Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Da pirâmide invertida ao webjornalismo

Há alguns semestres, no curso de Jornalismo, tive em minha grade curricular uma disciplina chamada Redação Jornalística. Certo dia, o professor – muito competente, por sinal – entrou na sala e escreveu no quadro uma série de perguntas: Quem? O que? Onde? Como? Por quê? Quando? ‘Esses são os elementos que não podem faltar no lide da notícia. As principais informações do fato devem constar no início, lembrem-se da técnica da pirâmide invertida’, dizia. E ainda aproveitou o restante da aula para contar uma das muitas assustadoras histórias do seu tempo de redação, que sempre tinham como clímax a cobrança o dos editores por textos precisos e produzidos rapidamente.

Fantasias de jornalista experiente ou não, os textos dos jornais impressos diários revelam que, pressionados pelo fator tempo, pelo imediatismo e pelo tino industrial/comercial, os jornalistas andam preferindo enfatizar os fatos, e não a sua problemática. A rotinização e a padronização do processo de produção informacional são evidentes. Repórteres saem para rua com duas ou mais pautas e tem de entregar suas matérias prontas em poucas horas. Isso já é considerado normal. Tempo vale dinheiro, boa apuração não. Pelo menos, o modelo de desenvolvimento textual está, implicitamente, pronto. Basta despejar as informações julgadas mais importantes no lide e depois hierarquizar o restante do mais para o menos relevante. Pronto, está criada uma matéria nos moldes da pirâmide invertida.

Exemplos não faltam: ‘PTC, partido do deputado Carlos Willian (MG), pediu ontem ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados que instaure processo por quebra de decoro contra o deputado Mário de Oliveira (PSC-MG). Willian acusa Oliveira de ter contratado matadores profissionais para matá-lo. A acusação provocou a criação de uma comissão de sindicância interna para investigar o assunto. Na representação, o PTC afirma que os dois parlamentares, que pertencem à Igreja do Evangelho Quadrangular, foram amigos por 20 anos. De acordo com o documento remetido ao conselho, eles se desentenderam porque ‘Oliveira teria ficado furioso com Willian, por tê-lo complicado na Receita Federal’.’ (Estado de Minas, 28/06). As tais perguntinhas do quadro são facilmente identificadas.

O Novo Jornalismo dos ‘60

O professor Fernando Zamith, da Universidade do Minho, Portugal, acredita que a pirâmide invertida é a técnica de redação dominante no jornalismo há mais de 100 anos. Duas teorias para o seu surgimento predominam. A primeira sugere que o modelo, enraizado na objetividade, teria surgido, ou se inspirado, na Grécia Antiga, com a tradição dos discursos claros e convincentes. A outra versão remete o seu aparecimento aos métodos de envio de informação utilizados pelos militares durante a Guerra Civil dos Estados Unidos (1861-1865). As dificuldades nas transmissões de dados via telégrafo, tanto entre os próprios meios de comunicação quanto nos serviços militares, fizeram com que as informações principais fossem inseridas no topo da notícia e de maneira condensada.

A técnica caiu como uma luva para a lógica industrial do jornalismo, tanto que é levada ao pé da letra até hoje. Textos meramente informativos, sem contextualização, criticidade e aprofundamento são a conseqüência. As fontes oficiais tornaram-se indispensáveis e, muitas vezes, os reais personagens dos acontecimentos foram esquecidos. O recorte da realidade é espremido ao máximo. Quem se importa com o leitor, não é mesmo? A narrativa literária, por exemplo, que sempre seguiu um modo de elaboração mais livre, solto, opinativo e interpretativo, foi deixada em segundo plano pelos jornalistas. As grandes reportagens descritivas, os perfis, os ensaios e os artigos tão difundidos no Novo Jornalismo dos anos 60, perderam, e muito, o seu espaço. Que os novos jornalistas que por aí virão tenham como inspiração os livros de Truman Capote e Lillian Ross.

