Amplos setores da imprensa se surpreendem ao verificar que empreiteiras financiam boa parte das campanhas para o Congresso. A notícia lhes parece tão inusitada que, em dois grandes jornais, é manchete. Entretanto,
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não há democracia sem campanha eleitoral;**
não se faz campanha eleitoral sem dinheiro;**
as doações noticiadas com tanta surpresa são legais.Pode-se argumentar, e com razão, que ninguém faz doações de graça; os doadores têm interesses – muitas vezes, mas nem sempre, legítimos – que esperam ver atendidos. Mas os fatos continuam de pé: como financiar as campanhas eleitorais? Qual a posição de nossa imprensa para escapar ao dilema de não querer que o veado morra nem que a onça passe fome?
Muita gente defende o financiamento público de campanhas – o governo usaria o seu, o meu, o nosso dinheirinho para que candidatos e partidos fizessem sua propaganda, e ficaria proibido qualquer outro tipo de doação de campanha. Mas…
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Hoje, faz doações quem tem dinheiro. Com o financiamento público, nós, contribuintes, já escorchados por uma alucinante carga de impostos, vamos ter de pagar isso também. Quem quer enfrentar mais essa despesa pública?**
As outras doações continuarão existindo, só que clandestinamente. O financiamento público servirá como piso do custo da campanha. Quem tiver interesses vultosos a defender não vai se intimidar com a proibição legal.Há uma outra fórmula, mas essa os políticos não querem. Compõe-se de duas medidas, o voto distrital e a redução do número de cargos eletivos. Com 250 deputados federais, em vez de 513, o valor global das campanhas já cai à metade – fora as outras economias, em assessores, auxílios diversos, as intermináveis ampliações dos edifícios do Congresso. Com o voto distrital, em que o candidato disputará nos lugares em que é conhecido, cai dramaticamente o custo de sua campanha, exigindo muito menos doações.
Por que os políticos não querem isso? Ora, se eles se elegem por outro sistema, por que arriscar a mudança? Se houver menos cargos em disputa, haverá menos chances de se eleger. E não vão jogar fora a boca rica do financiamento público.
A lei, ora a lei
Nas mesmas edições em que se surpreenderam com os gastos das empreiteiras no financiamento de campanhas, grandes jornais informaram que, para ocultar seus candidatos favoritos, os doadores recorrem a uma brecha da lei para doar aos partidos, que depois distribuem os recursos.
Bom, não é uma brecha da lei: entregar recursos ao partido é uma das possibilidades legais de doação. E não são nossos meios de informação que, vira e mexe, criticam o eleitorado por votar em nomes, não em partidos? Não são nossos meios de informação que condenam a falta de fidelidade partidária? Pois há quem prefira doar aos partidos, como há quem prefira doar aos candidatos. Estando dentro da lei, nada a contestar.
Questão de chifres
O caso de Renan Calheiros e a disputa pela primazia na divulgação das notícias provocaram alguns fenômenos interessantes na mídia. Um deles, a publicação de informações apócrifas (como os próprios meios de comunicação reconheceram), sem indícios que apontassem para sua veracidade ou não. Outro, a disputa entre revistas semanais, uma ao lado da moça, outra ao lado do senador. Mais um fenômeno: exige-se que Renan prove que o dinheiro que entregou à jovem não provinha dos cofres de uma empreiteira. Na verdade, caberia aos adversários do senador provar, isso sim, que o dinheiro saiu dos cofres da empreiteira. Estão em jogo dois princípios básicos: o de que não é possível provar o negativo e o de que cabe ao acusador provar o que diz.
Finalmente, todos os veículos ignoraram um ângulo importantíssimo: a reação dos eleitores alagoanos ao caso extraconjugal do senador. Valeria uma pesquisa.
Há alguns anos, a ex-ministra Zélia Cardoso de Mello escreveu um livro em que batia duro no também ex-ministro Bernardo Cabral, que com ela manteve um caso extraconjugal. Vieram as eleições, e Cabral foi eleito facilmente pelo Amazonas. Seu slogan de campanha: ‘Bernardo Cabral, o amor que fica’.
Secretos segredos
A própria notícia reconhece que a conversa gravada e vazada entre um parlamentar e um jornalista não indica nenhum crime cometido pelos dois. No entanto, a gravação (atribuída pelo colunista que a divulgou à Polícia Federal) foi encaminhada aos meios de comunicação, e divulgada.
O parlamentar estava sendo gravado por suspeitas de participação em alguma coisa feia, ou algumas coisas feias. E o jornalista Ronaldo Junqueira, ao que se saiba, não era suspeito de nada – mesmo assim, sua conversa particular foi transformada em assunto público. Depois não adianta dizer que a polícia é que vazou, que a polícia é que é culpada: os jornalistas participam do jogo.
Segredos secretos
A indústria de grampos e vazamentos acaba servindo para retaliações, promovidas por gente que nem participa das investigações. E dá razão, cada vez mais, a Tancredo Neves: ‘Eu já fui ministro da Justiça, sei o que é isso. Telefone só serve para marcar encontro. E, de preferência, no lugar errado’.
Sem querer, querendo
No caso da TV venezuelana, o primeiro fato a relembrar é que a concessão da RCTV, Radio Caracas Televisión, não foi cassada. Terminou e não foi renovada. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
As notícias aqui divulgadas mostram que a cobertura brasileira está profundamente influenciada pela posição dos meios de comunicação com relação ao presidente venezuelano Hugo Chávez. Quem está a favor de Chávez diz que renovar ou não a concessão é uma decisão exclusiva do governo, e que a emissora que saiu do ar apoiou o golpe de Estado contra o presidente em 2002.
