Os sucessivos escândalos e a postura de cada veículo de comunicação diante do governo Lula trouxeram de volta uma bobagem que já se julgava sepultada entre os jornalistas: a disputa entre empregados para louvar os patrões, a guerra para provar que o patrão de um é mais bonito que o do outro. Ridículo.
Quando os meios de comunicação entram em campanha, tomam uma decisão político-empresarial. Os empregados entram na campanha como mão-de-obra; são gladiadores pagos. Sua opinião não é levada em conta. Ninguém, por mais convicção que tenha, vai elogiar Renan Calheiros na Veja, nem Mônica Veloso na IstoÉ. Nenhum executivo da Pepsi vai tomar Coca-Cola em público, nenhum funcionário da Coca-Cola vai dizer que gosta mais de Pepsi. O mundo é assim.
Não há explicação possível, portanto, para as trocas de insultos e acusações entre jornalistas de bom nível, que um dia, mais cedo ou mais tarde, vão trabalhar juntos em outro veículo. Cada um está cumprindo seu papel; acusações pessoais, como as que vêm sendo feitas, são absolutamente inaceitáveis.
Dizem que Alcindo Guanabara, referência do jornalismo carioca, perguntou certa vez, quando lhe pediram um texto sobre Jesus Cristo: ‘Contra ou a favor?’ Parece cínico? É apenas realista: como o jogador de futebol, que tem o dever de lutar ao máximo pelo seu time mas que amanhã pode estar em outro, esforçando-se do mesmo jeito, o jornalista deve ser profissional. A briga é de empresários, de políticos. Nós, jornalistas, participamos. Mas, a menos que tenhamos o mesmo sobrenome do dono da empresa, somos colegas é dos outros jornalistas. O patrão mais bonito é o próximo, desde que ofereça melhores condições de trabalho e salário maior.
Como é mesmo? – 1
Na campanha contra o senador Renan Calheiros, uma vertente busca provar que ele não tem recursos para arcar com os pagamentos que fez a Mônica Veloso. Outra vertente, nos mesmos veículos, busca provar que Renan enriqueceu no exercício do mandato. As duas acusações são graves, mas uma é incompatível com a outra.
Como é mesmo? – 2
Na campanha em favor do senador Renan Calheiros, uma vertente diz que o presidente do Congresso não recebe proteção especial, mas colhe os frutos de sua proximidade com os colegas parlamentares. Outra versão diz que Calheiros recebe proteção especial de seus colegas, já que sabe muito e está disposto a compartilhar este conhecimento com os meios de comunicação. As duas versões são ruins, mas uma é incompatível com a outra.
Uma coisa é uma coisa…
Tanto Marta Suplicy quanto Guido Mantega falaram besteira sobre o apagão aéreo. Foram duramente – e merecidamente – criticados pela imprensa. As críticas se referiram não apenas às bobagens que disseram, mas à ligeireza com que analisaram um problema da maior seriedade. Até aí, tudo bem.
…outra coisa é outra coisa
Mas o comentário de Alexandre Garcia, na Globo, sobre a frase de Marta Suplicy, tem os mesmos defeitos das palavras da ministra: analisa os fatos com ligeireza e trata sem cuidado um problema da maior gravidade. Garcia comparou o drama dos passageiros retidos nos aeroportos aos campos de concentração nazistas, e a frase da ministra ao dístico ‘O Trabalho Liberta’, estampado na entrada de Auschwitz. Marta deve ter muitos defeitos, mas não é nazista – e, na luta pelos direitos humanos e contra o fascismo, é uma aliada confiável do campo democrático. Tentar de qualquer maneira ligá-la ao nazismo é uma baixaria inaceitável.
Cadê Vavá?
Mário Magalhães, o excelente ombudsman da Folha de S.Paulo, comenta um tema essencial: quando Vavá, o irmão de Lula, foi acusado, o jornal lhe dedicou uma série de manchetes. Quando o Ministério Público decidiu que não era caso de indiciá-lo, foi esquecido. É um fenômeno comum na imprensa: todo mundo cansou de ler matérias sobre as acusações contra o então ministro Alceni Guerra, mas quando foi inocentado isso já não merecia destaque nos meios de comunicação.
As conseqüências são graves para as vítimas: a opinião pública para sempre vai considerá-las culpadas. Vavá, como irmão do presidente, deveria ter mais compostura e evitar pedir que arrumassem, em sua grande frase, ‘dois pau pra eu’. Mas falta de compostura não é crime. E muita gente, levando em conta apenas o noticiário inicial dos jornais, continuará achando que o irmão do presidente era um criminoso. Pior: que não foi punido apenas por ser irmão do presidente. Gera-se, assim, um indevido descrédito nas instituições.
Tudo errado. Mas como levar os meios de comunicação a reconhecer que nem sempre a má notícia é que é notícia?
Informação que faltou
A nomeação do professor Roberto Mangabeira Unger para a Sealopra, Secretaria Especial de Ações a Longo Prazo, provocou uma baixa no governo que foi devidamente registrada pela imprensa: o coronel Oswaldo Oliva se afastou do Núcleo de Assuntos Estratégicos. O que a imprensa registrou muito pelo alto foram as ligações familiares do coronel Oliva: é irmão do senador Aloízio Mercadante, estrela maior da bancada do PT. E o que a imprensa não buscou foi exatamente a reação do senador Mercadante ao afastamento do irmão.
Faltou lembrar, também, que além de ser militar, Oliva é filho de militar, e militar de prestígio. Nesta época de desassossego, após o caso Lamarca, qual o efeito de seu afastamento no ânimo dos quartéis?
Nova era
Apenas como registro: de acordo com o provimento 1.321, de 2007, do Conselho Superior da Magistratura, a partir de 1º de outubro desaparece a versão impressa do Diário da Justiça em São Paulo. Passa a existir apenas a versão eletrônica, disponível neste endereço.
Quantos outros jornais em papel seguirão este exemplo?
E eu com isso?
Eles tiveram poder; comandaram boa parte do mundo. Alexandre, o Grande, saiu da Macedônia para chegar à Índia. Os vikings saíram da Escandinávia e criaram o maior império que já existira. A rainha Vitória, de seu palácio na Inglaterra, comandava um império onde o Sol nunca se punha.
Seu poder era incontrastável – mas imagine a angústia em que viviam, sem notícias recentes de boa parte de seu império! Hoje, saberiam online, em tempo real, imediatamente, na velocidade da luz, tudo o que se passa no mundo. Por exemplo:
1.
‘Susana Vieira namora em show de Zezé e Luciano’2.
‘Ponte-aérea de Kelly Key sai com atraso’3.
‘Juliana Didone corre na praia da Barra’Com todo o seu poder, como conseguiam viver sem saber as notícias?
O grande título
Nada de muito sensacional nesta semana. Há coisas meio esquisitas, como esta:
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‘Pamela Anderson protesta contra criação de peles de animais’Mas só um titulo merece destaque:
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‘Mogi ultrapassa 100% na vacinação contra a pólio’Foram 100,69%, segundo o site da prefeitura de Mogi da Cruzes (SP). Não parece resultado daquelas eleições em ditaduras?
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados