Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O remédio é amargo e é pouco

Ficou bastante modesto o programa de socorro à mídia desenhado pelo BNDES. No geral, nenhuma surpresa em relação ao que vinha sendo discutido publicamente pela direção do banco de fomento. No que se refere às dívidas, a proposta apresentada na quarta-feira (3/6), por escrito, pelo presidente do banco, Carlos Lessa, à Comissão de Educação do Senado, limita em 2 bilhões de reais o total de recursos ‘para a indústria de comunicação como um todo’, além de 500 milhões de reais que deverão ser destinados especificamente para a compra de papel de imprensa nacional. Afora uma possibilidade de incentivo à ampliação da capacidade da Norske Skog – Pisa, única fabricante de papel de imprensa em território nacional, cuja produção não atende a todo o mercado doméstico, não haverá recurso farto para investimento, como sonhavam alguns grupos de comunicação.

Até o final de maio, alguns executivos das empresas solicitantes acreditavam que o bolo da ajuda chegaria aos 4 bilhões de reais, e certos entendimentos nas entidades do setor já encaminhavam alguns acertos quanto a candidatos mais necessitados ou com maior influência. Mas o BNDES manteve a oferta pela metade e se manteve impermeável a todo tipo de lobby, pelo que foi possível observar.

Pelo documento encaminhado ao Senado pode-se constatar que o banco considera três linhas de apoio: reestruturação de dívidas, compra de papel e, de forma mais restrita, investimentos. As contrapartidas seguem sendo as mesmas: governança corporativa transparente, garantias de compromisso de uma gestão mais cautelosa no futuro, além de auditoria anual com revisão semestral.

Lição de casa

Com relação às dívidas, fica claro que o socorro governamental é apenas para compromissos de curto prazo, continuando as empresas responsabilizadas por bem gerir o endividamento mais pesado. As operações serão sempre feitas indiretamente, o que mostra o cuidado do BNDES em preservar o governo de qualquer suspeita de favorecimento ao setor. Mesmo assim, os recursos somente serão liberados mediante a apresentação de programas detalhados comprovando ‘a efetiva redução do montante total da dívida e/ou o alongamento médio das dívidas’, segundo o documento.

O limite da disponibilidade para cada empresa será de 25% da receita operacional bruta, com o teto de 500 milhões de reais. Serão 12 meses de carência e pagamento em 60 meses, correção com base na taxa de juros de longo prazo (TJLP – atualmente numa média de 12% ao ano), mais juros de 5% ao ano e remuneração do agente financeiro intermediário.

Os detalhes das garantias exigidas pelo BNDES indicam que o governo quer ver as empresas de mídia sob controles semelhantes aos que são impostos às companhias de capital aberto, o que certamente está causando desconforto em muitos gabinetes. Habituados a gerir suas empresas familiares sem dar satisfações nem mesmo a outros acionistas, alguns donos da imprensa sentem calafrios ao ouvir falar de certas siglas – como CVM, de Comissão de Valores Mobiliários do Ministério da Fazenda – e sempre consideraram como ingerência indevida e atentado à liberdade econômica qualquer tentativa de regulamentar a atividade do negócio.

O documento entregue ao Senado diz ainda que o BNDES vai exigir a apresentação de programas de melhorias operacionais e administrativas por parte das empresas, o que demonstra que os técnicos do banco fizeram a lição de casa e conhecem as causas reais da crise administrativa e financeira que colocou nossa imprensa na condição de pedinte.

O patriarca e os rebentos

O remédio é pouco e é amargo para quem está habituado a fazer e desfazer de seus negócios como quem administra uma senzala. Mas, em termos realistas, é não apenas razoável que o governo estabeleça determinados controles, evitando qualquer espécie de privilégio, como também se trata de uma excelente chance para a profissionalização da gestão das empresas de comunicação.

Com relação ao passado, pouco se pode fazer para recuperar o que se perdeu, considerando-se que a crise se desenvolveu no meio da maior oportunidade que se apresentou ao setor de comunicação nas últimas décadas. Uma das principais razões pelas quais a oportunidade se perdeu foi justamente a gestão inadequada das empresas – praticamente todas elas tipicamente familiares, dependentes dos humores de um patriarca e de seus rebentos, estes nem sempre aquinhoados com o talento necessário e o caráter conveniente.

Quanto ao futuro, trata-se de observar quem será capaz de aproveitar bem os recursos e a lição.

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Jornalista