Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Reparação de danos, conceitos básicos

Com relação a casos de erros, abusos e danos, o projeto de extensão SOS Imprensa, da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), utiliza-se de seis conceitos básicos em seus procedimentos de análise. Os seis termos casualmente começam com a letra R, facilitando a memorização, por meio de um recurso mnêmico denominado de ‘a fórmula dos seis Rs’ – Retificação, Reparo, Réplica, Resposta, Reparação e Retorsão –, comentada a seguir.

Convém esclarecer que a singularização de cada um dos seis referidos conceitos tem uma finalidade operacional, pois, corriqueiramente, toma-se um pelo outro, de maneira que podem, por exemplo, ser sinônimos de reparação ou de resposta. Argumentaremos, no entanto, que em benefício da clareza é melhor separá-los e tratar cada um como uma categoria independente de classificação e de significação.

Idêntica sinonímia, que consideramos inadequada, ocorre também com os conceitos de injúria, difamação e calúnia, em geral referidos como o último, embora nem toda ofensa seja caluniosa. Da mesma forma, para facilitar a compreensão e a memorização, temos associado três termos básicos a cada um desses ‘crimes de honra’, de forma que à injúria corresponde o termo decoro; à difamação, o termo reputação; e à calúnia, o termo crime. Os advogados de defesa em geral pedem reparações com base nos três tipos de ofensas, o que também contribui para que haja uma presumida simetria entre as três figuras.

Grandeza moral

Exemplos de injúria são os xingamentos, os apelidos depreciativos e outras referências depreciativas, como chamar um homem de galinha ou uma mulher, de perua. Exemplo de difamação (que significa difundir suposta má fama de alguém) é espalhar notícia infundada de imperícia, imprudência ou negligência de alguém, prejudicando a imagem pública de um profissional ou de um funcionário.

Quando alguém diz que alguém é ‘picareta’, pelo simples desejo de ‘queimar’ alguém em situação de concorrência, está difamando e ainda se utilizando de um termo injurioso. Injuriar significa ferir, mesmo que o ferimento seja meramente verbal, como referir-se a uma pessoa como sendo ela ‘sapatão’.

Em casos de referência à orientação sexual de alguém, embora não seja nem indecoroso e nem crime ser homossexual, por vezes informa-se da homossexualidade de alguém com a finalidade difamatória, ou seja, com o intuito de prejudicar, fomentando preconceito, discriminação e desconfiança.

Caluniar – imputar falsamente crime a alguém – é, dos três danos, o mais grave, embora o racismo seja uma ‘injúria qualificada’ tipificada como crime, e ‘crime inafiançável’ – que não permite ao agressor livrar-se da prisão em flagrante mediante pagamento de fiança.

Não se inventou ainda forma menos onerosa e de efeito mais imediato do que pedir perdão. Se isto é feito publicamente, corresponde a uma perfeita retratação, atitude de humildade por parte do ofensor e que, por sua vez, abre espaço para uma demonstração de grandeza moral do ofendido, em desculpar quem lhe feriu, prejudicou ou atacou. Reconhecer publicamente que errou é a forma mais simples de repor a verdade.

Os seis Rs mnêmicos

Três consensuais e três conflitivos.

Os 3 Rs consensuais

** Retificação. Significa a simples correção de um erro cometido, por meio da publicação do reparo e/ou esclarecimento. Pode ocorrer de forma espontânea ou atendendo solicitação da pessoa ou organização prejudicada. Na imprensa escrita, geralmente as retificações aparecem sob a forma de pequenas notas intituladas ERRAMOS [em negrito e caixa alta]. Na mídia audiovisual, num telejornal, por exemplo, a correção dá-se, por vezes, ainda na mesma edição. A Lei de Imprensa [nº 5.250, de 9/2/1967] se refere a retificação como sinônimo de resposta, mas estamos diferenciando entre a retificação consensual da retificação somente obtida por determinação judicial.

** Retratação. Expressa mais do que a simples publicação da correção, pois incorpora a clara magnitude do ofensor em não somente repor a verdade da informação, mas também em pedir publicamente desculpas pelo erro cometido.

** Réplica. Corresponde ao direito de resposta ou de participação no debate, obtidos consensualmente. A parte prejudicada procura o veículo de publicação e este concede espaço para que ela possa exercer pelo menos uma entre três modalidades de direitos universais: a) o direito de defesa; b) o direito ao pluralismo de idéias; c) o direito à réplica por parte de quem foi citado, mas se sente em desvantagem em relação à abordagem adotada ou a parcialidade suposta.

Os três Rs conflitivos

** Resposta. É a obtenção por meio judicial da reparação de danos morais, determinando-se que tenha a parte ofendida o direito à publicação de sua própria versão dos fatos, no mesmo espaço e forma em que se deu a ofensa. Na imprensa escrita, significa o uso de texto, imagem e até caracteres idênticos à matéria original e, na imprensa audiovisual, transmissão da resposta da parte ofendida. Por vezes, cabe ao ofensor custear a produção audiovisual da resposta [outdoor, áudio e/ou vídeo] quando se julga que a parte ofendida não tem, por conta própria, condições técnicas de produzir o seu repto. Têm ocorrido decisões judiciais quanto ao provimento de resposta em casos de publicidade comercial, de propaganda eleitoral e até de programas não-jornalísticos de televisão. Em publicidade a resposta é, por vezes, denominada de contrapropaganda [termo presente no Código de Auto-Regulamentação Publicitária do Conar e no Código de Defesa do Consumidor].

** Reparação. Nem sempre a reparação determinada judicialmente limita-se aos danos morais. Por vezes, além da resposta concedida à parte prejudicada, entende-se que se deva proceder a indenização por danos materiais cumulativa à publicação da réplica. A reparação, portanto, pode ser exercida sob três modalidades: a) simples resposta; b) resposta e indenização; c) somente indenização [quando a parte ofendida não deseja publicação de réplica, mas tão somente a reparação dos danos materiais].

** Retorsão. O direito de resposta deve ser exercido nos limites da ofensa e da matéria midiática que lhe deu causa, não se permitindo à parte prejudicada aproveitar-se do espaço da resposta para também produzir conteúdo injurioso, difamatório ou calunioso. Em síntese, não se permite reparar uma ofensa com outra. Se isto vier a ocorrer, a fonte original do dano passa a ter o direito à devida reparação. Entretanto, a finalidade do direito de resposta não é a de ensejar continuada polêmica e/ou troca de ofensas. A resposta recheada de ofensas consiste, portanto, no abuso de um direito.

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Jornalista, professor da Faculdade de Comunicação da UnB e coordenador do projeto de extensão SOS Imprensa. Texto produzido para o 1º Encontro Nacional da Rede Nacional de Observatórios de Imprensa (Renoi) – Vitória (ES), 31 de maio a 2 de junho de 2007