Leia abaixo os textos de segunda-feira selecionados para a seção Entre Aspas. ************ Folha de S. Paulo
Segunda-feira, 18 de junho de 2007
CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA
Entrevista da 2ª/José Eduardo Elias Romão
‘À frente de um órgão acusado de tentar impor uma volta da censura ao país, o diretor do Dejus (Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça), José Eduardo Elias Romão, 33, diz que ‘não há qualquer pretensão de travestir-se em superego das famílias brasileiras’.
José Eduardo Elias Romão está no centro do debate sobre a classificação indicativa, que define os horários adequados de exibição de programas na TV. Em entrevista à Folha, ele defende que a classificação dá muito mais autonomia aos pais e diz que nunca houve tanta liberdade no Brasil.
Romão também argumenta que seu departamento não tem nenhum poder de policiar, tampouco de punir, só de monitorar. Quando constata uma violação, encaminha ao Ministério Público, que decide se vai ou não à Justiça, com ampla possibilidade de participação das emissoras de TV.
As TVs, aliás, são alvo de Romão: segundo ele, a auto-regulamentação já foi tentada, mas fracassou por culpa das próprias emissoras. O advogado, que não é filiado a nenhum partido, também rejeita que haja subjetividade nas classificações. Diz que gostaria que as redes fizessem como os fabricantes de cereais: ‘O que tento é convencer as emissoras de fazer da classificação indicativa um valor agregado do seu produto, como os cereais fazem com a informação nutricional’.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
FOLHA – Críticos vêem a instituição da classificação indicativa como uma volta da censura. Como o sr. responde?
JOSÉ EDUARDO ELIAS ROMÃO – A classificação surge para afastar a censura. A classificação não impõe censura, é somente indicativa. Um órgão que só tem o poder de indicar, mas não tem autoridade para punir ou policiar, não pode exercer censura. A Divisão de Censura, anterior à Constituição de 88, tinha o poder de cercear, proibir, multar, restringir o acesso, cancelar a veiculação de notícias. E poder algum tem o Dejus. Em casos de inadequação, o Ministério da Justiça classifica ou reclassifica o produto, encaminha ao Ministério Público, que vai analisar sua procedência, e pode encaminhar ao Judiciário. As emissoras que descumprirem uma classificação do Ministério da Justiça não sofrerão qualquer punição. Nunca houve tanta liberdade.
FOLHA – Muitos pais acham que a classificação indicativa é uma maneira de alguém escolher por eles o que seus filhos vêem.
ROMÃO – Haverá pais ou pessoas que pensam que há um cerceamento na opção que fazem. Mas o processo de elaboração dessa política vem demonstrando que esse é o único modo de proteger crianças que não estão acompanhadas dos pais. Não é verdadeiro que o Ministério da Justiça pretenda se colocar no lugar dos pais.
FOLHA – E censura prévia? O ministério pode de fato analisar antes o que é veiculado na TV?
ROMÃO – A idéia de censura prévia está sempre associada à possibilidade de a autoridade ter o corte, impedir que seja exibido. O ministério, nessa portaria, transformou a análise prévia numa decisão das emissoras. É uma exceção. Se a emissora solicita dispensa da análise prévia e não justifica a razão pela qual classificou como livre um conteúdo com cenas inadequadas, como sexo explícito ou grave violência, cabe ao ministério reclamar que a emissora apresente o conteúdo para ser examinado.
FOLHA – E se houver violação?
ROMÃO – Nós comunicamos a emissora. Se o programa já foi classificado, a emissora terá duas advertências, para que justifique a razão pela qual aquela inadequação para aquele horário foi ao ar. Se a emissora diz que não há inadequação ou tenta apenas desconstruir ou rechaçar, o ministério pode reclassificar o programa. A emissora terá que mudar o programa de horário? Não. Só após uma decisão do Judiciário.
FOLHA – Os critérios de classificação também são muito criticados. Como foram definidos?
ROMÃO – Há uma diferença entre os critérios de classificação e os indicadores. Os critérios foram definidos por lei. Em 2001 se publicou a lei 10.359, que define sexo e violência como os dois critérios para a análise das obras. Em 2006, o Ministério da Justiça construiu, a partir dos critérios, indicadores. O critério sexo é bastante amplo. O que é sexo para uma família do interior de Minas não é necessariamente sexo para uma família do Rio, do Leblon. Essas diferenças podem existir -e deverão existir- em sociedade. Mas o Estado, quando interpreta uma determinada cena, não pode se valer da subjetividade de seus analistas. Quando eu digo sexo, o ministério tem de afirmar: o sexo é o comportamento sexual, com penetração, entre um homem e uma mulher, ou dois homens, duas mulheres etc. Pode parecer jocoso, ou desconfortável, mas esse nível de objetividade é uma das garantias que o processo de classificação oferece às emissoras e à população. Se a emissora discorda desse entendimento, tem como refutá-lo.
FOLHA – O sr. fala de objetividade, mas o ex-diretor-adjunto do Departamento de Justiça e Classificação Indicativa do ministério, Tarcízio Ildefonso, disse [quando ainda estava no cargo] que o programa das ‘Meninas Superpoderosas’ não era especialmente recomendado para crianças porque elas se reúnem num shopping e isso estimula o consumismo. Se a reunião fosse num parque, poderia ser. Não é extremamente subjetivo?
ROMÃO – Claro que é. Por isso que é uma manifestação que ele fez numa entrevista, como aqui faço à Folha. Há opiniões que posso produzir, que não expressam ou não significam uma decisão administrativa do ministério.
FOLHA – As emissoras argumentam que seria melhor uma auto-regulamentação que uma classificação indicativa partindo do ministério. Dizem, também, que esse é o modelo de vários países.
ROMÃO – Não é verdade que haja auto-regulamentação na maioria dos países. Não é assim na Inglaterra, na Austrália, na França e nos EUA, que é o modelo do liberalismo. O que ocorreu nesses diversos países? A auto-regulamentação, ou não se produziu -as emissoras não chegaram a um acordo, porque são competidoras- ou, quando se produziu, não houve cumprimento. Esse é o caso da Espanha, e é o caso do Brasil. Aqui, em 1990, saiu a primeira portaria que especifica as regras da classificação indicativa, com vinculação horária. As emissoras, num grande esforço, disseram ao Estado que fariam regras próprias para o padrão de ética e de conteúdo adequado à proteção da criança e do adolescente. E o fizeram. Em 1993, a Abert, que reunia até então todas as grandes emissoras comerciais, produziu um Código de Ética. Foi cumprido? Não houve uma única advertência.
FOLHA – Mas a classificação não pode atrapalhar também o conteúdo jornalístico das emissoras?
ROMÃO – Essa dúvida estava posta em 2000, quando a portaria dizia que qualquer programa ao vivo poderia ser classificado. Essa dúvida só se desfez com a portaria 264, que expressamente diz que programas noticiosos, seja qual for a qualidade do jornalismo, e não é o Ministério da Justiça que tem condições de dizer, não pode ter classificação indicativa.
FOLHA – O sr. foi criticado por ser jovem. Aos 33 anos, comanda o departamento que define a classificação que todo o país terá de acompanhar.
ROMÃO – A crítica sobre a pouca idade tem uma premissa que é falsa, como se a política, o trabalho de classificação pudesse se submeter a mim e por mim ser avaliada.
FOLHA – Sua equipe também é jovem e mal-remunerada. A média da faixa etária não passa de 30 anos e o salário é baixo.
ROMÃO – Não tem como dourar a pílula, é mal-remunerada, R$ 1.200 é insuficiente. O ponto para nós aqui é que, até agora, existem acúmulos nesse processo que transcendem a minha experiência e a capacidade de minha equipe. Mas há uma vantagem nessas pessoas que têm uma média de idade com certeza muito abaixo da dos censores, que eram pessoas muito mais velhas. Esse grupo se abre e se obriga a se vincular a um processo, do qual participam necessariamente outras tantas experiências. A maior vantagem é saber que há tantos limites que só um método democrático pode nos levar a superá-los. Não há qualquer pretensão de travestir-se em superego das famílias brasileiras.
Se ainda tenho dificuldades, como todo pai, para educar, fazer opção dos meus próprios filhos, quem diria fazer opção para os filhos de todas as pessoas de nosso país. É por vivenciar as dificuldades dos pais, que de modo algum poderia colocar dificuldades.’
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Portaria prevê adaptação da TV ao fuso
‘A origem da nova polêmica sobre a classificação indicativa é a portaria 264, que estabelece vinculação entre a classificação de um programa de TV e a faixa horária em que ele pode ser exibido. Além disso, o texto determina que as emissoras adaptem sua programação aos diferentes fusos do país -no horário de verão, a diferença pode chegar a três horas, o que leva um programa das 22h a ser veiculado às 19h em alguns Estados.
A portaria deve entrar em vigor a partir do próximo dia 27, mas seu principal artigo, o 19 -que estabelece a vinculação e a questão dos fusos- é questionado na Justiça e está suspenso por liminar.
Uma das principais novidades do debate é um manual que estabelece critérios específicos para a classificação de cada programa. Em páginas de diferentes cores (verde é livre; amarelo, 12 anos; laranja, 14, vermelho, 16; e preto, 18), lista indicadores adequados a cada idade. Um programa em que apareça ‘proporção do conteúdo sexual/com nudez entre 10% e 30%’ é recomendado para maiores de 14 anos. Já um em que ‘o sexo é associado a traição extraconjugal’ deveria ser veiculado apenas para maiores de 16 anos.
A vinculação horária é a seguinte: para maiores de 12 anos, a partir das 20h; de 14 anos, das 21h em diante; 16 anos, 22h; e 18 anos, só depois das 23h.
A vinculação não tem poder de tirar o programa do ar. Se considerar que a emissora desrespeitou a classificação, o governo encaminha ao Ministério Público, que, se acolher a reclamação, pode ir à Justiça para tentar alterar o horário da atração.’
TELEVISÃO
Net é obrigada a digitalizar canais públicos
‘Maior operadora de TV paga do país, a Net assinou na última quinta um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC), proposto pelo Ministério Público Federal, em que fica obrigada a digitalizar os sinais dos canais públicos, como TVs Câmara e Senado, comunitários e universitários.
A Net vem escondendo esses canais dos assinantes do serviço digital. Eles não ficam disponíveis na mesma seleção dos demais canais. Para assisti-los, é preciso desligar o decodificador digital e usar o controle remoto do próprio televisor, o que desestimula o telespectador. Por terem sinal analógico, a qualidade de imagem e som desses canais é bem inferior.
Entidades que representam esses canais acusam a Net de discriminá-los e de tratá-los como subcategoria. No ano passado, o Ministério Público Federal abriu uma investigação, que resultou no TAC.
Pelo TAC, a Net irá digitalizar os canais públicos até 31 de outubro no Rio e até 31 de dezembro em São Paulo. Cidades como Porto Alegre, Brasília e Campinas já fizeram isso.
Fernando de Magalhães, diretor de programação da Net, diz que a digitalização ocorrerá antes desses prazos. Ele diz que a digitalização não ocorreu antes por ‘restrição de freqüência’. ‘Esse acordo ia sair independentemente do Ministério Público. A gente se sente confortável resolvendo o problema para o assinante’, diz.
SOCIEDADE 1 Um dos 50 chefs mais importantes do mundo, Alex Atala, do restaurante D.O.M., fechou com a Globo e dividirá um quadro com Luciano Huck no ‘Caldeirão’. ‘Negócio Fechado’, nome da atração, será levemente inspirado em ‘Kitchen Nigthmares’ (GNT), do britânico Gordon Ramsay.
SOCIEDADE 2’Basicamente, eu e Alex vamos procurar pessoas para serem nossas sócias durante uma semana. Vamos dar dicas até para dono de restaurante de beira de estrada, tentar achar o que falta para o negócio dar certo’, conta Luciano Huck.
SOCIEDADE 3 Um piloto de ‘Negócio Fechado’ será gravado em agosto e exibido neste ano. O quadro só será regular em 2008.
LAÇOS DE FAMÍLIA 1Juliana Didone, que acabou de fazer ‘O Profeta’, vai participar de ‘Paraíso Tropical’. Sua personagem, Fernanda, mora em São Paulo, mas passará uma temporada no Rio para tentar separar Fred (Paulo Vilhena) de Camila (Patricia Werneck), que já estarão casados.
LAÇOS DE FAMÍLIA 2 Fernanda e Fred são filhos dos primeiros casamentos de seus pais. Ela tem atração por Fred, que a vê como irmã.
AGORA É MODAPróxima novela da Record, ‘Caminhos do Coração’ também terá gays. Um deles será vivido por Claudio Heinrich e o outro, por Deo Garcês. O primeiro será enrustido, do tipo que apresenta namorada para a família. O segundo, estudante de história, será assumido.’
TODA MÍDIA
A coisa desandou
‘O site Fazendo Media, do Rio, ironiza que Globo e Renan Calheiros ‘sempre tiveram relação profícua, mas a coisa desandou’ desde o ‘JN’ de quinta-feira. Pergunta por que a ‘discórdia’ e por que ‘só agora’. Ao longo do fim de semana, ele prosseguiu na mira.
No Blog dos Blogs, Tales Faria postou que, para o DEM de José Agripino Maia, ‘a estratégia de partir para cima rendeu: levou o PSDB a se posicionar, até o líder Arthur Virgílio’. O ex-PFL agora ‘avalia que, se Renan renunciar, são maiores as chances de o DEM vencer’. Na Folha Online, Kennedy Alencar registrou uma ‘discreta preocupação no Palácio do Planalto’.
Há duas semanas, o blog de Josias de Souza postou que Renan já dava o DEM como ‘interessado num terceiro turno’ e usando sua ‘vida pessoal’ de ‘arma’.
‘DEMOCRACIA’
Mais um domingo sobre ‘afrolatino-americanos’ na capa do ‘Miami Herald’, desta vez inteiramente voltado para o Brasil. Sob a manchete, ‘A auto-imagem pública do Brasil como uma ‘democracia racial’ é desafiada por negros que lutam para subverter séculos de racismo’. Na foto, uma piscina de mansão e favela ao fundo. Entre as reportagens, uma sobre o movimento quilombola, outra sobre a TV de Netinho.
O texto principal trata dos programas de ação afirmativa e menciona o discurso de ‘democracia racial’ como maior obstáculo. Ouve líderes negros e, no outro lado, cita ‘Ali Kamel, diretor-executivo de jornalismo da maior rede de televisão do país, Globo’.
TRANSBORDANDO
Os sites de ‘Washington Post’, ‘New York Times’ e outros reproduziam ontem o especial ‘Prisões da América Latina estão transbordando’, dos correspondentes da AP na América Central, Rio, São Paulo, Santiago e Caracas.
Diz que ‘homens, mulheres e crianças’ seguem presos sem processo, como efeito do código napoleônico que é a base das leis da região -que ‘determinam que os acusados provem a inocência’ em caso de prisão. Diz serem 172 mil nessa condição, só no Brasil.
DECEPCIONADOS
Em longa reportagem no sábado, com tradução no UOL, o francês ‘Le Monde’ noticiou que os ‘camponeses sem-terra, decepcionados com a política do presidente, buscam nova estratégia’. No congresso do MST, ‘discursos condenaram veementemente o agribusiness em expansão’.
A correspondente ouviu Gilmar Mauro, coordenador do movimento, para quem ‘o governo aproximou-se do agribusiness’ e ‘sua política não traz nada que se pareça com uma reforma agrária’.
DA RCTV À TELESUR
Sob o título ‘Construindo uma TV e uma plataforma para esquerdistas’, o correspondente do ‘NYT’ visitou a Telesur de Hugo Chávez e abriu citando a cobertura do congresso do MST. Mas destacou as contradições do diretor da emissora, Andrés Izarra, 38, ex-CNN, NBC e RCTV, de perfil próximo ao de Franklin Martins, ex-Globo
AGORA, O BOTO
Atento aos ambientalistas, o ‘Guardian’ noticiou que as usinas do rio Madeira podem ‘isolar os botos cor-de-rosa’, trazendo ‘temor de extinção’. Mas o problema maior ainda é a pesca, com ‘novas técnicas’.
‘REI DA SOJA’ NOVO
Já o ‘Observer’ destacou um novo ‘rei da soja’, não mais Blairo Maggi, a ameaçar as matas da América do Sul. É o argentino Manuel Santos Uribelarrea, que avançou pelo Uruguai -e agora até o Brasil.’
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O Estado de S. Paulo
Segunda-feira, 18 de junho de 2007
VIOLÊNCIA & JORNALISMO
Jornalista é caçado pelo Hamas e foge da morte em Gaza
‘RAMALLAH, CISJORDÂNIA – Eram 17 horas de quinta-feira quando Abdel Salam Abu Nada, diretor-geral da TV Palestina, recebeu a informação de que militantes do Hamas estavam indo para seu apartamento na Faixa de Gaza. Abu Nada, que morava sozinho, saiu com a roupa do corpo. Dez minutos depois, os militantes arrombaram a porta e atearam fogo no apartamento, incluindo toda a mobília nova que tinha comprado para receber sua mulher, que finalmente tivera autorização de Israel para se mudar de Nablus para Gaza, depois de dois anos e meio de casados. ‘Ainda não paguei os móveis’, diz o jornalista, que recebeu o Estado na casa de amigos, em Ramallah.
Três horas antes do ataque a seu apartamento, Abu Nada fora o último a sair da sede da emissora, que também foi invadida e teve seus carros e equipamentos confiscados pelo Hamas. O grupo pôs no ar sua própria TV há sete meses. ‘Fiquei escondido, mudando de lugar a cada duas ou três horas’, conta Abu Nada, cuja cabeça fora colocada oficialmente a prêmio na TV e na rádio do Hamas. No dia seguinte, sua ex-mulher telefonou avisando que o Fatah estava negociando para o Exército israelense deixar passar pela fronteira seus partidários ameaçados de morte em Gaza.
Abu Nada esgueirou-se pela estrada que leva à fronteira. Às 16 horas de sexta-feira, quando se aproximava do posto de Erez (abandonado pelos guardas da Autoridade Palestina e ainda não ocupado pelo Hamas), soldados israelenses que trabalhavam com tratores no local abriram fogo com metralhadoras na sua direção, temendo que se tratasse de um atentado. Fragmentos dos projéteis feriram superficialmente sua perna esquerda. O jornalista de 49 anos rastejou nos 400 metros restantes, até entrar no posto de fronteira, um túnel de concreto hermeticamente protegido contra atentados. Ali dentro, ele esperou 12 horas, enquanto as autoridades palestinas e israelenses negociavam a passagem. Outros 30 membros do Fatah foram chegando aos poucos. Israel alegava ‘razões de segurança’.
‘Não vou mentir, os israelenses nos trataram bem, nos deram comida’, diz Abu Nada, que como outros partidários do Fatah é acusado pelo Hamas de ‘colaboracionismo’ em favor de israelenses e americanos. Finalmente, às 4h30 de sábado, um ônibus trouxe os fugitivos para Ramallah.
De seus três filhos, um se mudou há um mês para o Canadá, outro estuda no Marrocos e a terceira, que nasceu quando a família vivia em Malta, tem cidadania européia e se prepara para se mudar com o marido e a filha para a Europa. ‘Tive sorte’, avalia o jornalista, que há um ano e meio escapou de uma tentativa de seqüestro. ‘O Hamas não pôde me pressionar por meio dos meus filhos.’ Seu irmão mais velho, no entanto, foi seqüestrado há três semanas pelo Exército do Islã, segundo ele ligado ao Hamas, e que mantém um jornalista da BBC em cativeiro. Abu Nada diz que sua família teve de vender terras para pagar o resgate de US$ 700 mil. Abu Nada teme pelo destino do Arquivo Nacional da TV Palestina – 7 mil fitas cassete com 30 anos de história do povo palestino, organizado por ele mesmo, com patrocínio do governo francês. Apenas mil dessas fitas têm uma cópia na outra sede da TV Palestina, em Ramallah. Em Gaza, onde estão 700 dos mil funcionários da emissora estatal, era produzida 70% da programação.’
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Brasil tem 15 finalistas nas duas primeiras categorias de Cannes
‘O Brasil estreou com 15 classificações nas duas primeiras shortlists, que é a pré-seleção dos futuros vencedores, divulgadas ontem pela organização do 54º Festival Internacional de Publicidade de Cannes.
Na categoria que elege as ações de promoção e vendas, denominada Promo Lions, o País classificou dois trabalhos. Mas nenhum deles tem grandes chances de abocanhar Leões. A superioridade das campanhas apresentadas por outros países, como Alemanha, Nova Zelândia e até mesmo Índia, segundo comentários de jurados, deve deixar o Brasil de fora dessa categoria. Já em marketing direto, chamada de Direct Lions, o Brasil emplacou 13 trabalhos nas finais e tem mais condições de ser premiado.
Em pleno verão europeu, com os espaços públicos lotados por pessoas douradas pelo sol, o grupo de publicitários e profissionais de marketing em Cannes é facilmente identificado. A conversa deles quase sempre tem a mesma tônica: convencer os 178 jurados das nove categorias em disputa sobre a qualidade dos trabalhos das agências de propaganda que representam. Ganhar Leões, seja de ouro, prata ou bronze, funciona como um cartão de visitas para as empresas.
Desde o final da semana passada, os jurados estão avaliando os 25.660 trabalhos inscritos neste ano. Trata-se de um número recorde, que também demonstra o crescimento do festival, hoje freqüentado também por anunciantes, estudantes e outros profissionais da área de marketing.
Os Leões deste ano começam a ser anunciados hoje pela manhã, com a revelação das duas categorias que tiveram os finalistas divulgados no fim de semana. O Promo Lions era o único júri presidido por um brasileiro, Geraldo Rocha Azevedo, da agência NeogamaBBH. Nele foram avaliados 782 trabalhos por 19 membros. Azevedo, em entrevista ao Estado, que é representante oficial do Festival de Publicidade de Cannes no Brasil, admitiu ter se surpreendido com a qualidade das peças em disputa. ‘Há idéias sólidas por trás das campanhas com chance de vitória’, diz ele. ‘Às vezes são idéias simples, mas que não têm apenas a venda como foco e conseguem associar o produto à vida do consumidor, transmitindo os valores da marca.’ O publicitário ressalta com isso a importância que a categoria, que passou a integrar o Festival de Cannes no ano passado, começa a ganhar.
A categoria Direct Lions reuniu 1.689 campanhas publicitárias na disputa, que foram julgadas por 31 membros. Assim como em Promo, também aqui a Alemanha se destacou na pré-seleção. Mas é dos ingleses que o publicitário Márcio Salem, da agência Salem, mais tem medo. Não à toa, já que a Inglaterra tem tradição de vitória na categoria, tendo obtido o maior número de Leões desde 2002, quando o Direct foi instituído. A Salem foi a agência que mais emplacou casos – foram três no shortlist entre as 13 campanhas brasileiras.
Pelos corredores do Palais, o que mais se comentava sobre a premiação do Direct Lions é que todos os jurados puderam ver a totalidade dos trabalhos selecionados, o que não é habitual. Dessa forma, as peças puderam ser mais bem avaliadas. O brasileiro que integra o júri, Flávio Salles, da agência Sun MRM Worldwide, disse estar otimista em relação a prêmios para o Brasil.
Entretanto, o que se comentava entre os publicitários do Brasil é que algumas peças foram inscritas de forma errada. Ou seja, não deveriam estar concorrendo em Direct, mas sim em Promo. O presidente do júri, o britânico Rory Sutherland, vice-presidente da Ogilvy no Reino Unido, pautado pelo raciocínio de que os trabalhos deveriam ser primordialmente de marketing direto, teria determinado a exclusão de casos que não tivessem estímulos ao diálogo e ao relacionamento, que estão na essência dessas ações.
