Qual resposta você daria se confrontado(a) com a pergunta: que leitura introdutória recomenda para que se tenha uma visão de conjunto sobre as comunicações no Brasil? Apesar de simples e recorrente, essa não é uma pergunta de fácil resposta.
Seria possível ter um único livro que desse conta do recado, talvez uma coletânea de textos que servisse de introdução à história, à legislação, à economia política, ao mercado, aos principais atores, à convergência tecnológica, à política pública, à programação etc. etc., do setor?
Acredito que o locus primeiro para a produção de um eventual livro como esse deveria ser os cursos de Comunicação, sobretudo aqueles que funcionam junto a programas de pós-graduação que, necessariamente, estão vinculados a linhas e projetos de pesquisa. Embora tentativas nesse sentido já tenham sido feitas, algo tem impedido que elas floresçam no diversificado ambiente acadêmico da Comunicação (ver ‘Formação de jornalistas: Fragmentação versus convergência na comunicação‘). O que poderia ser indicado provisoriamente para introduzir alguém na problemática do setor tem surgido em outros endereços.
Evidente ilegalidade
Dois exemplos recentes – nem livro, nem journal acadêmico – são o Informativo da ONG Intervozes sobre ‘Concessões de Rádio e TV – Onde a democracia ainda não chegou’ (novembro de 2007, disponível aqui) e a Revista da Adusp, a associação sindical dos docentes da Universidade de São Paulo, sobre ‘Mídia no Brasil’ (nº 42, janeiro 2008, disponível aqui).
No Informativo escrito pelo coletivo Intervozes, 12 textos e uma lista de propostas tratam da questão crítica das concessões públicas de rádio e televisão. A história da (des)regulamentação da área, os critérios de renovação das concessões, o coronelismo eletrônico, as programações predominantemente comerciais e/ou religiosas, as concessões de emissoras educativas, a venda de concessões e os processos de digitalização do rádio e da televisão são discutidos do ponto de vista da democratização e do direito à comunicação.
Dois desses temas, nem sempre tratados na literatura disponível, merecem ser lembrados aqui: os ‘supermercados eletrônicos’ e a ‘invasão’ das religiões nas telas de TV. Selecionei breves passagens dos textos que revelam quais questões são tratadas – e como. No primeiro, ‘No vale tudo, vende-se tudo’, afirma-se:
‘A legislação brasileira é clara: o limite de publicidade para as emissoras de televisão é de 25% do tempo de programação (art. 28, Decreto 52.795). Apesar disso, como qualquer brasileiro ou brasileira pode facilmente notar, alguns canais veiculam exclusivamente programas cuja intenção é vender produtos. Por meio destas emissoras, vendem-se tapetes, brincos, anéis, carros, casas e apartamentos, material de construção, roupas e instrumentos de culinária… Quem nunca viu a chapa do ex-boxeador norte-americano George Foreman sendo testada `ao vivo´? A lista é grande. Além da evidente ilegalidade no abuso do limite de conteúdo publicitário, tais concessionários exploram um bem público (o ar por onde trafegam os sinais de rádio e TV) sem que a contrapartida estabelecida pela legislação brasileira seja cumprida.’
Informações sobre faturamento
Já no segundo, ‘O Show da fé’, discute-se a presença de algumas religiões nas emissoras de TV. O texto diz:
‘A presença das religiões na televisão é um tema complexo (…). Por um lado, é preciso considerar que a religião é, em certa medida, uma manifestação cultural. Isso, em tese, faz com que sua presença na televisão seja justificável. Por outro lado, trata-se de uma manifestação essencialmente privada, o que faz com que as outras pessoas tenham o direito de que este conteúdo não invada a sua casa. A questão se torna ainda mais complexa quando lembramos que a Constituição define o Estado brasileiro como laico, ou seja, não-religioso. Sendo as concessões de radiodifusão públicas, outorgadas pelo Estado, em tese elas não poderiam ser utilizadas para o proselitismo religioso. (…) Algumas religiões, com ampla maioria para os evangélicos e católicos, possuem suas próprias emissoras ou compram horário na grade de programação de outras. Tal ocupação é possível graças ao poder político de algumas destas religiões (que conseguem pressionar o Estado a conceder as outorgas) ou ao seu poder econômico (que permite a compra de horário em outros canais). Desta forma, as religiões desprovidas destes poderes não conseguem ocupar o espaço televisivo. (Religiões) de matrizes africanas, por exemplo, estão fora das telas.’
