Há um boi nadador, o peixe-boi, que aliás não é peixe nem boi e, coitado, está ameaçado de extinção. Há os bois motorizados, que vão de uma fazenda para outra, sabe-se lá por que motivos (e que merecem amplo noticiário). Há bois caríssimos, tanto para corte como para reprodução, capazes de, por seu valor, garantir a explicação de coisas muito difíceis de explicar. Não há boi voador porque, como nos esclareceu Chico Buarque, boi voador não pode.
Mas há bois inteligentíssimos em nosso mundo. Há um boi na Grã-Bretanha que é capaz de atitudes até hoje privativas de seres humanos: ele se identifica, por exemplo. E, pessoalmente, efetua testes. Tudo isso está na notícia divulgada por um importante portal de internet: ‘Bovino foi condenado à morte depois de ter se identificado com tuberculose’. ‘O bovino (…) testou positivo em um exame de tuberculose (…)’
Anda difícil entender o noticiário – internet, jornais, TVs, rádio (revistas muito menos, talvez pelo tempo maior para elaboração e acabamento). As liberdades com o Português fazem com que se torne necessário decifrar notícias que, se escritas corretamente, seriam simples de ler. Nem se trata de pedir uma linguagem literária: um bom português coloquial já basta. Mas frases como ‘ele decidiu o explicar’ definitivamente não substituem o ‘ele decidiu lhe explicar’.
A gente abre os anúncios pedindo jornalistas e está lá a exigência de diploma, pós-graduação, conhecimento de línguas estrangeiras etc., etc. E o português velho de guerra, a última flor do Lácio inculta e bela?
Um dos grandes escritores do século 20, Winston Churchill, o lendário primeiro-ministro britânico na Segunda Guerra Mudnial, lembra em suas memórias que, ao entrar numa aristocrática escola inglesa, o professor de latim procurou ensinar-lhe declinações. Mas, ao descobrir que o vocativo da palavra mensa (mesa) seria usado quando ele se dirigisse a uma mesa, decidiu parar por ali: não pretendia jamais conversar com mesa nenhuma. Daí em diante, enquanto seus colegas aprendiam latim e grego, ele se aperfeiçoava em inglês.
E como escrevia bem! Que tal, na imprensa brasileira, seguir seu exemplo?
Cabeça, tronco e membros
A notícia é publicada em tom de denúncia: mortos nos combates do Rio levaram tiros na cabeça e no tronco. E, em combates leais, o normal é que a maior parte dos tiros atinja os membros. Logo, a polícia estaria matando a sangue-frio.
É o caso em que duas verdades fazem uma mentira. As vítimas são, em geral, atingidas nos membros; mas estas raramente morrem (a menos que o tiro alcance uma artéria, ou abra espaço à infecção). Já os que morrem são os que levam tiros na cabeça e no tronco.
Os jornalistas devem sempre desconfiar da polícia, como devem desconfiar de todos os braços do poder. Mas não se pode culpar a polícia antes de qualquer investigação, com base em qualquer acusação. Há no Rio uma batalha contra bandidos perigosos, pesadamente armados, sem qualquer tipo de escrúpulo ou piedade. Depois da batalha, que haja investigações e sejam punidos eventuais abusos. Mas acusar sem apurar equivale a ficar do lado dos criminosos.
Muitos a menos
Começou na internet com um nome estranho: no. A idéia era chamar-se ‘no ponto’. Faltou dinheiro, o projeto foi reformulado e muito enxugado. Passou a chamar-se no mínimo. Durante muito tempo, reuniu um belo time de jornalistas, daqueles que sabem escrever, e acompanhou os fatos e tendências a partir das mais diversas tendências e ideologias. Era um lugar onde se encontravam as assinaturas de Ricardo A. Setti, Ricardo Kotscho, Xico Sá, Célia Chaim – gente fina, confiável, capaz de oferecer ao mesmo tempo a boa notícia e o bom texto.
O que é bom dura pouco: sem patrocinador, no mínimo publicou seu obituário no sábado (30/6). E, cá entre nós, o problema nem envolve tanto dinheiro: qualquer patrocinador de tamanho médio teria como mantê-lo, merecendo a gratidão dos internautas. Até agora, não foi possível encontrá-lo. Que pena!
Polícia x polícia
As autoridades do Rio garantem que Fernandinho Beira-Mar, preso na penitenciária de segurança máxima de Catanduvas (PR), comanda o tráfico de drogas no Sul do país. Traduzindo, a polícia do Rio está dizendo que Catanduvas, feita para conter os criminosos de maior periculosidade, não funciona. Será isso mesmo? De qualquer maneira, há uma dúvida que os meios de comunicação já deveriam ter esclarecido. Por que não ouvir as autoridades federais de segurança?
Polícia x bom-senso
A propósito, o celular deste colunista precisa ser recarregado de vez em quando. Como é que os presos recarregam seus celulares, se não há tomada nas celas? Estarão de alguma maneira obtendo acesso às salas da administração para que os celulares sejam recarregados? Será corrupção? Serão as ameaças à família dos funcionários? Alguém, entre os nossos repórteres, já terá explicado como é que isso acontece? A gente até já sabe como é que os celulares entram nas cadeias, mas a recarga permanece um mistério.
E isso é importante: sem celulares nas celas cessariam aqueles telefonemas com notícias de falsos seqüestros. E as organizações criminosas, privadas da orientação de seus chefes, certamente perderiam parte da força que hoje têm.
Buenos Aires, Brasil
A imprensa fez uma excelente cobertura da eleição de Maurício Macri, presidente do Boca Juniors e adversário político do presidente Néstor Kirchner, para a prefeitura de Buenos Aires. Só faltou um ponto: falar do braço de suas empresas no Brasil. A família Macri atua no Brasil em diversas áreas, da coleta de lixo à exploração de rodovias. E, não faz muito tempo, seu império era ainda maior, com forte operação no setor de alimentos.
Sem Paris Hilton
Até lá já cansou: a apresentadora americana Mika Brzezinski rasgou o roteiro do jornal da MSNBC por não concordar em abrir o noticiário com mais um factóide sobre Paris Hilton. Mika pretendia abrir o jornal da TV com notícias sobre o Iraque. Seu comentário sobre as aventuras de Paris Hilton: ‘Eu odeio isto e eu não acho que deveria ser nossa principal notícia’.
Figura curiosa, a de Paris Hilton. É herdeira de grande fortuna (mas não é a única: o mundo está cheio de herdeiras de grandes fortunas). Não é feia, mas também não é assim irresistível. Suas atividades se limitam à área de festas e boates. Ficou famosa ao aparecer na internet num vídeo em que fazia sexo com o namorado da época. Por que tanta ênfase da imprensa americana (e da brasileira) em sua vida?
Nossas contas
A reportagem está num grande jornal: cada placa de trânsito custa 3 mil reais, em média. E trocar 15 mil placas de trânsito custará cerca de 25 milhões de reais. A conta não bate – aliás, aí não bate conta nenhuma: se essas placas esmaltadas custam em média 3 mil reais cada uma, está na hora de pedir à Polícia Federal que inicie a Operação Fon-Fon. Nem se fossem feitas de titânio cromado!
Nosso câmbio
Há notícias que são coerentes de ponta a ponta. Não trazem nada certo. Nesta, a chamada diz que ‘Mercado paga 10 mil por propaganda enganosa’. O título muda tudo: o mercado passa a ser supermercado e os 10 mil se transformam em 10 milhões de reais.
Mas o melhor está no texto: a empresa foi condenada pela Justiça francesa a pagar multa de 2 milhões de euros. Com que câmbio isso vira 10 milhões de reais?
Futebol e sua língua
O caro colega já notou que jogador de futebol não se machuca? Antigamente, se contundia. Hoje, fica lesionado. Machucado mesmo não tem ninguém.
Our football
Lá pela década de 1920, o team de football jogava com um goal-keeper, dois full-backs, três half-backs e cinco forwards, comandados por um coach. O jornal O Estado de S.Paulo liderou a campanha pela nacionalização dos termos futebolísticos: futebol, zagueiros, médios, atacantes. O corner virou escanteio, o coach passou a técnico, o referee se transformou em juiz.
A campanha deu certo, embora não completamente. O jornal bem que tentou transformar o gol em ‘arco’ ou ‘meta’, e o goleiro em ‘guardião’ ou ‘guarda-valas’, mas não deu certo. A luta durou uns 50 anos, até que o Estadão decidiu que tudo já estava suficientemente nacionalizado e adaptado ao português.
É por isso que a nova entrada nos esportes da Rádio Eldorado, a emissora do Grupo Estado, dá uma certa tristeza. A rádio se uniu à ESPN, mas seus locutores a chamam de ‘I’ ‘Es’ ‘Pi’ ‘En’, em inglês. Ridículo: todas as letras existem em português e têm seus nomes conhecidos por boa parte da população. Por que, como no conto de Artur Azevedo, recorrer a mais um estrangeirismo?
E eu com isso?
Confesse, caro colega: nas madrugadas de segunda para terça, fica difícil dormir, tal a ansiedade em descobrir as importantes notícias dos famosos. Então, tranqüilize-se: aqui está uma seleção do que saiu de melhor na semana.
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‘Luana Piovani namora durante passeio no Leblon’**
‘Cauã Reymond aproveita folga para surfar’**
‘Atriz Garcelle Beauvais está grávida de gêmeos’**
‘Mel Lisboa leva o namorado para lançamento’**
‘Britney Spears está morena e com espinhas no rosto’Os grandes títulos
Há dois achados notáveis nesta semana. O primeiro, excelente, trata das aventuras de Ronaldo Gorducho, o centroavante campeão do mundo, em férias no Brasil:
1.
‘Ronaldo empina pipa na praia no Rio’Por coisa semelhante, o namorado seguinte de Daniella Cicarelli está tendo um problemão!
O segundo, entretanto, é imbatível:
1.
‘Príncipe Charles reduz sua emissão de gases’Assaz louvável.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados