política, os estudantes merecem porrada justamente por assumirem posição contrária àquela do ora governador. Assim, além de detonarem, esbodegarem, aniquilarem o patrimônio da universidade, os estudantes viram também – sempre segundo o cujus – pérfidos meliantes políticos, massa de manobra tosca e remelenta de barbudinhos ultrapassados e vagabundos.
A pontaria dos engenheiros
Essa catilinária toda seria bastante cômica se não fosse enfadonha. Pois não é preciso ser poliglota para entender que o discurso de Azevedo, traduzido em calão, matraqueia monotonicamente mais ou menos o seguinte: ‘A Universidade e seu patrimônio podem e devem servir à formação de quadros técnicos para as bondosas organizações filantrópicas – multinacionais, bancos, corretoras – que promovem o progresso do nosso país, assim como aos princípios democráticos defendidos com ardor pelo governador (via secretário e reitora) e às elogiáveis iniciativas das pequenas fundações que tão desinteressadamente promovem o diálogo com a sociedade; quando paira no ar, entretanto, a terrível ameaça de um punhado grande de alunos simpáticos às mentiras do PT, do PSTU, do PC do B, do PCO, da AJR, do MR-8, da AP, da Colina, do Polop e da ALN (horror! horror! horror!), a Polícia deve ser sempre chamada.’
Haveria, ainda bem!, segundo o nosso herói, tempo de evitar a violência policial – da qual se infere, a certa altura, que os professores que apóiam publicamente o movimento serão cúmplices – isto é, optar pela solução pacífica e ordeira, que consiste em obedecer ao chamado: ‘Vamos, estudantes, abracem enfim esta Verdade, parem de pensar, parem de se manifestar, estudem, não acreditem nesses barbudinhos, formem-se e venham trabalhar para nós, nunca esquecendo, é claro, de continuar comprando a Veja‘.
Quanto à April Inc., é mesmo lamentável a falta de pontaria dos engenheiros da Linha 4…
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Engenheiro, São Paulo, SP