Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Canais públicos previstos na lei do cabo podem desaparecer

O anúncio da Anatel, na última semana, de que criará um grupo de estudos destinado à elaboração de uma nova licença para o serviço de TV por assinatura, põe em risco a existência dos canais comunitários, legislativos e outros previstos na lei do cabo. Desconsidera os debates sobre o marco regulatório e abre caminhos para as operadoras de telefonia e o capital estrangeiro.

Se as operadoras já existentes de TV por assinatura migrarem para o Serviço de Comunicação Eletrônica de Massa (SCEMa) – a nova licença anunciada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) na última semana (leia aqui) –, os canais comunitários e os demais canais previstos na lei do cabo podem estar com os dias contados, considera James Görgen, coordenador de projetos do Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom). Conforme a Anatel, a licença pretende abranger qualquer serviço de TV por assinatura, independentemente da tecnologia utilizada – DTH, MMDS ou cabo – e abarcar finalmente as empresas de telecomunicações.

Segundo Görgen, por pressão das empresas, dificilmente o novo serviço incluiria a obrigatoriedade de carregar os canais universitários, legislativos e comunitários, e antes que se consolide a televisão pública em canal aberto, os canais públicos já poderão ter sumido. ‘Este é um dos assuntos mais sérios dos últimos anos. É comum a Anatel legislar por portarias e normas, enquanto o Congresso discute uma legislação mais abrangente. Foi exatamente o que ocorreu com a lei do cabo e as normas que regem o DTH e o MDS entre 95 e 97, e que, por sinal, deixaram de fora os canais públicos’, lembra Görgen, salientando que agora pode ocorrer o mesmo.

Anatel deveria aguardar a Conferência

Gabriel Priolli, presidente da Associação Brasileira de Televisão Universitária (ABTU), acredita que qualquer medida assemelhada à que foi anunciada pela Anatel deve aguardar a realização da Conferência Nacional de Comunicação. Segundo Priolli, tal como foi recomendado para a implantação da rede pública de televisão – que aguardasse o Fórum Nacional de TVs Públicas e fossem implementados os resultados e orientações dele surgidas – também no âmbito da TV por assinatura qualquer resolução não pode se antecipar à Conferência.

‘Essa Conferência deve ser ampla, massiva, democrática, com a participação do maior número possível da opulação e de segmentos sociais. Não apoiamos uma conferência de cúpula, restritiva, apressada, feita a toque de caixa, em agosto, porque esta certamente não vai produzir o que se espera’, defende o presidente da ABTU. Ele salienta que a Conferência precisa ser construída da forma mais plural possível, porque, de outra forma, ‘dificilmente conseguirá resultar num anteprojeto de regulamentação geral eletrônica que atenda a multiplicidade de demandas’, considera.

Agência ignora debates do marco regulatório

Preparadas tecnologicamente para prestar os serviços, operadoras de telefonia encontram na legislação brasileira impedimentos ao ingresso nos serviços de TV por assinatura. A nova licença poderá resolver conflitos como os de IPTV (bom para as teles) e restrições ao capital estrangeiro (bom para as operadoras a cabo), mas atropela um processo de discussão que necessita envolver bem mais do que os dois setores econômicos e deveria culminar em novo marco regulatório para o setor.

O novo serviço, segundo a Anatel, não acabaria com as outras licenças de TV por
assinatura. O grupo de estudos verificará a existência de conflitos legais em relação aos outros serviços de TV a cabo já existentes, além de flexibilizar as amarras regulatórias. Entretanto, ao anunciá-lo, a agência reguladora antecipa-se à parte das discussões que se estabelecem entre sociedade civil e governo para a construção de um novo marco regulatório da Comunicação.

Procurada pelo e-Fórum para detalhar as características do novo serviço e do grupo de
estudos, a Anatel não se manifestou. Em matérias divulgadas pela imprensa
especializada durante a semana, a Agência afirma que os detentores de licenças antigas
poderão se transportar para a nova.

Abertura para teles e capital estrangeiro

Para Alexandre Annenberg, presidente da Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), esse novo serviço tem o objetivo explícito de contornar os problemas decorrentes da lei do cabo. Entretanto, o empresário considera difícil que um novo regulamento surja para elidir uma lei. ‘É um caminho muito tortuoso. Talvez fosse
muito mais fácil, mais direto, modificar a lei. Claro que isso tem outras implicações e barreiras, que também não são fáceis, mas, neste caso, está se colocando o carro na frente dos bois, criando a regulamentação para depois criar a lei’, analisa.

Para as operadoras de TV a cabo, segundo Annenberg, o que interessa nesta proposta é a ausência de restrição ao capital estrangeiro, item que incomoda na Lei do cabo. ‘As outras tecnologias e as teles não têm restrições neste sentido, enquanto as TVs a cabo têm. Isso cria uma desigualdade competitiva que tem que ser corrigida, porque para mesmos serviços temos que ter regras iguais, que preservem a competição e respeitem os investimentos já feitos’, avalia. Para isso, o empresário considera necessário rever a própria lei (do cabo) que estabeleceu essas regras.

Ciente de que ao anunciar o novo serviço (ainda por ser estudado) a intenção da Anatel é a de abrir o mercado para a entrada das teles como operadoras também dos serviços de TV por assinatura (leia aqui), Annenberg reconhece o caminho sugerido como inexorável. ‘Sem dúvida, no mundo inteiro as teles começam a oferecer esses serviços. O problema é como isso deve acontecer. O risco é que se a agência reguladora não estabelecer certas regras, as empresas com maior poder de mercado acabam eliminando qualquer possibilidade de concorrência. Esse é um detalhe fundamental que tem mais a ver com uma análise de mercado do que burocrática’, observa.

Annenberg lembra ainda que as teles já têm a enorme vantagem de possuírem uma infra-estrutura amortizada, capilarizada, extremamente vasta e, portanto, se entrarem sem o cuidado referido, ‘elas simplesmente asfixiam as TVs a cabo’.

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Da Redação FNDC