OSCAR E DAVOS
Mais do que em anos anteriores, há na 54ª edição da maior competição mundial de publicidade uma preocupação em dar ao evento um caráter também de negócios. Assim como aumenta a presença de anunciantes no festival, cresce também o número de seminários e workshops sobre a indústria da comunicação.
‘O Festival de Cannes é uma mistura de Oscar com a reunião da cúpula de Davos’, pontuou o inglês Philip Thomas, presidente do Cannes Lions 2007. Pode ser. Talvez falte um pouco do glamour das celebridades hollywoodianas e também de discussões árduas sobre as finanças mundiais, mas, com certeza, sobra disputa ferrenha por Leões. Todos querem levar um para casa.’
Andrew Martin
Kellogg’s reduz comercial infantil
‘As aparições do cereal Froot Loops nas manhãs de sábado na TV podem estar com os dias contados. A fabricante de cereais Kellogg’s informou que pretende eliminar gradativamente a propaganda de seus produtos para crianças menores de 12 anos, a menos que os alimentos estejam de acordo com as diretrizes específicas para as quantidades de calorias, açúcar, gordura e sódio.
A empresa anunciou também que só utilizará personagens licenciados ou bonecos de marca para promover produtos que atendam às diretrizes quanto aos nutrientes dos alimentos. As mudanças adotadas voluntariamente pela empresa, que entrarão em vigor dentro de um ano e meio, se aplicarão a quase metade dos produtos para crianças comercializados atualmente pela Kellogg’s em todo o mundo, incluindo o Froot Loops, os cereais Apple Jacks e Pop-Tarts.
Produtos como o Frosted Flakes, por exemplo, e o Rice Krispies com Real Strawberries, devem atender aos limites nutricionais impostos, o que não acontecerá com o Rice Krispies normal (excesso de sal).
David Mackay, presidente e diretor-executivo da Kellogg’s, disse que aqueles produtos que não se enquadrarem nas diretrizes deverão ser reformulados ou não serão mais anunciados para crianças. ‘É uma grande mudança’, disse Mackay. ‘Nos casos em que as mudanças puderem ser feitas sem que ocorra um impacto negativo no sabor do produto, nós o faremos.’
Segundo o executivo, se o produto não puder ser alterado, a empresa deverá ou comercializá-lo para um público mais velho ou deixará de fazer a sua publicidade.
Essas mudanças na política da empresa ocorrem 16 meses depois de a Kellogg’s e a Viacom, empresa proprietária do canal Nickelodeon, serem ameaçadas de processo judicial envolvendo a publicidade para crianças por dois grupos de defesa do consumidor, o Centro de Ciências de Interesses Públicos e a Campanha pelo Fim dos Comerciais para crianças, além de dois pais de Massachusetts.
TRÉGUA
Diante das mudanças decididas pela Kellogg’s, esses grupos declararam que não prosseguirão com as suas ações contra a companhia. No caso da Viacom, ela não negociou com os grupos e não participou do anúncio feito pela Kellogg’s. Os grupos de defesa ainda não decidiram se darão continuidade ao processo judicial contra a empresa.
‘A posição da Kellogg’s realmente evoluiu nesses meses, de um categórico não para uma aceitação de alguns critérios em termos de nutrição’, declarou Michael F. Jacobson, diretor executivo do Centro de Ciência de Interesses Públicos. Jacobson disse esperar que a decisão tomada pela empresa leve seus concorrentes a adotarem padrões ainda mais exigentes para a propaganda de produtos alimentícios para crianças.
Susan Linn, co-fundadora do grupo ‘Campanha pelo fim dos comerciais para crianças’, disse que a decisão da Kellogg’s, de não usar mais personagens sob licença em sua propaganda de alimentos à base de açúcar direcionada às crianças, foi particularmente importante. ‘Até agora o setor estava absolutamente intransigente nesse aspecto’, ela afirmou.
Nos últimos anos, autoridades na área da saúde têm alertado repetidamente que os constantes anúncios de alimentos para o público infantil vêm contribuindo para aumentar o número de crianças obesas ou com excesso de peso, que disparou nas últimas décadas.
Alguns países proibiram completamente a publicidade de alimentos nutricionalmente duvidosos para crianças e alguns membros do Congresso entendem que os Estados Unidos também deveriam estabelecer uma regulamentação federal a respeito. O setor alimentício prometeu reforçar sua própria auto-regulamentação.
Em novembro passado, dez das maiores empresas de bebida e alimentação do país, como McDonald’s, General Mills e Kellogg’s, prometeram que pelo menos 50% da publicidade destinada às crianças abaixo de doze anos promoveria alimentos mais saudáveis e encorajaria um estilo de vida mais ativo.
As empresas decidiram também não mais fazer propaganda nas escolas primárias e reduzir o uso de personagens sob licença para promover seus produtos. Essas empresas deverão completar seus planos, individualmente, para se ajustarem às diretrizes em aproximadamente 60 dias.
Da mesma maneira que a Kellogg’s, algumas empresas também anunciaram padrões mais rígidos para a propaganda de alimentos dirigida às crianças. Assim, em outubro passado, a Walt Disney declarou que só autorizará o uso dos seus personagens na publicidade de alimentos para o público infantil se os alimentos anunciados atenderem aos padrões nutricionais estabelecidos.
Em 2005, a Kraft Foods anunciou que abandonaria a publicidade de produtos para menores de 12 anos que não atendessem às diretrizes impostas para os nutrientes.
Com base nas novas regras anunciadas pela Kellogg’s, os produtos objeto de propaganda na TV, rádio, websites e na mídia impressa para um público formado de 50% ou mais de crianças menores de 12 anos deverão atender aos novos padrões nutricionais.
A Kellogg’s já tinha uma política de não dirigir sua propaganda para crianças com menos de seis anos de idade. Assim, as novas regras se aplicarão às crianças entre seis e onze anos.
De acordo com executivos da empresa, cerca de 27% do seu orçamento de publicidade nos Estados Unidos são direcionados à propaganda para esse grupo de idade. Mas eles não informaram o valor em dólares desse orçamento.
MENOS GORDURA
Ainda com base nos novos padrões, cada porção de alimento terá o máximo de 200 calorias, não deve conter gordura trans, não pode conter mais de 230 miligramas de sódio (exceto no caso dos waffles congelados Eggo) e não mais de 12 gramas de açúcar. A quantidade de gordura saturada também não deve exceder duas gramas. O cereal de cacau Krispies não atende a esses requisitos, pois cada porção contém 14 gramas de açúcar. No entanto, a Kellogg’s ainda poderá continuar fazendo propaganda do Frosted Flakes para as crianças porque cada porção contém 11 gramas de açúcar. Já o cereal Shrek não atende aos critérios estabelecidos pois contém 15 gramas de açúcar e utiliza um personagem sob licença.
Paralelamente, a Kellogg’ anunciou que, ainda este ano, introduzirá um rótulo nas caixas de cereal com informações adicionais do painel Nutrition Facts, que atua sob mandato do governo federal. Dados importantes serão realçados na frente da embalagem. O padrão já foram introduzidos na Europa e Austrália.
s novos rótulos indicarão a porcentagem de calorias, o total de sódio e gordura de cada porção, com base numa dieta de 2.000 calorias diárias, e também exibirá a quantidade em gramas de açúcar e de nutrientes como fibras e cálcio.’
TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
TV e internet agora chegam pela luz
‘O arquiteto paulistano Reynaldo Franco, de 54 anos, chega a ficar nervoso com a internet no seu escritório. Ele usa um acesso convencional de banda larga, com velocidade de 1 megabit por segundo (1 Mbps). É bastante, levando-se em conta que somente 22% dos acessos no Brasil tinham mais que 1 Mbps no fim de 2006. Mas nem se compara aos 39 Mbps que testa em casa desde o mês passado.
