Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Livraram-se de mais uma jornalista incômoda

Ao que parece, nas nações onde se vive o fundamentalismo islâmico as mulheres que querem libertar-se de uma situação de inferioridade passam a ter uma vida perigosa. Entre elas, o alvo maior está naquelas que praticam o jornalismo, pois além de informar e divulgar o que é a igualdade entre sexos, também denunciam as violências a que muitas mulheres são submetidas, pelo simples motivo de quererem pensar e exprimir livremente seus pensamentos.

É o que está acontecendo na faixa de Gaza conforme matéria publicada neste Observatório (‘Extremistas ameaçam apresentadoras de TV‘, 5/6/2007). Gaza está situada bem perto da Europa, na divisa com o Egito, que é uma nação laica, e Israel, governado por um regime democrático. Todavia, a situação se agrava quando se parte para o Afeganistão, um país pobre, de clima agressivo e terra árida, encravado num centro esquecido da Ásia e que até pouco tempo foi governada pelos Taleban, palavra de origem árabe que dá nome aos estudantes das escolas muçulmanas.

Tornaram-se conhecidos do resto mundo durante o período em que dirigiram a maior parte do país (1995-2001). Tem uma instrução dirigida quase que exclusivamente ao Corão e recusam a influência ocidental no sistema de vida do país, impedindo qualquer tentativa de interpretação que não se guie pelas mais tradicionais interpretações espirituais e culturais do pensamento islâmico.

Uma pilastra da comunidade

Foi nesse país onde os Taleban continuam tendo enorme força, que Zakia Zaki (35), mãe de seis filhos, jornalista e professora, resolveu montar uma estação de rádio, fundada com a ajuda financeira de uma ONG francesa, com o nome de Sohl (Paz). Zakia a dirige desde a saída dos Taleban de Cabul. A sede é um pequeno edifício, a 70 km da capital, nas faldas das montanhas Hindu Kush (7 mil metros de altura).

Ela acorda às 6h e ouve alguns programas em rádios de outros países, junto com um grupo de auxiliares, e leva ao ar o informativo da manhã. A rádio também transmite música, informa à comunidade local o que acontece no país e no mundo e os habitantes participam contando suas próprias histórias, segundo ela: ‘Esse estúdio é uma casa para a gente local. É o único lugar onde ousam dizer aquilo que pensam.’ Depois, entre 8h e 12h30, ela há 20 anos dá aulas, voltando à Sohl às 4 da tarde.

Uma das batalhas de Zakia é a dos direitos das mulheres. Quando as primeiras vozes femininas começaram a se manifestar na rádio, alguns ‘senhores da guerra’ a declararam imoral e disseram que iriam resolver o caso de forma definitiva. E assim foi feito. Na última quarta-feira (6/5), dois homens arrombaram a porta da casa de Zakia, entraram em seu quarto, onde estava com os filhos, e lhe disparam sete tiros no peito e na cabeça, calando-a para sempre.

Zakia, apesar de ser uma pilastra da comunidade local, era uma voz que incomodava muitos. Sobre ela, Rahimullah Samander, diretor da Associação Afegã dos Jornalistas, disse à agência Reuters: ‘Acreditava na liberdade de expressão e por isso foi morta.’

‘Meu exército é mais forte’

Passados seis anos da teórica queda do regime Taleban, existem no país 50 rádios privadas, 400 jornais, cinco agências de notícias e seis canais de televisão. Mas os jornalistas são vítimas de intimidações por parte dos ‘senhores da guerra’, dos líderes religiosos conservadores e das próprias autoridades que os deviam defender.

Uma proposta de lei, em discussão no parlamento, tem como objetivo proibir a mídia de divulgar qualquer informação que possa ir contra os princípios do Islã.

Em 2006, segundo Repórteres Sem Fronteiras, 20 jornalistas sofreram atentados ou ameaças, e uma apresentadora de televisão de 22 anos foi assassinada.

Zaika mostrou sempre destemor. Há pouco tempo declarou: ‘Logo depois da abertura da rádio, recebi mensagens dos ‘senhores da guerra’ locais me ameaçando de morte, mas a comunidade lhes disse que me deixassem em paz e, assim, entenderam que meu exército é maior e mais forte que o deles.’

Lamentavelmente, Zakia Zaki enganou-se.

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Jornalista