A cobertura dada pela TV Globo ao depoimento do publicitário Marcos Valério, acusado de ser o principal operador daquilo que a imprensa chama de ‘o esquema do mensalão’, merece um breve registro sobre o tipo de jornalismo praticado pela emissora da família Marinho.
Estamos diante de um noticiário que, objetivando reforçar axiomas, abre espaço para temas repisados, subtraindo qualquer coisa que contrarie a coerência interna das premissas construídas para ‘explicar’ crises políticas recentes. É o reforço necessário para reiterar o dogma da ‘infalibilidade global’.
Trata-se de um jogo de espelho que, confundindo o leitor/telespectador, busca colonizar o seu imaginário através de representações simplificadoras. É o que chamamos de persuasão pelo reducionismo. Um procedimento que tem marcado a prática narrativa do campo informativo de tal forma que, aos profissionais mais jovens, já afeitos à ideologia do jornalismo de mercado, soa com ‘operação técnica’ admissível.
Em seu clássico Ideologia e técnica da notícia, Nilson Lage chama a atenção para dois aspectos constitutivos básicos que não devem ser esquecidos quando se busca uma definição correta da produção noticiosa: a) ‘uma organização relativamente estável, ou componente lógico’; e, b) ‘elementos escolhidos, segundo critérios de valor essencialmente cambiáveis, que se organizam na notícia – o componente ideológico’.
Omissão de dado crucial
O telejornalismo global ilustra bem como se dá a seleção de elementos e como eles conformam proposições seqüenciadas pelos interesses políticos do veículo. Mostra, com clareza cristalina, a que estão sujeitos os que já foram condenados pelo tribunal midiático, sem qualquer direito a apelação em colunas ou editoriais.
Interrogado pela Justiça Federal, em Belo Horizonte, Marcos Valério disse, como registra a Folha de S.Paulo (2/2), que ‘que nunca conversou sobre empréstimos com o ex-presidente do PT, José Genoíno, nem tratou do tema com Dirceu, cuja trajetória política disse respeitar e admirar’. Não está em questão a credibilidade ou não do depoente, mas o objeto do fato noticiado.
Preferindo omitir esse trecho do depoimento, o Jornal Nacional de sexta-feira (1/2), informa que ‘segundo Marcos Valério, o ex-secretário-geral do PT, Sílvio Pereira, disse a ele que o ex-ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu, sabia dos empréstimos ao PT’. Mas, tal como destaca o ex-ministro em seu blog, a edição se esqueceu de um dado crucial: Sílvio Pereira nega que tenha dito qualquer coisa.
Ideologia tosca
O ‘disse-que-disse’ e a supressão de algo favorável a um desafeto político não constam das boas regras de cobertura jornalística. Corroboram mais ainda a tese que aponta para a crescente partidarização da imprensa, com destaque para a emissora hegemônica e monopolista.
É sempre bom destacar que o contexto da notícia se dá em lugar, espaço e tempo definidos. Relatos que prescindem de exigência de demonstração têm sentido no campo religioso. Quando se trata de jornalismo, é procedimento ideológico tosco. E de eficácia duvidosa.
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Professor titular de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), Rio de Janeiro, RJ