‘Quando digito um endereço de internet, a página aparece na hora’, diz Franco, que participa do projeto-piloto de acesso por fibra óptica que a Telefônica faz com 25 clientes na região dos Jardins. ‘É muito rápido passar projetos feitos no computador por e-mail.’ Os 39 Mbps que o arquiteto tem em casa equivalem a quase 700 acessos discados. Se a velocidade fosse a mesma na outra ponta, de quem fornece o serviço, poderia receber uma canção digitalizada em um segundo ou um filme de longa metragem em três minutos.
Tradicionalmente, a fibra óptica é usada para transportar informações no chamado backbone, a espinha dorsal das redes de telecomunicações, que juntam o tráfego de vários clientes. O surgimento da banda larga trouxe a fibra, de alta capacidade de transmissão, cada vez mais perto do cliente. O crescimento do vídeo via rede tornou o acesso residencial por fibra uma realidade em países como o Japão e a Coréia do Sul. A Verizon investe maciçamente em fibra nos Estados Unidos, e tinha 687 mil clientes conectados no fim do ano passado.
TELEVISÃO
Dos 25 clientes com a banda larga via fibra da internet, 18 também testam o serviço de IPTV, TV por banda larga direto no aparelho de televisão. A regulamentação não permite que a Telefônica ofereça comercialmente canais por IPTV, somente vídeo sob demanda. No teste, em que o serviço é gratuito, oferece ambos. A grade do IPTV da Telefônica ainda não tem os canais nacionais. ‘A imagem é boa, mas ainda a da Net é melhor’, disse Franco, que também assina o pacote de televisão, internet e telefonia da empresa de TV a cabo.
Ele gostou do serviço de vídeo sob demanda, em que pode escolher o filme que quer. O filme vem pela rede, mas funciona como se estivesse num DVD, com recursos de play, forward e back. ‘É uma facilidade que vai concorrer com as locadoras’, afirmou o arquiteto. O único defeito, segundo Franco, é que o teste só oferece uma dúzia de filmes. ‘Já vi a maioria.’
O arquiteto disse que assinaria o serviço, se o preço fosse razoável. Mas o valor, dado importante para o consumidor, a Telefônica ainda não revela. ‘Estamos definindo os detalhes comerciais e de funcionamento do pacote’, disse Paulo Furukawa, diretor de Rede de Acesso da Telefônica. A subsidiária brasileira é a primeira empresa do grupo a oferecer acesso de fibra para o cliente residencial. Nem a matriz está fazendo isso.
REDE EXCLUSIVA
A Telefônica construiu uma rede de fibras exclusiva para os clientes no Jardins, com capacidade para atender 4 mil residências. ‘Somos pioneiros no Brasil’, explicou José Luiz Dutra, diretor de Planejamento e Engenharia da operadora. ‘A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) está acompanhando o processo, para homologar o sistema.’
A empresa quer lançar o quanto antes a banda larga via fibra e o IPTV assim que a legislação permitir. A corrida para a tecnologia pode ser explicada pela oferta de telefonia, internet e TV pelas empresas de cabo. Apesar de não estar testando isso, a Telefônica também poderia ter telefonia na fibra.
Cada ponto de televisão consome 3 Mbps de capacidade no IPTV, com a qualidade atual de imagem. Com a alta definição, que deve estrear na TV aberta em dezembro, chegaria a 12 Mbps. Como as casas costumam ter dois ou três pontos, ficaria difícil oferecer o serviço pelos fios de cobre. O Speedy chega hoje a 8 Mbps e, segundo testes da empresa, poderia ir até 10 Mbps. Ou seja, ainda faltaria capacidade para um ponto com alta definição.
A Brasil Telecom planeja iniciar um piloto em Brasília até setembro. ‘Já pensamos nisso há cinco anos’, afirmou Mauro Fukuda, diretor técnico e de Arquitetura de Redes da operadora. ‘O problema era econômico.’ O executivo acredita que os acessos de altíssima velocidade são produto de nicho, mas ressaltou que a operadora precisa estar pronta com uma rede de grande velocidade para transmitir sinais de TV.
A opção da Oi (antiga Telemar) não foi de levar a fibra à casa do cliente, mas de trazê-la para perto, usando ainda o par de fios de cobre nos últimos 300 ou 500 metros. ‘Essa solução tem custo menor e é mais rápida de se implantar’, explicou João Silveira, diretor de Varejo da Oi. Ele está com um piloto na região da Lagoa e do Jardim Botânico, no Rio, com velocidade de até 25 Mbps. ‘O aumento da capacidade da banda larga faz parte da estratégia de oferecer soluções integradas’, disse Silveira. Ou seja, prepara o terreno para a TV.
MAIS VELOCIDADE
56 Kbps
é a velocidade que atingem os acessos de internet discada
8 Mbps
é a velocidade máxima de serviços de banda larga que já estão no mercado, como o Speedy e o Vírtua. Equivale a mais de 140 acessos discados
39 Mbps
é quanto a Telefônica oferece nos testes de fibra óptica na casa do cliente
10 Gbps
é quanto chegam os acessos corporativos por fibra. Um Gbps equivale a 1 mil Mbps
25 clientes
fazem o teste de acesso óptico da Telefônica, com banda larga. Desse grupo, 18 também testam o serviço de televisão
4 mil residências
podem ser atendidas pela rede óptica instalada pela Telefônica nos Jardins’
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Há 30 anos, nascia a fibra óptica brasileira
‘A fibra óptica é um filamento de vidro que transporta um sinal de luz. Ao contrário dos fios de cobre, não está sujeita à interferência radioelétrica. A capacidade de transmissão da fibra óptica é muito maior do que as redes de cobre. ‘Além disso, o custo operacional é menor’, disse Renato Flávio Cruz, gerente da fabricante Furukawa. A Telefônica testa acessos residenciais de 39 Mbps (ver reportagem ao lado), mas já oferece 10 gigabits por segundo (Gbps), ou 10 mil Mbps, para empresas.
Em abril de 1977, uma equipe de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) conseguiu fabricar a primeira fibra óptica brasileira. ‘Os experimentos tinham de ser rápidos, porque a fibra se partia com a umidade do ar’, recordou José Mauro Leal Costa, presidente executivo da CTBC, que participou da equipe pioneira. ‘Ainda não tínhamos desenvolvido a técnica para manter a integridade da fibra.’
Costa terminou seu doutorado em física em 1975, na Catholic University of America, em Washington, participando do primeiro grupo de pós-graduação a trabalhar com fibra óptica nos Estados Unidos. No mesmo ano, voltou ao Brasil para integrar o grupo de pesquisa na Unicamp, formado pelo professor Sérgio Porto. ‘Eu era o único brasileiro em um grupo de 11 professores’, explicou o presidente da CTBC. ‘E o único que tinha visto uma fibra óptica na vida.’ Em 1976, passou a liderar o projeto. Sua tese de doutorado havia tratado da fabricação de vidros de alta pureza para fibras ópticas.
Depois disso, Costa passou ao grupo de pesquisa de fibras ópticas do CPqD, centro de pesquisa e desenvolvimento do Sistema Telebrás. O primeiro sistema comercial de comunicações ópticas totalmente desenvolvido entrou em operação em Uberlândia (MG) em agosto de 1984, produzido pela ABC Xtal, empresa que pertencia ao Grupo Algar, dono da CTBC.’
John Markoff
Microsoft e Apple resistem ao avanço do software na web
‘Poderão dois ferozes rivais salvar o sistema operacional dos computadores? Na batalha entre a Apple e a Microsoft, Bertrand Serlet e Steven Sinofsky são os generais encarregados dos esforços para assegurar que o software básico dos PCs continue relevante em um mundo cada vez mais centrado na internet.
Os dois estão mobilizando seus engenheiros de software para o próximo embate, em algum momento de 2009, quando deverá sair uma nova geração de sistemas operacionais Macintosh e Windows. O desafio deles será evitar novamente travar a última guerra – e impedir um ataque dos novos competidores pelos flancos.
Muitos especialistas em tecnologia entendem, porém, que os sistemas operacionais cada vez mais pesados que atualmente equipam 750 milhões de computadores – como o Windows Vista, da Microsoft, e o Mac OS X Leopard, da Apple, que deve sair em breve – perderão progressivamente a importância. Nessa visão, o software será uma coleção modular de serviços baseados na internet. E será projetado por companhias como Google, Yahoo e outros iniciantes ágeis.