‘Todos produzem para todos’

Mas nem tudo está perdido. Diante da reconfiguração dos processos comunicacionais do jornalismo na internet, bem como da afirmação de novos parâmetros tecnológicos e práticos de produção, abre-se a possibilidade de uma mudança de estrutura na composição dos textos. O webjornalismo cria outros pressupostos na organização, publicação e acesso à informação. O Jornalismo Colaborativo, que cresce e começa a encorpar, é reflexo do processo de adptação/adequação do jornalismo ao meio digital. Agora, o leitor também pode ser um repórter, pode produzir, explicitar seu ponto de vista. Emissor e receptor nunca tiveram uma relação tão próxima e ativa. O trabalho do jornalista em conjunto com a audiência permite novos níveis de apuração, desenvolvimento e aprofundamento do conteúdo.

Textos publicados no site de webjornalismo Oh My News, que desenvolve a prática do Jornalismo Colaborativo, já são elaborados com elementos da literatura para a contextualização dos seus conteúdos. Histórias são contadas a partir das experiências do usuário, com toques individuais e novos enfoques. Não se trata da totalidade dos textos, mas uma transformação no uso da linguagem jornalística se acena. Outra característica desse hiperdocumento, também compactuada pelos sites Overmundo e Centro de Mídia Independente, é o não agendamento de pautas e, conseqüentemente, das matérias publicadas. O sistema informacional no qual ‘todos produzem para todos’ não necessariamente se insere nos processos do agenda setting, do gatekeeper e do newsmaking. Além disso, a informação pode ser complementada, corrigida, discutida a qualquer momento, o que a enriquece.

Mudanças na linguagem

O português João Canavilhas, autor do artigo ‘Webjornalismo: da pirâmide invertida à pirâmide deitada’, afirma que no webjornalismo não faz sentido utilizar a pirâmide invertida, mas sim reunir pequenos textos hiperligados entre si. Ele se vale de um estudo do Media Effects Research Laboratory, de 1992, que indicou que os internautas preferem navegar por textos separados por blocos a ler um compacto. Canavilhas ainda acrescenta que a técnica está ‘intimamente ligada a um jornalismo muito limitado pelas características do suporte que utiliza – o papel. Usar a técnica da pirâmide invertida na web é cercear o webjornalismo de uma das suas potencialidades mais interessantes: a adoção de uma arquitetura noticiosa aberta e de livre navegação’ (CANAVILHAS, 2005, p.07).

O jornalismo estruturado no conjunto entre produtores e audiência tem, então, condições de ampliar a publicação de conteúdos jornalísticos que utiliza a narrativa literária. A volta de elementos como o uso personagens (onisciência), construção cena-a-cena, diálogos, descrições espaciais minuciosas nos textos não é mais um sonho tão distante, principalmente porque na internet não há mais um processo produtivo centralizador, que dita as direções.

As próprias plataformas (áudio, vídeo, texto) têm características que podem ser utilizadas para reportar determinado fato, ou seja, cada um terá um modo mais adequado de ser produzido. E pode ainda ser complementado. Até os grandes veículos impressos já começam a atentar para um processo colaborativo e pela utilização de novas mídias no tratamento de notícias. O New York Times, um dos maiores jornais do mundo, já treina seus repórteres para produções de vídeo, ou seja, além de produzir o texto, ele deve também deve fazer pequenos vídeos para contextualizar sua matéria.

Portanto, pode ser que tenhamos um salto qualitativo da informação jornalística, que quebra processos tradicionais e agrega criticidade. Isso não significa que seja um processo rápido, pois os parâmetros dos meios de comunicação de massa ainda se perpetuam. É esperar para ver se o webjornalismo potencializa a mudança na estrutura de linguagem ou continua utilizando as técnicas industriais de linguagem, como a pirâmide invertida. E que os estudantes de jornalismo se atentem às mudanças, e não apenas desenvolvam técnicas mecanicistas de escrita.

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Estudante de Jornalismo da Universidade Fumec, Belo Horizonte, MG