Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma oposição amordaçada

Eles rezavam em voz alta, choravam e se abraçavam uns aos outros. Cantaram o hino nacional e gritavam ‘Liberdade!’ Mas de nada adiantou. Pouco antes da meia-noite de 27 de maio, a Radio Caracas Televisión (RCTV), da Venezuela, saía do ar após 53 anos. Alguns minutos depois, seu espaço no Canal 2 trazia o logotipo da TVes, um canal do governo com uma programação anódina de culinária e espetáculos culturais intercalada com desenhos animados e propaganda do homem que fechou a RCTV, Hugo Chávez, seu presidente esquerdista.


Em dezembro, ele anunciara que tiraria do ar os ‘fascistas’ e ‘golpistas’ da RCTV. Seus simpatizantes argumentam que a concessão de licença do canal terminou e simplesmente não foi renovada. Os donos e os funcionários da RCTV, assim como muitas organizações independentes de direitos humanos, vêem o fechamento como vingança, devido à linha editorial. Os transmissores foram apreendidos pela tropa em cumprimento de uma determinação da Suprema Corte cuja base legal era obscura.


Emissora de televisão mais tradicional e popular do país, a RCTV atraía cerca de um terço dos telespectadores. Acabaram-se as novelas favoritas dos venezuelanos, o show humorístico mais antigo do mundo e um talk-show, à hora do café da manhã, que custou a seu ousado apresentador, Miguel Ángel Rodríguez, uma torrente de insultos e ameaças por parte de simpatizantes do governo.


Simpatizantes discordam


Segundo pesquisas de opinião pública, uma esmagadora maioria de venezuelanos se opõe ao que vê como uma interferência na opção do que quer ver. Em protesto, muita gente foi às ruas e se pronunciou por emissoras que ainda estão abertas a vozes discordantes. Estudantes enfrentaram gás lacrimejante e balas de borracha da polícia de choque durante três dias seguidos. A eles se juntaram jornalistas e – num gesto de solidariedade pouco freqüente – estrelas das novelas e âncoras da Venevisión, um canal privado concorrente. Seu dono, Gustavo Cisneros, cedeu às pressões do governo em 2004 e retirou comentários e notícias críticas de seus programas.


Chávez, que se elegeu pela primeira vez em 1998, conquistou outro mandato de seis anos em dezembro do ano passado. A partir de então, ele deu uma guinada para a esquerda, em busca do ‘socialismo do século 21’. Porém, mesmo entre seus simpatizantes, muitos discordam do fechamento da RCTV. Ismael García, líder do Podemos, segundo maior partido de apoio ao presidente, disse esta semana, na Assembléia Nacional, que ‘o pluralismo não deveria ser apenas um slogan’. Podemos boicotou uma recente sessão da Assembléia que comemorava a decisão e, segundo fontes do partido, seus deputados se opõem por unanimidade.


Propaganda constante pró-Chávez


O fechamento provocou uma condenação internacional – inclusive uma resolução bipartidária aprovada por unanimidade pelo Senado norte-americano. A União Européia manifestou sua preocupação com o fato de que a não-renovação da concessão se desse sem uma licitação aberta para o sucessor. Isso foi ‘frustrante’ e ‘um passo para trás’, segundo José Manuel Barroso, presidente da Comissão Européia. Oscar Arias, presidente da Costa Rica, chamou o fato um ‘golpe mortal’ para a democracia. Mas outros governos latino-americanos não se manifestaram. Alguns dependem de ajuda venezuelana; outros temem a verborragia bombástica de Chávez; a maioria se conforma com a tradição de não-ingerência nos assuntos dos vizinhos. Coube aos grupos de direitos humanos e de imprensa livre fazer as críticas mais veementes ao fechamento.


Assim como os outros canais privados de televisão na Venezuela, a RCTV tinha suas imperfeições. Em abril de 2002, quando Chávez foi temporariamente afastado numa tentativa de golpe de Estado, eles censuraram as notícias dos protestos que o ajudaram a retomar o poder. O papel que desempenharam de apoio de bastidores à oposição distorceu, muitas vezes, sua cobertura jornalística. Mas o número crescente de mecanismos de mídia do governo jorra uma propaganda constante pró-Chávez, aviltando e caluniando pessoas de oposição.


‘Massa de manobra’


Em 1999, quando Chávez chegou ao poder, o governo possuía uma emissora de televisão precária, chamada Venezolana de Televisión (VTV), uma agência de notícias e uma rede de rádio. Isso começou a mudar depois que os acontecimentos de 2002 mostraram que o poder da mídia era desvantajoso ao governo. Atualmente, este controla seis canais de televisão (dois dos quais, nacionais) e oito estações de rádio. Também subsidia – e, portanto, controla – quase 200 rádios comunitárias e estações de televisão, assim como inúmeras publicações e mais de 100 sites na internet.


O único canal de televisão de oposição que sobrou é a Globovisión, em grande parte restrita a TV a cabo. Dois dias depois de tirar a RCTV do ar, Chávez fez uma ameaça velada de fechar a Globovisión – por ter esta ‘incitado clara e abertamente’ – seu assassinato. ‘Recomendo que ponderem, cuidadosamente, até onde querem chegar’, disse o presidente. Também ameaçou usar o uso de força contra manifestantes que, segundo ele, estariam sendo ‘manipulados’ e utilizados como ‘massa de manobra’.


Estratégia é clara


Willian Lara, ministro da Informação, disse que processaria os responsáveis pela Globovisión por terem exibido a tentativa de assassinato do papa João Paulo 2 com uma trilha sonora, ao fundo, de uma canção cuja letra diz ‘Isto não acaba aqui’. O canal disse que era ‘ridículo’ ver aquilo como incitação, uma vez que o trecho fazia parte de um ‘pacote’ com a história dos principais momentos da RCTV.


Um estudo feito por observadores da União Européia concluiu que a cobertura feita pela VTV da última eleição de dezembro foi ainda mais tendenciosa em seu apoio ao presidente do que aquela da RCTV em apoio a seu adversário. Robert Ménard, representante da organização Repórteres Sem Fronteiras, disse esta semana, em Caracas, que os veículos de mídia estatais têm uma obrigação ainda maior de serem imparciais, uma vez que são pagos pelo público. A VTV ‘é mais uma estação de televisão a serviço do presidente da República do que uma estação de televisão de serviço público’, disse Ménard. A recusa de Ismael García em aceitar a linha do governo, por exemplo, significou seu banimento das telas da VTV.


Em sua perseguição à mídia de oposição, Chávez assumiu um risco tático. Mas sua estratégia parece clara. Ele disse que quer ser reeleito indefinidamente. Mas na próxima eleição, em 2012, talvez não controle o volume de recursos do petróleo com que conta atualmente. Se o descontentamento dos venezuelanos crescer, pode ser que não seja divulgado.