Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carnaval, não! Horas mortas na TV, sim!

‘Perdoem-me os leitores se eu, de ordinário alegre, venho contar-lhes uma história triste, num dia em que todos estão predispostos ao riso; mas… que querem? Tenho uma natureza especial: o carnaval entristece-me, e o ‘Abre alas, que quero passar’ soa aos meus ouvidos como um canto de agonia e de morte.’

Esta é a abertura do conto História de um dominó, de Artur Azevedo. Como eu e tantos outros, ele também não gostava de Carnaval. Por isso, relevem este cronista. Vou escrever sobre outro assunto. Quem quiser ler o conto clique aqui, que os advogados o selecionaram para leitura às vésperas do Carnaval.

Eu estava assistindo à TV Record, era madrugada. Esqueci o dia, foi semana passada. A entrevista do governador do Paraná, Roberto Requião, foi a coisa mais interessante que encontrei para assistir, depois de ensaios de carnaval, entrevistas com celebridades, porrada de todos os tipos – como se sabe, isso se chama ‘filme de ação’.

Tudo mentira!

E Roberto Requião dizia uma coisa muito interessante. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, quando era senador, teve um filho com a jornalista da TV Globo Miriam Dutra. A mídia fez um pacto de silêncio e nenhum órgão noticiou o assunto. Era tabu. O menino tinha por volta de sete anos quando a revista Caros Amigos deu matéria de capa, em 2000.

Mas quando foi revelado, ano passado, que outro senador, o Renan Calheiros, teve um filho, no caso, uma filha, fora do casamento, também com uma jornalista, a mídia em peso crucificou o senador. Por que poupou um e crucificou o outro? Respondeu Requião: porque Renan Calheiros apoiava o presidente Lula no Senado.

O Brasil semelha ser um território livre para os amores, lícitos ou ilícitos, clandestinos ou escancarados. Tudo mentira! ‘Não existe pecado do lado de baixo do Equador’, proclama Chico Buarque numa conhecida canção. Existe, sim! Mas alguns são perdoados, outros jamais. ‘Quando é missão de esculacho, olha aí, saí de baixo, eu sou embaixador.’

As batalhas diárias

Pois é! Se o senador fosse contra Lula, receberia da mídia até indulgências plenárias, mas era a favor! A mídia quer o governo Lula de joelhos diante dela, esta é que é a verdade. Qual é a prova dos noves? Esqueceram Renan! Notas frias, vacas quentes, pensões pagas em dinheiro vivo, tudo foi pro brejo. A mídia conseguiu o que quis: tirar Renan Calheiros de lá. Pronto! Nem se importou mais com o mandato dele, pode continuar lá, desde que amestrado, imobilizado, destituído dos poderes que tinha. Mas mentiram aos leitores: disseram que Renan Calheiros tinha que sair de lá porque pegava o dinheiro público e se locupletava, inclusive com a mulher e a filha que mantinha fora do casamento.

Há um ponto, um furo, que está muito mais embaixo. Por que a mídia faz algumas coisas e deixa de fazer outras? Precisamos ver a quem ela serve procedendo assim. Nos bastidores, já se conhecem indícios de seus estranhos poderes.

A mídia está mudando de lugar e de funções. Você quer se informar? Escolha bem o seu jornal e sua revista, veja quem são os que ali escrevem, sobre o que escrevem, o que dizem e o que fazem.

Quanto à televisão, prestemos atenção às diversas batalhas da terceira guerra mundial que nela são travadas todos os dias. Redes de televisão substituíram os tanques que iam para as ruas depor governos!

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Doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde é vice-reitor de pesquisa e pós-graduação e coordenador de Letras; seus livros mais recentes são Os Segredos do Baú (Peirópolis) é A Língua Nossa de Cada Dia (Novo Século)