‘O centro de gravidade e de inovação, que costumava ficar no PC, se deslocou para a web’, disse Nova Spivak, presidente-executivo e fundador da Radar Networks, que está desenvolvendo um serviço na internet para armazenar e organizar informações.
Confrontados por essa mudança de dinâmica, a Apple, de Steve Jobs, e a Microsoft, de Bill Gates, devem desenvolver sistemas operacionais que reflitam cada vez mais a influência da web. E se o seu valioso quintal pode ser preservado, ele refletirá, em grande escala, o trabalho de Serlet e Sinofsky, veteranos engenheiros de software com desafios semelhantes, mas estilos de ação diferentes.
Sua rivalidade adquiriu tons pessoais em meados do ano passado, quando Serlet ridicularizou publicamente o Windows Vista chamando a atenção para recursos que pareciam derivados do OS X, da Apple.
Um desenvolvedor de software que trabalhou nas duas companhias – e não quis ser identificado porque ainda dá consultoria para a Microsoft – comparou as atitudes dos dois com a diferença entre música de banda militar e jazz. A abordagem de Sinofsky, disse, é meticulosamente planejada desde o começo, com um foco firme no cumprimento de prazos, mas com pouca margem de manobra.
Por contraste, a atmosfera nas fileiras de engenharia de software da Apple tem sido muito mais improvisadora. Serlet, um cientista de computadores francês que foi atraído para o Vale do Silício há duas décadas, desenvolveu uma legião de seguidores fiéis entre os programadores da Apple. Ele tem uma personalidade imprevisível, segundo vários membros da sua equipe, e é objeto de algumas gozações na companhia. ‘Bertrand Serlet gosta que o processo seja um pouco caótico’, disse um programador da Apple.
Sinofsky, 41 anos, que entrou na Microsoft em 1989, é o vice-presidente-sênior para o grupo de engenharia do Windows e do Windows Live, um posto que assumiu há um ano, depois de dirigir a equipe de programadores do Office da empresa.
Serlet, 46 anos, vice-presidente sênior da Apple para engenharia de software, deixou o famoso Centro de Pesquisa de Palo Alto da Xerox para se unir a Steve Jobs na Next Software no fim dos anos 1980, e vem chefiando o desenvolvimento de software na Apple desde 2003. Serlet e Sinofsky disseram estar muito ocupados para dar entrevistas.’
TELEVISÃO
Carrasco devolve os paulistanos às novelas
‘Pecado capital já não é mais coisa que barre alguém no Paraíso, é praticamente traço de personalidade. Agora, é também material de construção de personagens nas mãos de Walcyr Carrasco. Com frio na barriga, ele deixa o horário das seis da TV Globo, onde foi recordista absoluto de audiência, para se aventurar na faixa das sete horas com Sete Pecados, que estréia hoje.
Sete pecados, sete horas, 2007. É a primeira trama contemporânea do autor, que colecionou sucessos de época até agora, como O Cravo e a Rosa, Chocolate com Pimenta e, no ano passado, Alma Gêmea.
Há duas semanas, com 30 capítulos prontos da fábula urbana que conta a história de uma patricinha obcecada em tirar um bom moço do caminho da virtude, Carrasco recebeu o Estado em sua casa no Morumbi. Falou da novela, de pecado e, principalmente, da cidade de São Paulo, que ele conhece tão bem e que virou seu personagem. Adiantou que a São Paulo de Sete Pecados é a moderna, mas também das pequenas e boas histórias. Nascido em Bernardino de Campos, interior do Estado, ele se confessa um paulistano típico, sem medo: ‘Adoro andar em shopping de São Paulo. Você pára o carro com conforto, passeia, é uma delícia.’
Você é cronista, um autor já acostumado a pensar sobre a cidade. Acha que isso pode facilitar sua vida na hora de escrever uma novela ambientada em São Paulo?
Conheço bastante a cidade. Vim do interior para cá aos 15 anos, são 40 anos de cidade. Antes dos 20 anos, fui ser pesquisador, ia de porta em porta. Acabei conhecendo muitos lugares. É uma cidade que eu gosto, que conheço e que acho que tem lugares muito bonitos.
Como é passar do horário das seis para as sete horas?
Apresentei esta novela como um projeto para as sete horas porque não tinha mesmo cara de novela das seis. Então, tive de apostar que o próprio projeto tem a cara daquele horário. Gosto muito de fazer novela de época, por isso vinha apresentando projetos para o horário das seis. Neste caso foi diferente, mas só por isso, para adequar melhor o projeto ao horário. É preciso saber qual cara o projeto tem.
As novelas das sete horas não andam emplacando, e o horário já é chamado de problemático. Há alguma preocupação especial sobre isso?
Eu não usaria essa palavra e diria que todos os horários são problemáticos. Hoje existe uma concorrência forte e a gente nunca sabe o que vai fazer sucesso ou não, não temos essa fórmula. Às vezes a gente acha que uma coisa está bem, e não agrada ao público. E não é só televisão, é livro, teatro.
Sim. Mas o fracasso de uma novela da Globo ganha sempre mais repercussão do que o de uma peça de teatro, de um livro.
E você tem que estar preparado para ser sucesso também. No momento que você tem o sucesso é muito requisitado e se fizer tudo vai parar de escrever a novela. Você é cobrado o tempo inteiro. Novela é uma coisa que demanda mais ou menos um ano de trabalho, e fica oito meses no ar. Imagine, oito meses de fracasso na sua vida. A televisão lida com uma quantia muito grande de dinheiro, então se você não fizer sucesso, é muito cobrado.
Nestes meses em que está no ar, você fica enclausurado ou circula bastante?
Circulo, mas a minha personalidade é enclausurada. Gosto muito de ficar em casa, já não gosto mais da vida social ativa. E gosto de ter poucos amigos. Não sou de sair muito, com novela ou sem novela.
A São Paulo que vai aparecer na novela é a que você freqüenta?
É a que eu conheço, é a moderna. São personagens e histórias de São Paulo, histórias que vi, vivi ou conheço. E estou mostrando uma São Paulo nova, moderna, com os prédios da Berrini, da Marginal Pinheiros, esses prédios modernos, como o Instituto Tomie Ohtake. Quero mostrar a São Paulo que as pessoas vêem pouco.
E a parte pobre da cidade, como vai ser mostrada?
Existe na novela um colégio depredado na periferia. Tem aquela situação de educação muito grave, alunos desestimulados. Assume uma diretora legal, e vai começar uma luta para melhorar o colégio. Copiamos mesmo um colégio de São Paulo. Só que como o bairro é violento, eu não quis localizar. Dizemos apenas que é ‘pra lá de Ermelino Matarazzo’, na zona leste. Vários personagens da novela moram lá.
Mas o personagem do Reynaldo Gianecchini não mora lá, mora?
Não, mora na Vila Mariana, é mais classe média. O pessoal da baixa renda mora nos confins da zona leste, o Gianecchini mora na Vila Mariana, a protagonista no Morumbi. A personagem da Cláudia Raia mora em Moema, e a boate fica nos Jardins. Criamos uma rua dos Jardins, que tem a boate, um restaurante de luxo e um sebo – isso foi uma licença poética.
Por exemplo?
A personagem da Priscila Fantin é uma patricinha mimada. A mãe dela é viciada em plástica. São dois tipos típicos de São Paulo. Tem um grupo de nobres falidos. Conheci uma família assim. De repente, o jantar é uma lata de sardinha. Tem um chef de cozinha bem moderno inspirado em chefs bem paulistanos.
Em cada fase da novela o personagem do Gianecchini se vê às voltas com um pecado. Como vai ser isso?
É assim: pela paixão, a personagem da Priscila (Fantin) faz um acordo com as forças ocultas. Em contrapartida, ela tem de trazê-lo para a vida dela e, para isso, fazê-lo a praticar um pecado por vez. Ele é um homem com alma de anjo, ela é uma mulher que pratica pecados. Cada núcleo tem um personagem que representa um pecado.
É a segunda protagonista de Priscila, as duas em novelas suas. Foi você que a escolheu?
Sim. Gosto muito da Priscila Fantin como atriz, acho que ela tem um tom incrível.
A personagem de Priscila é má?
Acho que não. É uma patricinha, e como tal não tem muita noção de que o mundo não foi feito para ela. A grande vilã da novela é a Agatha, personagem da Cláudia Raia, que representa a inveja. É ela que leva a Beatriz (Priscila Fantin) para as forças ocultas.
Você costuma ouvir as pesquisas de opinião que a Globo faz?
Sim, faço questão de ver tudo. Quanta coisa a gente não faria diferente se pudesse. Se você tem a chance, durante o processo, de mexer numa obra para melhorá-la, por que não?
Muda muito seu jeito de trabalhar, no caso de novela contemporânea?
Você interfere muito mais no comportamento das pessoas em novela contemporânea.
Estreando às sete horas e numa novela contemporânea você fica muito ansioso?
Como se fosse uma novela das seis, lançando um livro ou estreando uma peça. Não vou negar que dá um frio na barriga, do ‘ah, e se não gostarem?’.
E dos sete pecados, qual é o seu?
A gula.’
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Pecando na Cidade
‘Sete Pecados usa arquétipos para relacionar os pecados capitais com histórias e personagens.
AVAREZA – Priscila Fantin é Beatriz, uma herdeira cercada de aproveitadores, que se deixa obcecar por um belo taxista.
INVEJA – Cláudia Raia é Agatha. Invejosa, mas engraçada, quer passar Beatriz para trás.
VAIDADE – Elizabeth Savalla é Rebeca, uma típica perua paulistana viciada em procedimentos estéticos.
GULA – A família Perseu e Minerva toca com gosto uma pizzaria na Vila Mariana.
LUXÚRIA – Mel Lisboa é Carla, a sedutora-mor do pedaço.
IRA – Sidney Sampaio é Pedro, membro do seleto grupo de chefs-celebridades e dono de um pavio curtíssimo.
PREGUIÇA – Rosamaria Murtinho é Otília, uma nobre falida que vive com a família num casarão caindo aos pedaços, mas não perde a pose.’
Keila Jimenez
R$ 2,4 mi pela Pedra
‘O fraco desempenho de A Pedra do Reino, da Globo, desapontou o mercado anunciante. Pelo menos duas grandes marcas, Peugeot e Coca-Cola, investiram pesado na microssérie. Pagaram cada uma das duas cotas de patrocínio nacional com cerca de R$ 2,4 milhões.
O intervalo comercial da produção também teve boas apostas: 30 segundos no break nacional de Pedra valia, pelo custo de tabela, R$ 145 mil em média. Precinho salgado para produto tão curto – cinco capítulos – e que chegou a ficar abaixo de dois dígitos no ibope.
Pedra, que estreou com 12 pontos de ibope, teve sua audiência reduzida para 9 no capítulo seguinte e bateu nos 11 no terceiro capítulo. No mercado, o consenso é de que a produção esbarrou na dificuldade de adaptação do livro de Ariano Suassuna.
Anos e anos atrás, ainda na era Boni, Benedito Ruy Barbosa e o chefão da Globo cogitaram adaptar esse mesmo romance de Suassuna. Após estudar o livro, o autor concluiu que sua transposição para a TV era muito complexa.
No teatro, Suassuna chegou a brigar com Antunes Filho por não ter gostado da primeira adaptação do diretor, décadas atrás. A que estreou no ano passado, também da lavra de Antunes, foi mais bem-sucedida e reconciliou os dois gênios.
entre-linhas
O SPTV 1.ª Edição exibe a partir hoje a série São Paulo no São João, que homenageia Luiz Gonzaga.
Renée de Vielmond (Ana Luísa) e Rodrigo Veronese (Lucas) voltam a Paraíso Tropical em julho, para o casamento de Daniel Bastos (Fábio Assunção).
Tradição em mesa-redonda, Roberto Avallone participa da edição de hoje do RockGol de Segunda, na MTV, às 22 horas.
Após muitas brigas no set de Grey’s Anatomy, o ator Isaiah Washington, que interpreta Preston Burke, foi demitido.’
Keila Jimenez
Lauro César define futuro na Record
‘Lauro Cesar Muniz deve acertar nos próximos dias seu futuro na Record. A emissora, que tem mais um ano de contrato com o autor, já pensa em renovação e quer que Muniz apresente seus novos projetos, afinal, deve ser dele a trama que substituirá Caminhos do Coração, novela que estréia em agosto. Além de uma novela, a Record pode encomendar uma minissérie ao autor.
Muniz estreou na emissora com Cidadão Brasileiro, trama que teve alguns problemas de produção, mas foi bem em audiência e comercialmente.’
INTERNET
‘Me compre! Me compre!’
‘Vez por outra, acontece isso: alguém aparece com uma destas, a tela dobrável. A última, da Sony, tem menos de 0,3 milímetro de espessura e pode ser costurada à roupa. Está em testes, claro. Sua produção é muito cara e apresenta problemas que ninguém de fora do laboratório conhece. Em testes.
Sempre que a tela dobrável aparece, vêm as mesmas especulações a respeito de seu uso. Encaixe-a no pulso da jaqueta e ela fará o papel de televisão, relógio, seja lá o que for. Ligue-a ao computador antes de sair de casa, carregue nela o jornal do dia, ponha no bolso e siga lendo no metrô. A tela flexível economizará o dinheiro gasto em gasolina para distribuição de jornal, além de salvar a vida de algumas árvores.
Mas há uma certa falta de imaginação jornalística, aí: quando nós, repórteres, falamos de televisão e jornal, é porque achamos que a tela só será usada para apresentar notícias. Vejamos, no entanto, cenários alternativos. Embalagens, por exemplo. Em vinte anos, as embalagens serão revestidas com telas flexíveis ligadas a um chipezinho com conexão sem fio.
O sujeito entra no supermercado e, já na porta, é identificado pelo cartão de milhagem que carrega no bolso e lhe garante descontos nas compras. O banco de dados do supermercado já sabe, portanto, que aquele sujeito compra a marca x de leite, que às vezes leva um vinho chileno, que gosta de sua alface fresca. Automaticamente, todas as embalagens são informadas a respeito dos hábitos do pobre coitado.
Assim, basta que ele entre no corredor de laticínios para que a caixa de leite sussurre: ‘Pedro? Pedro! Olha pra mim.’ E você olha e, como se fosse uma caixa saída de algum episódio de Harry Potter onde tudo, dos quadros às latas, se mexe, e lá está aquela atriz que você acha linda lançando olhares matreiros. Aquelas sobrancelhas de Malu Mader o torturam. (Sim, ele tem noção de quem você gosta, posto que seus hábitos de navegação também são conhecidos pelo gigantesco banco de dados que tudo sabe no mundo onde a privacidade se foi.)
Não é nada para ano que vem ou mesmo década que vem. Mas 2027? Possível tecnologicamente, será. Um mundo de vertigens, onde tudo ao seu redor estará sempre se mexendo. Só porque será possível tecnologicamente, isto quer dizer que acontecerá?
Um antídoto é legislação mais rigorosa que controle a maneira como empresas – editoras, cartões de crédito, sites de busca, etc. – armazenam informação a respeito de indivíduos. Outro é a conscientização que todos deveríamos ter sobre a quantidade de informação a nosso respeito que entregamos todo dia.
Mas há outro caminho: proxys anônimos. Há quem só navegue pela internet usando estes sites, que mascaram seu caminho pela rede. A loja eletrônica não sabe se você já a visitou, o site de busca o desconhece, o site o transforma num completo desconhecido. Um anônimo encapuzado pelo mundo eletrônico. No futuro, quem sabe, lançaremos mão de instrumentos que nos tornarão anônimos ao maquinário em volta. E, assim, abriremos mão de conveniências tecnológicas.
Isto já acontece com alguns. Richard Stallman, guru do software livre, não usa celular. Para ele, é um localizador. Não quer que saibam onde está.
Se a embalagem de leite não souber que você prefere a concorrente e desconhecer seu padrão de beleza feminina (ou masculina, vá), talvez tenha mais dificuldades na hora da sedução. Mas, ainda assim, ela se movimentará. Este será um mundo sujo, talvez, poluído, certamente menos tranqüilo. Um mundo saído da imaginação gótica de escritores de ficção científica como Philip K. Dick, o de Blade Runner e Minority Report.
É nessas horas, pensando no futuro, que uma Lei da Cidade Limpa faz um pouco mais de sentido.’
Filipe Serrano
O leitor também é agente da notícia
‘Você está diante de seu PC e recebe uma mensagem RSS sobre um ataque a bomba que acabou de acontecer na Europa. Entra no YouTube e assiste a vídeos de gente que presenciou o atentado. Nos fotologs, pipocam fotos postadas diretamente dos celulares das testemunhas. Então, baixa o podcast de um pesquisador especializado em terrorismo. Informar-se dessa maneira é a tendência do futuro e terminará por deixar a mídia tradicional de lado?
Na visão de estudiosos e profissionais de jornalismo online presentes no 1º Seminário Internacional de Jornalismo Online, o Media On, qualquer pessoa munida de apetrechos tecnológicos pode se tornar uma fonte de informação. Já sua credibilidade é discutível.
Segundo os debatedores, a grande dificuldade dos veículos de comunicação tradicionais é exatamente entender as mudanças para conciliá-las a um trabalho jornalístico de qualidade, com informações bem checadas e opiniões dos diversos lados envolvidos.
Por isso, representantes de organizações mostraram como estão transformando seus sites em uma comunidade ativa, em que os internautas lêem as notícias, vêem vídeos, comentam e complementam as reportagens e ainda fazem a recomendação delas, se a informação for interessante para eles.
O Media On ocorreu durante três dias na semana passada em São Paulo, no Itaú Cultural e os debates estão disponíveis na íntegra no site.
Mídia e público não concorrem
O Media On também abriu espaço para professores e pesquisadores da área de jornalismo que têm estudado qual o significado das ferramentas tecnológicas para a sociedade e para a profissão.
O brasileiro Rosental Calmon Alves pesquisa e oferece o curso de jornalismo online na Universidade do Texas, nos EUA. Para ele, as ferramentas digitais que dão voz aos antigos leitores passivos não devem ser encaradas como uma ameaça à mídia tradicional.
‘O jornalismo deixa de ser um sermão para ser uma conversação, um diálogo, sem que isso represente o fim do jornalista’, disse. ‘É o jornalismo profissional, ético e independente que ainda tem o papel de dar sentido às informações. O fato de ter muita gente amadora fazendo jornalismo, torna mais relevante esse papel analítico’, completou.
Para Rosental, ter um equipamento – o computador – que ao mesmo tempo serve para receber e transmitir informação é uma revolução na maneira de fazer jornalismo.
Com uma idéia complementar, André Lemos, sociólogo e professor de comunicação e cibercultura da Universidade Federal da Bahia, acredita que a internet trouxe uma mudança radical na comunicação de massa. ‘Portais, blogs e qualquer pessoa pode produzir informação e eles não competem necessariamente entre si. Coexistem oferecendo ao público maior possibilidade de escolha informacional, o que traz uma nova dimensão política, social e cultural gigantesca’, disse.
Já o argentino Julián Gallo, blogueiro e consultor em tecnologias, mostrou como a cooperação entre as pessoas na internet para produzir informação é mais construtiva. Para ele, algumas redes sociais criadas em sites de veículos de comunicação não têm um espaço colaborativo livre. ‘É preciso oferecer as ferramentas certas, incentivar e entender o espírito de colaboração’, disse.
Silvio Meira, cientista-chefe do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar) lembrou que ler notícias é só um dos hábitos na internet, assim como se comunicar, se entreter, fazer compras e trabalhar. Meira também apresentou dados sobre o uso de celular, que, segundo ele, é o aparelho com mais potencial de mercado para navegar na web, receber notícias e até propaganda. ‘A tecnologia está em versão beta. Acho que a gente tem um discurso de como se o mundo estivesse acabando, mas ele está só começando. O problema é que a gente não sabe qual é’, afirmou.’
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Jornalismo participativo em pauta
‘Um dos temas mais discutidos em todos os painéis do Media On foi como os veículos de comunicação devem lidar com um telespectador, leitor ou ouvinte mais participativo, que conhece os assuntos abordados tão bem ou, em alguns casos, melhor do que o jornalista, obtém informações especializadas na web e ainda faz parte de comunidades online sobre o tema.
Os debatedores da mídia tradicional, como as emissoras CNN, BBC, France 24 e o jornal The New York Times, mostraram quais ferramentas têm adotado para não perder o barco digital de seus consumidores, que se parecem mais com agentes de informação, segundo alguns dos palestrantes.
A solução tem sido seguir as inovações criadas, às vezes espontaneamente, na web. Os ‘usuários’ podem enviar vídeos amadores, comentar, complementar e discutir as informações com outros leitores. Nos sites, é possível recomendar as melhores reportagens e marcá-las com palavras-chave (tags, na linguagem da web).
‘Temos de estar onde quer que o usuário vá buscar as notícias, no formato que ele quiser e criar canais para ele reagir como bem entender’, disse o editor Kurt Muller, da emissora norte-americana CNN.
Sites da mídia tradicional ou portais, como Terra, UOL e IG, também mostraram como têm criado comunidades virtuais para os usuários enviarem vídeos, denúncias, sugestões de reportagens e mesmo seus próprios relatos jornalísticos, que ficam disponíveis para usuários da mesma comunidade.
Ficou claro que a abertura para a participação dos internautas na produção das notícias é uma resposta a sites como YouTube e Orkut e também a blogs, fotologs, podcasts e videocasts, que se tornaram fontes de informação concorrentes.
O dilema dos portais de notícias, porém, é de que maneira dar credibilidade às informações relatadas pelos usuários, por vídeo, texto, foto ou áudio. Os profissionais concordaram que é preciso levar o rigor da apuração jornalística para o conteúdo gerado pela comunidade.
Traduzindo, os portais precisam antes checar se as informações são verdadeiras e corretas e, no caso de a notícia envolver denúncias contra alguém, essa pessoa também deve ter espaço para se defender.
‘Só publico uma informação depois de checar com diversas fontes, mas acredito que, se a notícia não exigir, nem sempre é preciso ouvir o outro lado’, disse o blogueiro político Ricardo Noblat, um dos debatedores.
Mas a prática dos sites de notícias não foi consenso na platéia formada também por profissionais de comunicação e blogueiros, que questionaram se a própria comunidade de usuários não poderia fazer o papel de filtrar e decidir o que é informação confiável. Na resposta, Márion Strecker, diretora de conteúdo do UOL, discordou.
Outro desafio discutido no Media On para as mídias que investem na internet é como deve atuar o jornalista uma vez que a notícia pode e deve ser reportada em diversas plataformas. Segundo os palestrantes, deve crescer a exigência para que os repórteres saibam não apenas produzir textos como também editar vídeo e áudio.
‘O padrão de um jornalismo eficiente vai continuar o mesmo, mas é preciso ter um treinamento para levar o profissional para a revolução digital. Quem tiver maior habilidade de gerenciar ferramentas diferentes encontrará mais espaço’, disse Mário Andrada da Silva, diretor editorial da agência Reuters para a América Latina.
Os participantes do Media On aprovaram o evento, mas com algumas ressalvas. ‘Gostei mais da turma de fora porque os veículos nacionais representam o que a gente já conhece. Mesmo assim, as ferramentas que os dois mostraram não trouxeram discussões novas para quem é da área da tecnologia’, disse André Rosa, de 30 anos, jornalista e blogueiro.
Claudiney Ferreira, gerente do Núcleo de Diálogos do Itaú Cultural, acredita que o Brasil entrou no debate internacional sobre mudanças tecnológicas. ‘Só senti falta de palestrantes da mídia independente com objetivos sociais’, disse.’
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