É verdade: se é necessário renovar a concessão, a concessão também pode não ser renovada. E a emissora apoiou mesmo o golpe. Entretanto, não é Chávez que pode falar em golpe: ele também tentou um golpe militar contra o presidente legitimamente eleito. E uma não-renovação da concessão não deve ser um ato discricionário, mas precisa ter base no interesse público. A prova de que houve um ato ditatorial foi a entrega de todo o equipamento da RCTV à sua sucessora estatal, sem indenização.
E quem está contra Chávez diz que não renovar a concessão (ou, como preferem, ‘cassar’ a concessão) prova a vocação autoritária do coronel-presidente. É verdade; mas os grandes grupos privados venezuelanos também não podem falar muito no assunto, porque ou tentaram implantar seu próprio autoritarismo (caso da RCTV, ao apoiar o golpe) ou porque se aproveitam do autoritarismo de Chávez (caso do Grupo Cisneros, dono da Venevisión, concorrente da RCTV, que de golpista virou chavista desde criancinha).
Em resumo, na Venezuela vale tudo, menos os interesses dos telespectadores. E quem falar seriamente em interesse público ainda acaba indo para a cadeia.
O buraco comeu
Há quanto tempo o caro colega não vê uma notícia sobre o buraco do metrô de São Paulo, onde morreu tanta gente e onde surgiram tantas suspeitas? Esta coluna fez uma pesquisa rápida: desde 9 de maio não há informações novas sobre o caso. Já faz quase um mês. Houve ou não houve negligência na obra? Poderemos usar essa linha do metrô, quando estiver pronta, com tranqüilidade?
De quem é o lugar?
Como tudo o que acontece com o deputado Clodovil Hernandes, o caso foi muito divulgado. Clodovil já estava sentado, no avião que o traria a São Paulo, quando outro passageiro apareceu com bilhete marcado para a mesma poltrona. A empresa aérea reconheceu o erro de marcar a mesma poltrona para dois passageiros, pediu a Clodovil que mudasse de lugar, ele se recusou e, na discussão posterior, acabou sendo retirado do avião. Voltou a São Paulo por outra empresa.
Tudo bem – mas como é que a empresa sabia que o erro estava na marcação do lugar de Clodovil, e não do outro passageiro? Este colunista não encontrou a explicação. Apesar de arrogante, não estaria Clodovil com a razão?
Os nomes, as pessoas
De uns tempos para cá, os meios de comunicação passaram a tratar as pessoas por suas funções na vida – como se, em vez de gente, fossem meras unidades produtivas. É um tal de ‘gerente assaltado na rua’, ‘analista de sistema foge de ladrões’, ‘doméstica atacada por cachorro bravo’ que não dá para agüentar.
Nesta semana, dois títulos, de dois grandes jornais, vão por essa linha:
1.
‘SP: aposentada morre ao cair de maca em hospital’2.
‘Aposentado morre após ser atropelado duas vezes seguidas em rodovia de SP’Será que nada vida de um ser humano não há nada mais interessante do que sua profissão?
Como é mesmo?
Duas informações preciosas:
1.
De Renan Calheiros sobre Fernando Henrique, que sugeriu seu afastamento da presidência do Senado durante a investigação das denúncias que lhe foram feitas: ‘Não acredito que ele tenha dito isso. Somos amigos e fui ministro dele por 18 anos!’. Fernando Henrique até que gostaria de um mandato deste tamanho, mas foi presidente por oito anos e cansou de trocar ministros da Justiça.2.
Bolivianos favoráveis à atitude de Hugo Chávez protestam contra a RCTV em Caracas.Depois a gente fala mal dos americanos, que têm certeza de que nossa capital fica em Buenos Aires!
E eu com isso?
Moça interessante, a Adriane Galisteu. Abriu seu caminho após a morte do namorado, Ayrton Senna, transformou-se em apresentadora de TV, bateu recordes de venda em revista de mulher pelada, fez experiências como atriz (e logo com a lendária Bibi Ferreira!), vai muito bem, obrigado. E ainda por cima é bonita.
Mas este colunista continua em dúvida: mesmo sendo apreciador das qualidades de Adriane Galisteu, que é que temos a ver com a seguinte notícia? Veja:
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‘Adriane Galisteu leva a mãe para ver peça em SP’Mais uma, de outra famosa (famosa porque aparece em revistas de famosas, e aparece em revistas de famosas porque é famosa):
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‘Íris nega divergência com Grazi Massafera’Ou esta:
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‘Iran Malfitano aprende a falar espanhol’O New York Times orgulha-se de divulgar todas as notícias que vale a pena imprimir. Estas, definitivamente, não foram traduzidas de lá.
O grande título
Foi uma semana muito rica. Tivemos palavras novas…
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‘Entidades lançam campanha inédita contra desperdiço de água’…e novas formas de redigir:
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‘Torneio Início marca início de competição’Tivemos uma boa coleção de títulos tipo obra aberta, para que cada leitor possa completá-los à sua vontade:
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‘Empresa dos EUA anuncia que um dos britânicos seqüestrados no Iraque é seu’**
‘Conselho de Ética do Senado adia discussão de’E surgiu o título reiteradamente reiterativo:
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‘Prossegue a crise continua na Ucrânia após novo fracasso no Parlamento’Mas o grande título é outro:
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‘Janice Teixeira vai á Itália para acertar calibre’Está completo, mas permite várias interpretações, algumas muito divertidas.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados