Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pesquisa Doxa e a objetividade subjetiva

Em sua edição de nº 450, de 27 de junho de 2007, a revista CartaCapital publicou reportagem sobre pesquisa do Doxa – Laboratório de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública, vinculado ao Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), que comparou o comportamento e as opções editoriais de três jornais impressos na eleição presidencial de 2006. São os três maiores jornais do país: Folha de S.Paulo, O Globo e O Estado de S.Paulo. O professor Marcus Figueiredo, coordenador do Doxa, e a cientista política Alessandra Aldé organizaram o estudo ‘Imprensa e eleições presidenciais: natureza e conseqüências da cobertura das eleições de 2002 e 2006’, que deve ser publicado em livro ainda este ano.

Segundo a reportagem da CartaCapital, em anos eleitorais o Doxa publica quinzenalmente em seu site levantamentos sobre o viés do noticiário político dos maiores meios de comunicação do país, o que permite mensurar as escolhas eleitorais de uma mídia que todas as medições eminentemente técnicas comprovam que atua em bloco ou, para quem preferir, como cartel.

Antes de remeter meus comentários aos resultados do estudo em questão, quero incursionar por aspectos da partidarização da mídia que ela nega peremptoriamente existir. No transcurso dos anos, mantive contatos via e-mail e até pessoalmente com jornalistas famosos de dois dos três jornais pesquisados pelo Doxa – a Folha e o Estadão. Esses profissionais recusam-se a reconhecer qualquer manipulação do noticiário dos veículos em que trabalham, atribuindo os resultados a que chegou o Doxa a ser natural que a mídia seja mais crítica em relação a Lula do que aos políticos do PSDB e do PFL (agora, ‘democratas’) por força de ele ser o presidente da República – como se fosse dever da imprensa mover campanhas contra governos, no estilo ‘si hay gobierno, soy contra’. Os jornalistas da Folha, inclusive, garantem que o jornal foi igualmente crítico em relação ao antecessor de Lula, o tucano Fernando Henrique Cardoso.

Resgate histórico

O Estudo do Doxa pecou num ponto. Analisou os pleitos de 2002 e de 2006 e concluiu que, na eleição retrasada (2002), a mídia foi muito mais equânime em relação aos dois principais candidatos a presidente, Lula e José Serra, sobretudo depois da divulgação pelo PT da ‘Carta ao Povo Brasileiro’, na qual o partido se comprometeu a não romper com o sistema financeiro internacional se Lula chegasse ao poder. Porém, o estudo esqueceu de relembrar o pleito de 1998. Se o tivesse considerado, descobriria que, naquele ano, os três jornais (Folha, Globo e Estadão) inverteram a conduta do ano passado. Àquele tempo, eram mais críticos em relação a Lula. 

A imprensa atravessou a campanha eleitoral de 1998 martelando um escândalo que atingiria o então candidato a presidente da República pelo PT. Foi uma história sobre um cheque que Lula recebeu do advogado Roberto Teixeira, seu compadre, pela venda de um carro. Enquanto isso, o país era mantido no escuro sobre a situação explosiva de sua economia, que desembocaria na maxidesvalorização do real nas primeiras semanas de 1999, uns dois meses depois de uma eleição presidencial que FHC venceu dizendo que se seu principal adversário ganhasse, ele é que desvalorizaria a moeda.

O resgate pleno da história, o avivamento da memória nacional, condena a imprensa. Ainda mais à luz do recente estudo do Doxa, cujos resultados apresento a seguir, para, depois, voltar às minhas considerações finais.

‘Mais equilibrada’

Trechos da matéria de CartaCapital [ver a íntegra aqui]:

‘O Doxa utilizou uma metodologia que busca quantificar, qualificar e comparar o teor das menções a candidatos publicadas nos jornais. Há desde o registro de data de publicação da entrada, passando pela classificação quanto à área do jornal: opinião (editoriais, colunas charges, artigos assinados) ou informativa (reportagens, fotos, infográficos, chamadas de primeira página), e, por fim, chega à valência, que pode ser positiva, negativa ou neutra.

O primeiro ponto do estudo do Doxa analisa a visibilidade do candidato à reeleição: `Em 2006, a eleição ocupou desde cedo espaço destacado no noticiário político. O volume da cobertura neste ano eleitoral foi superior ao que verificamos nas eleições de 2002. Tomando o agregado do período, no OESP [Estadão], são 17.576 vezes em que aparece nos jornais o nome de algum candidato na parte de informação, e 6.692 na parte de opinião. Na Folha, os candidatos a presidente são mencionados, respectivamente, 18.037 e 7.316 vezes e, no Globo, 16.735 e 10.458. Em uma única quinzena, a última antes do primeiro turno, Lula candidato chega a ter 2.332 citações no Globo

 Os pesquisadores do Doxa destacam especialmente a postura do jornal O Estado de S.Paulo quanto às aparições de Lula. No jornal, o presidente recebe um volume de cobertura muito maior do que nos outros jornais: `O Oesp é o único em que nunca outro presidenciável ultrapassou ou empatou com Lula, no que se refere ao número de aparições´. O diretor de conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour, afirmou à CartaCapital que esta é uma conseqüência de o jornal ter o maior espaço editorial do país. Diariamente, temos de seis a oito páginas a mais do que a Folha, então é natural que esse resultado apareça´, disse.

Prosseguem os pesquisadores: `Geraldo Alckmin é o segundo candidato com mais aparições em todos os jornais depois da oficialização das candidaturas, acompanhando a polarização da campanha e do eleitorado. Nessa quinzena, o espaço que vinha sendo ocupado pelas discussão a respeito das possíveis candidaturas tucanas – a disputa entre Serra e Alckmin – passa a concentrar-se exclusivamente em Alckmin´. Até Heloísa Helena ganhou. A imprensa mostrou-se `curiosamente benevolente´ com a candidatura do PSOL, partido que defende propostas em geral combatidas pelos principais veículos. Ponderam os pesquisadores: ‘Parte da explicação para a trajetória positiva da cobertura dada à candidata decorre do espaço dado pelos jornais aos ataques da oposição ao governo ou candidatura de Lula´.’

(…)

‘Ao longo do trabalho, os pesquisadores do Doxa identificaram, com fartura de dados, que os jornais O Globo e Estadão são os mais editorializados e posicionados – negativamente, em relação a Lula –, pois apresentam menos porcentagem total de entradas neutras. Essa proporção se mantém tanto nas seções opinativas quanto nas informativas, sempre abaixo da metade.

Na parte de opinião, observou-se que a Folha mantém uma postura mais equilibrada, ao abrir espaço para o pluralismo interno de opiniões (…).’

Papel institucional

Abaixo, reproduzo gráfico publicado na CartaCapital juntamente à reportagem em questão. Tal gráfico, por si só, dispensaria mais explicações sobre os resultados detectados pelo Doxa nos três maiores jornais do país durante a campanha eleitoral do ano passado.

Que tipo de conclusão se pode tirar sobre o que acabo de reportar neste artigo? São conclusões previsíveis. Quem quer acreditar, acreditará; quem não quer, não acreditará. Mas quem, como eu, vem combatendo que a mídia atue como partido político, apenas viu no estudo a confirmação da própria percepção.

Por outro lado, ninguém imagina que os detratores de Lula, de seu governo e de seu partido aceitarão uma só linha do que o Doxa divulgou. A estratégia será, obviamente, desqualificar o estudo, como se fosse possível falsificar números como os que se vê acima. Dirão que os pesquisadores são ‘petistas’, pouco importando se tiverem ou não ligações com o partido e se, mesmo tendo, for impossível negar que os números a que chegaram são factuais.

Pessoalmente, por inútil que venha a ser diante da argumentação desqualificadora, gostaria de deixar um depoimento sobre os motivos deste que escreve para embrenhar-se por tema tão espinhoso e controverso. Apesar de ser um homem de opiniões e ideais que alguns qualificariam de viés ‘esquerdista’ – mas que são, apenas, de viés humanista –, se tivéssemos a grande imprensa se comportando com equilíbrio, se não ideal, menos escandaloso, informando fatos sem vieses e permitindo maior debate democrático entre as correntes políticas, eu não me daria o trabalho de passar uma manhã de domingo diante do computador para compor esta manifestação indignada contra práticas desonestas dos veículos que constam e que não constam deste texto.

O que ocorre é que o noticiário político dos grandes meios de comunicação brasileiros é uma vergonha sem tamanho. Ludibriam o público por meio de ‘técnicas’ antiéticas, para dizer o mínimo, e ainda exibem uma máscara de ‘imparcialidade’ que só faz agravar sua conduta.

Informação correta, opiniões no lugar de opiniões, notícias no lugar de notícias, é matéria básica ensinada em qualquer curso de jornalismo. O que o estudo do Doxa detectou é corrupção do jornalismo. É engodo. Estelionato. É prova de que este país, além de todas as carências que ostenta, não tem meios de comunicação confiáveis e, sim, agências de propaganda de interesses privados de grupos sociais, étnicos, políticos, ideológicos e, claro, financeiros.

Só se cada cidadão fizer sua parte para mudar esse quadro é que nossa sociedade poderá caminhar no sentido de, algum dia, conseguir que a imprensa cumpra seu papel institucional. Eu, pelo menos, já estou fazendo a minha.

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Comerciante, São Paulo, SP; http://edu.guim.blog.uol.com.br