Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Na briga de Chávez com a RCTV, perdemos todos

Se algum chato for conferir na internet, via Google, as imagens sobre os protestos de cidadãos venezuelanos contra o fechamento da RCTV, vai gastar cerca de 40 minutos para ver 830 fotografias publicadas pela imprensa de muitos países, inclusive Alemanha e Japão, entre os dias 26 e 30 de maio. Vai encontrar exatamente quatro imagens em que, pela análise da densidade das pessoas versus a área da massa humana, é possível dizer que alguns milhares de cidadãos saíram às ruas para protestar contra o coronel Hugo Chávez, presidente da Venezuela, por ele haver decidido não renovar o contrato de concessão do serviço público de radiodifusão em VHF à organização que, em 12 de abril de 2002, liderou o golpe de Estado que por 24 horas o tirou do poder.


Outra busca, desta vez de textos, sobre a querela pessoal entre o presidente venezuelano e o grupo liderado pela empresa Coral Pictures, de Miami, e o empresário Marcel Granier, nos informa que a RCTV ‘supostamente’ teria participado de uma tentativa de golpe contra Chávez. Com exceção, é claro, dos sites e blogs identificados com a esquerda latino-americana, e do vídeo sobre o golpe, feito pelos documentaristas irlandeses Kim Bartley e Donnacha O´Briain – intitulado A revolução não será televisionada, disponível aqui – a imprensa, em massa, relativiza a participação da emissora na derrubada de um presidente eleito democraticamente.


São dois pontos importantes para entender a dimensão do episódio que se transformou no grande embate da imprensa internacional neste início de século, em nome das liberdades democráticas. Entre a empresa golpista e o patético líder da ‘revolução bolivariana’, a imprensa fez a escolha óbvia. Demonizou o coronel – que, aliás, facilita demais a tarefa, e transforma a empresa golpista em paradigma dos direitos fundamentais da democracia.


Sem equilíbrio


Outra olhada na internet, e veremos que a intensidade, freqüência e destaque dados ao caso RCTV rivalizam com outros fatos de grande repercussão envolvendo o trabalho dos jornalistas, como, por exemplo, a bárbara execução do repórter Daniel Pearl por terroristas que se dizem muçulmanos.


Nem Hugo Chávez, por suas atitudes e declarações, se oferece como paradigma de estadista respeitável, nem a imprensa, no caso, se apresenta como digna da credibilidade inerente ao seu papel na democracia. Entre os dois, porém, quem mais perde no baixo nível em que o caso rasteja é a imprensa – afinal, a primeira vítima quando o conflito ideológico coloca a verdade sob risco.


O noticiário se distanciou de tal maneira do equilíbrio que, mesmo um comentário como este, destinado a chamar a atenção dos observadores para as irracionalidades envolvidas no fato e no noticiário que ele provoca, acabará necessariamente sendo colocado num dos nichos do conflito. Perdemos todos.

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Jornalista