O partido português PSD propôs, em meados de junho, a elaboração de um novo Estatuto dos Jornalistas do país no qual a corrupção seja considerada crime que obrigue os jornalistas a revelar suas fontes. A proposta do partido amplia o projeto capitaneado pelo governo português, que prevê que ‘a revelação das fontes de informação (…) pode ser ordenada pelo tribunal quando tal seja necessário para a investigação (…) de casos graves de criminalidade organizada’.
A discussão é, no mínimo, polêmica. Desde o ‘Garganta Profunda’, de Watergate, o assunto gera debates acalorados. Se imaginarmos a realidade brasileira – na qual a indústria do grampo prolifera livremente e é uma das principais matérias-primas do jornalismo investigativo – a questão ganha outros contornos.
O off sempre ajudou jornalistas a fazer matérias que desbarataram esquemas envolvendo corruptos e corruptores. O que pode estar por trás da ‘grampolândia’ na imprensa brasileira é a espetacularização da notícia. Que o índice de leitura vem caindo – e seguirá caindo, proporcionalmente em relação à população, nos próximos anos – é um fato. Que cada vez mais a população depende da TV – e no futuro, também da internet – para se informar é outra constatação. Disso advém a demanda por material comprobatório para ilustrar as reportagens. Nada como uma conversa gravada (mostrada na tevê com a legenda do respectivo diálogo), ou uma imagem feita por uma câmera escondida, para provar à população da era Big Brother que determinado político, empresário, ou mesmo médico, farmacêutico ou atendente de loja está fazendo algo contra a lei.
Fim do segredo de justiça
A discussão se o jornalista deve ou não revelar sua fonte é menor em relação ao debate de como se dão as relações entre jornalistas e fontes. A espionagem e a contra-espionagem empresarial são as maiores responsáveis por produzir material de apoio (ou ‘provas’) para as matérias. No caso, o interesse da fonte que passou a informação em off é comprometer o concorrente ou adversário político.
O jornalista, que muitas vezes recebe de mão beijada o material – dossiês, fitas, gravações, documentos etc. –, justifica a publicação como sendo de interesse público. Assim, o debate sobre como a imprensa deve lidar com esse conflito de interesses (de quem lhe passou a informação, obtida muitas vezes de forma ilícita) fica para um segundo plano – ou simplesmente não acontece.
O fim do sigilo de justiça em investigações, como o caso Gautama, pode ser um primeiro passo para minimizar a indústria do grampo. A partir do momento em que a magistrada Eliana Calmon determinou que não haveria mais segredo de justiça, os documentos começaram a aparecer oficialmente, as contradições dos depoentes foram reproduzidas nas matérias e a cobertura jornalística ganhou em qualidade e profundidade – embora os grampos continuassem a ser vazados, sabe-se lá por quem.
Meios pouco éticos
A sugestão é um tanto simplista, mas pode ser um começo. O passado de censura vivido pela imprensa brasileira durante o período militar faz com que jornalistas, em geral, sejam contrários a qualquer interferência judicial no fazer jornalístico. Jornalistas têm toda a razão em adotar esta postura. O Judiciário nem sempre demonstra isonomia em suas decisões – ou pior, quase sempre mostra desalinho entre as decisões liminares de determinados juízes e as decisões dos tribunais superiores, que acabam cassando aquelas liminares.
Embora a discussão sobre o grampo venha ganhando mais corpo na sociedade e na própria mídia – e o foco atual é definir-se formas de evitar o vazamento generalizado que se viu nas recentes investigações da Polícia Federal –, não se pode misturar com essa discussão a questão da fonte em off.
A atual Lei de Imprensa assegura ao jornalista o respeito ao sigilo quanto às fontes. Já o projeto da Nova Lei de Imprensa, aprovado há mais de 11 anos na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara, não só mantém como explicita os direitos dos jornalistas de preservar suas fontes: ‘Nenhum autor de escrito ou notícia, ou veículo de comunicação, poderá ser coagido ou compelido a indicar o nome de seu informante ou fonte de suas informações, não podendo seu silêncio, na ação judicial a que responder, ser usado contra ele como presunção de culpa ou como agravante.’
Mas enquanto os especialistas debatem soluções tecnológicas e jurídicas para se identificar e coibir o vazamento de informações – seja por parte da Polícia Federal, seja por parte do Ministério Público, seja fruto da espionagem empresarial – caberia aos jornalistas refletir um pouco mais sobre suas relações com essas fontes. Refletir se eles estão realmente a serviço da sociedade, ou se estão, mesmo que involuntariamente, a serviço de agentes que usam de meios pouco éticos para enfrentar a concorrência.
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Jornalista e professor da Faculdade Cásper Líbero, São Paulo, SP