A Revista da Adusp nº 42, por outro lado, está organizada em torno de quatro subtemas: a mídia na economia; mídia, poder e cultura; nós e a rede mundial (web) e jornalismo e democracia, compreendendo 11 textos que oferecem um painel bastante amplo dos principais problemas do setor. Destaco três desses textos:
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O primeiro, ‘Terra de Gigantes’, assinado por Antonio Biondi e Cristina Charão, traz um levantamento básico (e que precisa sempre estar sendo atualizado) sobre os principais grupos que controlam as comunicações no país: sua composição, seu faturamento, sua participação no mercado e quem são seus donos. A pesquisa nessa seara não é fácil por um motivo simples: a maioria das informações não está disponível. E agora não foi diferente. Dizem os autores:‘A edição 2007 de `Valor Grandes Grupos´, anuário do jornal Valor Econômico, lista os grupos Sílvio Santos (na 97ª posição), Abril (105ª), RBS (178ª) e Estado (183ª). Outros dois gigantes, Organizações Globo e Grupo Folha – exatamente os que compartilham a propriedade de Valor Econômico – não são citados no anuário, e conseguir informações sobre o faturamento de ambos não é tarefa fácil, apesar de se organizarem como sociedades anônimas (S/A), o que teoricamente exige transparência nos balanços financeiros. Só foi possível localizar informações da Folha pelo noticiário. Às vezes, do próprio grupo. Já a Globo, apesar de fechar o acesso a seus relatórios financeiros, foi mais solícita e enviou seu último balanço.’
Bom proveito
Um segundo texto que vale a pena mencionar discute ‘Os desafios da governança da internet’. Nele, Gustavo Gindre nos lembra que:
‘Ao contrário do que o senso comum indica, a internet não é uma rede anárquica e sem controle. De fato, existe um complexo, multifacetado e muitas vezes contraditório sistema internacional que garante a chamada `governança da internet´. Este modelo se constituiu historicamente mediante processos que ocorreram em paralelo, alguns em âmbito nacional (em especial nos Estados Unidos) e sem coordenação entre si. Os desdobramentos desta governança determinarão como será aquilo que as futuras gerações chamarão pelo nome de internet.’
E, finalmente, vale mencionar o texto de Bernardo Kucinski que faz ‘Um balanço da campanha pela democratização da informação’ e sugere uma agenda mínima factível em torno da qual se deveria pautar a luta por uma nova regulação democrática das comunicações, independente da forma como se complete a atual transição tecnológica. Essa agenda teria os seguintes pontos:
‘(a) controle público do processo de concessões do espectro;
(b) abertura do espectro a entidades da sociedade civil;
(c) impedir por normas claras o monopólio regional e o monopólio cruzado;
(d) subordinar a concessão à apresentação de projetos editoriais harmônicos com políticas públicas previamente acordadas em fóruns legítimos e democráticos;
(e) regras claras de operação, limitando tempo de propaganda, obrigando tempo mínimo de noticiário e taxa mínima de ocupação com produção nacional e regional.’
Como se vê por essa pequena amostra, embora a pergunta inicial continue sem resposta, existem algumas poucas publicações externas ao ambiente acadêmico da Comunicação que podem servir de introdução às comunicações no Brasil. Até que se tenha uma referência consolidada, é a elas que devemos nos recorrer.
Para aqueles que estiverem interessados, bom proveito.
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007