Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ações focam mais o espetáculo que os resultados

Sucesso de público e de mídia, as operações da Polícia Federal mostram que a impunidade já não mora mais aqui. Não se poupa o presidente do Senado nem o presidente da República. Acima de tudo está o interesse público.


Essas meias verdades valem para as operações que brilham no horário nobre das televisões. Mas não para casos de baixo teor de octanagem midiática. É o caso do policiamento das fronteiras, por exemplo.


Avenidas largas por onde entram no país as toneladas de drogas e armamentos que alimentam o crime pesado, as comarcas de Foz do Iguaçu e da Amazônia estão desguarnecidas. E são os próprios policiais federais dessas regiões que denunciam: quem está cuidando das apreensões de armas e cocaína nesses locais é a guarda municipal das cidades fronteiriças.


A lógica que parece prevalecer é que dar batidas na casa do Vavá e no Senado dá bem menos trabalho e muito mais imagens para o Jornal Nacional, enquanto as missões perigosas que geram a prisão de anônimos não têm a mesma graça. Emocionam menos as arquibancadas.


Sedução da notoriedade


A súbita popularidade parece estar levando alguns setores da PF a escolher as missões. Em pelo menos um caso, abaixo relatado, a Polícia Federal mandou às favas o Ministério Público e a Justiça Federal que determinou a proteção policial a um jornalista do interior paulista perseguido por uma família poderosa da região.


O próprio presidente da República está preocupado com o descontrole policial. De acordo com reportagem de quarta-feira (13/6) do jornal Folha de S.Paulo, Lula discutiu medidas para tentar evitar o que se chamou de abusos da PF. O governo desconfia da existência até mesmo de escutas sem autorização judicial. As medidas estão em estudo e, se aprovadas, constarão de projeto de lei que o governo pretende enviar ao Congresso e de uma espécie consolidação de regras de atuação da Polícia Federal.


As críticas acima (repita-se: ditas e repetidas dentro da própria PF) têm uma atenuante. A pirotecnia pode gerar poucos resultados práticos em relação a operações específicas. Mas o efeito psicológico do estardalhaço é nada desprezível. Ao mandar para todos os rincões do país – em especial para luxuosos gabinetes e escritórios adornados em ouro – o recado de que ninguém está imune a um grampo ou a um belo par de algemas, a polícia está mudando condutas e comportamentos.


Não é por acaso que a arrecadação tributária bate recordes sobre recordes sem que a atividade econômica esteja em franca expansão. É a sonegação que reduziu sua marcha. Nem é mera coincidência que os escritórios de advocacia empresarial estejam festejando a procura da parte de clientes em busca de consultoria para rever práticas e controles para evitar problemas com a lei.


O risco é se a sedução da notoriedade começa a ‘justificar’ um estado policial em que os direitos fundamentais fiquem em segundo plano. Fatos mal apurados. Em vez de provas, insinuações de grande apelo popular, mas sem qualquer valor jurídico.


‘Completa desorganização’


Um agente federal do Rio de Janeiro relata um dos fatores de risco na qualidade dos trabalhos da PF: ‘Essas coisas acontecem também porque o Sistema Guardião, que pega toda essa roubalheira gravando todo mundo, é degravado superficialmente. Os policiais pegam as frases que acham mais bombásticas. Quando os advogados dos acusados solicitam a íntegra das fitas, o contexto é outro. E os acusados que aparecerem na TV sendo presos pelos homens de preto vão simplesmente para a rua’.


Outro agente antidrogas diz que os milhões apurados com a venda de cocaína vendidos mensalmente nas favelas cariocas entram no Brasil porque ‘nossas fronteiras são queijos-suíços e por ali passa tudo, não adianta mandar gente para lá, porque esse tipo de ação não aparece no Jornal Nacional‘. Ou seja: as fronteiras estão desguarnecidas. O grosso da força policial está agora nas capitais.


Há problemas de toda ordem. O diretor de Relações do Trabalho da Federação Nacional dos Policiais Federais, Francisco Carlos Sabino, disse que esteve no Rio de Janeiro há 15 dias e descobriu que os policiais da equipe precursora estão chegando à cidade sem receber diárias e orientações sobre o local. O diretor lembra que há uma liminar que obriga o Departamento a pagar as diárias antes de os policiais viajarem.


Problemas funcionais que, de resto, atingem todo o serviço público, acabam por afetar o trabalho policial. O plano de carreira que divide delegados, agentes, peritos, papiloscopistas e escrivães está na raiz de conflitos que emergem quando há policiais implicados em operações. Sem falar nas disputas internas.


Segundo Francisco Sabino, há cerca de 30 dias, foi prometido que a organização dos Jogos Pan-Americanos estabeleceria convênio com alguns hotéis para os policiais se hospedarem durante os jogos. ‘O que se vê, pouco mais de um mês do início do evento, é que nada foi feito para alojar os policias demonstrando uma completa desorganização’, comenta Sabino. Ele afirma, ainda, que os policiais federais ‘estão fazendo grupos para ficar em apartamentos na zona sul da cidade, onde o preço dos aluguéis está entre R$ 3.000 e R$ 3.500’.


Salto alto


Mas o caso mais grave trata de um descumprimento de ordem judicial. Trata-se das ameaças de morte feitas contra o jornalista José Ursílio de Souza e Silva, de Marília. Ele vem sendo ameaçado e perseguido há dois anos. As ameaças culminaram num ataque ocorrido a 8 de setembro de 2005, quando três homens e uma mulher invadiram o prédio da Central Marília Notícias, espancaram um vigia da empresa e atearam fogo no local. O incêndio destruiu parte das instalações do jornal Diário de Marília e das rádios Diário FM e Dirceu AM.


O caso ganhou contornos de cinema: a 14 de março de 2006 o filho do ex-prefeito de Marília e hoje deputado federal José Abelardo Camarinha (PSB), Rafael Camarinha, então com 23 anos de idade, morreu após ter sido baleado na cabeça por três homens armados. Ele estudava publicidade e propaganda na Unimar (Universidade de Marília) e era apontado pela polícia como suspeito de ter participado do incêndio criminoso que destruiu parte do jornal e das duas rádios na cidade. O caso ainda é um enigma.


Mas jornalista José Ursílio de Souza e Silva continua sendo ameaçado de morte. E a PF nega proteção a ele. A negativa da PF começa em 9 de junho de 2006. A desembargadora federal Suzana Camargo, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, pede em ofício o seguinte: ‘escolta e segurança ostensiva nos deslocamentos da residência, inclusive para fins de trabalho ou para prestação de depoimentos’. A PF ignora solenemente o pedido da desembargadora. Recomenda que o jornalista mude para Brasília para se inscrever no programa de proteção a testemunhas.


A 14 de agosto de 2006, a procuradora regional da República Janice Agostinho Barreto Ascari mandou ofício diretamente ao diretor da PF, delegado Paulo Lacerda, comunicando a decisão da desembargadora e pleiteando proteção imediata ao jornalista José Ursílio de Souza e Silva. A direção da PF ignora o pedido de Janice Ascari – justamente ela que foi a grande estrela da primeira grande operação da PF, a Anaconda, deflagrada em outubro de 2004 e que levou à cadeia, entre outros, o juiz federal João Carlos da Rocha Mattos.


Em 16 de agosto de 2006, a desembargadora federal Suzana Camargo volta à carga: pede a proteção diretamente ao então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. O pedido é mais uma vez ignorado. A 14 de novembro de 2006, Janice Ascari despacha novamente. Escreve que ‘a ordem de vossa excelência está sendo solenemente ignorada pela Polícia Federal’.


Janice pede que Thomaz Bastos dê escolta ao jornalista José Ursílio de Souza e Silva em 24 horas. Mais uma vez seu pedido é negado. No mesmo dia, a desembargadora Suzana Camargo escreve ao ministro da Justiça: não recebe resposta.

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Repórter especial do Consultor Jurídico